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sexta-feira, 19 abril, 2024

“Escolhi ser Capixaba”

Qualidade de vida, oportunidades de trabalho e território compacto atraem pessoas de outros estados e países e fazem estrangeiros se tornarem capixabas

Por Vitor Taveira 

A dinâmica migratória é parte fundamental da formação histórica e econômica do Espírito Santo. Para além dos dados oficiais que evidenciam isso, basta andar pelas ruas, conhecer pessoas, perguntar por suas origens. São muitos os habitantes do estado que vieram de outras unidades da federação e até de outros países, por conta de estudos, trabalhos, qualidade de vida, relacionamentos, entre outros. É o caso do empresário Paulo Baraona.

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Português, ele veio para o Brasil com os pais em 1975 aos 15 anos. Voltaram a Portugal, mas em 1986 ele se instalou novamente do lado de cá do Atlântico, escolhendo o Espírito Santo como seu local de moradia definitiva. Seguindo os passos do pai, criou uma empresa no ramo de construção civil, a Cinco Estrelas Construtora e Incorporadora Limitada, que já tem 35 anos de existência.

“Sou apaixonado por Vitória, gosto muito, realmente virou minha cidade de referência. Acho o Espírito Santo um estado diferenciado. É pequeno, com uma costa grande e muita coisa ainda por se explorar. Apesar de todos os problemas do Brasil, a qualidade de vida é boa e pude fazer grandes amizades facilmente”, conta Paulo, destacando a boa acolhida desde que chegou pela primeira vez.

Embora aponte a diferença climática entre os países, outras questões como a língua não foram problema. Ele ainda carrega o sotaque português, embora use expressões brasileiras.

Nascido na cidade litorânea de Cascais, ele possui a grande maioria da família por lá, sendo que costuma ir duas vezes por ano para visitá-los. Quando bate a saudade no Espírito Santo, ainda costuma comer os famosos pastéis de Belém numa doceria portuguesa na Praia do Canto.

Já o argentino Emilio Farfan veio parar em Vitória por casualidade. “Sou cozinheiro e a profissão possibilita viajar bastante vivendo da profissão. Fui da Argentina para a Grécia mas não me adaptei muito à cultura europeia. Decidi voltar depois de três meses mas não queria voltar para a Argentina”, conta. Ele foi então contactando com conhecidos que moravam em outros países buscando oportunidades, até que soube que seu amigo e hoje sócio Ivan di Cesare, também argentino, estava morando e trabalhando em Vitória. “Olhei umas fotos da cidade na internet, achei legal e decidi vir, nem perguntei o salário. Cheguei para trabalhar de cozinheiro, a ideia era ficar seis meses e seguir viajando pelo litoral. Fui ficando, não vim com a cabeça de empreender, não”. Enquanto trabalhavam em restaurantes, Emilio e Ivan começaram a organizar eventos em que vendiam as típicas empanadas argentinas.

Paulo Baraona
“Sou apaixonado por Vitória, gosto muito, realmente virou minha cidade de referência. Acho o Espírito Santo um estado diferenciado”, Paulo Baraona, empresário português

A aceitação foi muito boa e decidiram então empreender criando um restaurante num pequeno espaço na Mata da Praia. Surgia o La Dolina, que traz como lema “Comida com cultura”, destacando na culinária, no nome dos pratos, na decoração, na música ambiente, elementos da cultura argentina. Logo o lugar passou a ficar pequeno para a demanda e se mudaram para um espaço bem maior quase em frente, que desde o início também costuma ficar bem cheio. “Hoje o La Dolina é uma referência em relação à culinária e cultura argentina em Vitória”, se orgulha Emilio.

Ao chegar em Vitória, sentiu falta inicialmente de se conectar com grupos de teatro, de música e de cultura em geral. Mas logo foi se adaptando. “Gosto muito de Vitória, é uma cidade bonita, boa para morar. Me atrai que seja de porte médio, não é gigante nem tão pequenininha. Moro perto do meu trabalho. Pode até ter trânsito, mas não é como São Paulo ou Buenos Aires em que você pode ficar duas ou três horas no trânsito”, avalia.

A praia ao lado e a proximidade com a montanha também o atraem, além das pessoas que pôde conhecer por aqui. No Espírito Santo casou-se e espera a chegada de Akin, seu segundo filho capixaba. “Já estou mais instalado aqui do que lá na Argentina. Quando viajo para lá ou outro lugar sozinho e fico uns 15 ou 20 dias longe, já bate uma saudade muito grande daqui. Me faz pensar que já tenho grande parte da minha vida feita aqui, tenho meu trabalho, meu negócio, famílias, amigos”, relata.

Outro exemplo de capixaba por adoção é o ex-secretário do Tesouro Nacional, Marcelo Saintive, este vindo de muito mais perto. Carioca, ocupou diversos cargos no governo federal, no governo estadual do Rio de Janeiro e na iniciativa privada antes de chegar ao Espírito Santo, onde hoje é diretor-executivo do Instituto de Desenvolvimento Educacional e Industrial do Espírito Santo (Ideies), órgão de pesquisa ligado à Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes). “Tinha vindo uma única vez a trabalho, mas não dá para dizer que conheci Vitória nesta oportunidade”.

