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sábado, 15 DE março DE 2025

Guerra do congo: um conflito invisível

O conflito no Congo é resultado de décadas de instabilidade política, intervenção estrangeira e exploração econômica

Por Ricardo Paixão

A Guerra do Congo, também conhecida como a Guerra Mundial Africana, é um dos conflitos mais violentos e prolongados da história recente, com raízes profundas em questões étnicas, políticas e econômicas. Desde os anos 1990, a República Democrática do Congo (RDC) tem sido palco de uma série de guerras e rebeliões, impulsionadas por interesses internos e externos, especialmente os de Ruanda e Uganda.

A guerra começou oficialmente em 1996, quando o então presidente Mobutu Sese Seko foi deposto por Laurent-Désiré Kabila, com o apoio de Ruanda e Uganda, países que tinham interesses estratégicos na região, incluindo o controle de recursos minerais. No entanto, essa aliança rapidamente se desfez, e Kabila virou-se contra seus antigos aliados, desencadeando uma segunda guerra em 1998. Esse novo conflito envolveu diretamente pelo menos nove países africanos e mais de 25 grupos armados, tornando-se a maior guerra na África desde a Segunda Guerra Mundial.

As causas da guerra são complexas e multifacetadas. Em primeiro lugar, o genocídio de Ruanda, ocorrido em 1994, teve um impacto direto na instabilidade da RDC. Após a morte de cerca de 800 mil pessoas, a maioria da etnia tutsi, os responsáveis pelo massacre – os hutus – fugiram para o leste do Congo, onde se reagruparam e começaram a lançar ataques contra o novo governo de Ruanda.

Esse movimento levou Ruanda a intervir militarmente no Congo, inicialmente para caçar os genocidas, mas rapidamente evoluindo para uma guerra de ocupação e exploração dos recursos naturais congoleses, especialmente coltan, ouro e diamantes. Uganda também entrou no conflito com objetivos semelhantes, e as duas nações passaram a apoiar diferentes facções armadas dentro do território congolês.

Ao longo das décadas, a guerra gerou um número devastador de mortes. Estima-se que cerca de 10 milhões de pessoas tenham perdido a vida desde o início dos conflitos, tornando-se uma das guerras mais letais do mundo contemporâneo. No entanto, a maioria dessas mortes não ocorreu diretamente em combates, mas devido a doenças, fome e deslocamentos forçados, uma consequência direta da destruição das infraestruturas e da falta de assistência humanitária. Milhares de mulheres e crianças também sofreram com a violência sexual sistemática, utilizada como arma de guerra por diversos grupos armados.

Causa bastante estranheza como um conflito que já matou milhões de pessoas, devastou comunidades inteiras e perpetua um ciclo de violência extrema na República Democrática do Congo raramente ocupa espaço nas manchetes internacionais, quase como se não existisse para o restante do mundo. A realidade é que a África, historicamente explorada e marginalizada, nunca esteve no centro das prioridades do Ocidente, e isso se reflete na cobertura midiática seletiva, que dá atenção desproporcional a conflitos na Europa e no Oriente Médio enquanto ignora tragédias humanitárias no continente africano. O racismo estrutural e a visão de que as vidas africanas valem menos tornam a guerra no Congo invisível aos olhos da grande imprensa e das potências globais, reforçando a indiferença histórica e a falta de compromisso com a dignidade e os direitos humanos da população africana.

Atualmente, o leste do Congo continua a ser um campo de batalha, com grupos rebeldes como o M23, composto por tutsis étnicos, lutando contra o governo congolês. O M23, que surgiu em 2012 e foi temporariamente desmobilizado, voltou a atuar com força em 2022, invadindo a cidade de Goma e forçando milhares de pessoas a fugirem. O grupo justifica sua insurgência alegando a necessidade de proteção dos tutsis no leste do Congo, mas há fortes indícios de que recebe apoio direto do governo de Ruanda, o que tem aumentado as tensões entre os dois países.

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O conflito no Congo não tem uma solução simples. Ele é resultado de décadas de instabilidade política, intervenção estrangeira e exploração econômica. A paz só será possível quando houver um esforço conjunto para desmantelar os grupos armados, interromper o financiamento da guerra por meio da exploração de recursos naturais e garantir um governo congolês forte e legítimo, capaz de promover o desenvolvimento e a segurança no país. Enquanto isso não ocorre, milhões de congoleses continuam a sofrer longe dos holofotes da imprensa internacional, em uma guerra esquecida pelo mundo.

A ausência de uma resposta contundente dos organismos multilaterais, como a ONU, e das grandes potências mundiais, como os Estados Unidos e a União Europeia liderada pela Alemanha, levanta questionamentos urgentes sobre o real compromisso global com os direitos humanos. Por que a mesma solidariedade demonstrada em conflitos na Europa e no Oriente Médio não se estende à África? Onde está a pressão diplomática, o envio massivo de ajuda humanitária, as sanções contra os governos e grupos que perpetuam essa violência?

O silêncio da comunidade internacional diante do sofrimento de milhões de congoleses escancara a seletividade da compaixão global, reforçando uma narrativa de que algumas vidas valem mais do que outras. No entanto, somos todos seres humanos, iguais em dignidade e direitos, e a resposta à dor e à destruição não deveria depender da localização geográfica ou da cor da pele das vítimas. O mundo precisa romper com essa indiferença histórica e encarar com seriedade o que acontece na RDC, dando ao povo congolês a mesma atenção e empatia que se vê em outros conflitos ao redor do globo.

Ricardo Paixão é Economista, Mestre em Economia e Doutorando em Educação pela UFES, Professor Efetivo da FACELI e Conselheiro do Conselho Regional de Economia do Espírito Santo.

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