Ele considera grande a proximidade do modo de vida de cariocas e capixabas. “Penso que ambos são diurnos, gostam de praia, de esportes. Gostam de boas conversas em bares e botequins. Como o Rio é uma metrópole maior, há mais opções de cinema, teatro e museus. Mas vejo ambos os povos antenados”, considera. “Meus hábitos são frugais, mas é um privilégio poder ir e voltar a pé do trabalho. É um tempo precioso para organizar a mente”, conta Saintive. Nas horas de lazer gosta de ir a pousadas nas montanhas capixabas ou andar à beira da praia. “Esta similaridade entre Vitória e o Rio de Janeiro me faz matar as saudades da minha cidade natal”.

Considera sua atual etapa na vida profissional como um grande aprendizado. “Como gosto muito de ler e li muitos livros sobre a economia capixaba. É notório a virada que o estado deu, e continua dando, nos últimos dezoito anos. O potencial de desenvolvimento e de gerar negócios são gigantescos”, afirma.

Porém, acredita que ainda assim é preciso continuar trabalhando para andar no rumo certo. “Costumo dizer que é preciso pensar bem nas trilhas a serem percorridas e, principalmente, que os importantes atores da sociedade compartilhem de uma visão próxima dos futuros possíveis para o estado”.

Grafico
Fonte: Atlas da Migração no Espírito Santo

Novos desafios

Essas são apenas três entre milhares de histórias de pessoas que adotaram o Espírito Santo como local de trabalho e moradia. O Atlas da Migração do Espírito Santo, desenvolvido por meio de um projeto de extensão da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) com base nos dados do último Censo (2010), mostra que no período entre 2005 e 2010, considerando apenas as migrações internas, entre estados brasileiros, o Espírito Santo teve um saldo positivo de 68 mil pessoas. Dos pouco mais de 4 milhões de moradores registrados no estado no último censo, quase 650 mil, ou seja, 18,5% da população era estrangeira.

Um dos responsáveis pelo Atlas é Ednelson Mariano Dota, professor do departamento de Geografia da Ufes, ele mesmo também imigrante. Veio do interior de São Paulo para terras capixabas quando aprovado em concurso para docente da instituição federal de ensino. Como pesquisador, ele aponta que a migração não se dá de forma homogênea no Espírito Santo. Muito pelo contrário. O pesquisador analisa que os dados mostram que a porção litorânea é a que mais recebe migração, com destaque para a região metropolitana mas também para um grande crescimento na costa norte, em municípios como Aracruz, Linhares e São Mateus.

O professor da Ufes avalia que a dinâmica econômica mais ativa no litoral, com melhor infraestrutura, além de incentivos como os da Sudene no norte, tem atraído mais investimentos e, logo, mais população. “Outro elemento é que grande parte dos investimentos tem foco no comércio exterior, então a proximidade com os portos e com o mar é importante”.

Do ponto de vista das origens e destinos da migrações, os estados vizinhos são os principais locais de fluxo. Imigrantes vindos da Bahia se instalam em sua maioria na faixa que vai do litoral norte à Grande Vitória. No caso de quem vem do Rio de Janeiro, a situação é similar, ficando entre o sul do Estado e a região metropolitana, áreas mais próximas das divisas entre os estados. O outro grande fluxo vem de Minas Gerais. No sentido contrário, os três estados também são o principal destino de capixabas que saem do Espírito Santo.

Nesse casos de migrações perto das divisas, ressalta Ednelson, as dificuldades de adaptação por conta das diferenças culturais não costumam ser tão relevantes como é no caso de migrantes internacionais, especialmente para os que têm línguas e costumes mais diferenciados. No caso de refugiados, que muitas vezes chegam em situação de vulnerabilidade social, a adaptação pode ser ainda mais difícil. Embora o Espírito Santo não seja um ponto de grande destino de refugiados, nos últimos anos, têm chegado pessoas e grupos vindos de lugares como Venezuela, Haiti, Síria e Ucrânia.

Seja em relação a estrangeiros ou a migrantes brasileiros, as migrações geram novos desafios para as políticas públicas. Ednelson lembra que muitos chegam em busca de inserção no mercado produtivo mas nem sempre conseguem de maneira adequada, ficando muitas vezes em situações precárias que ampliam as desigualdades urbanas.

Migrações fazem parte da história do Espírito Santo

Pablo Lira, doutor em Geografia e professor da Universidade de Vila Velha (UVV), lembra do fluxo de imigrantes europeus sobretudo no final do século 19, muito ligado ao ciclo do café na economia capixaba. Antes, a principal força de trabalho havia sido a mão de obra escrava que trabalhou principalmente nos plantios de cana de açúcar. Embora tenha sido uma mão de obra forçada, fruto da violência e comércio de humanos trazidos de África, também representou um grande fluxo migrante que faz parte da construção sociocultural do Espírito Santo.

Mais recentemente, a partir do século 20, com o início da implantação de grandes plantas industriais em paralelo com a política de erradicação dos cafezais, o estado passa por grande êxodo rural, com muitas pessoas deixando o campo para viver e trabalhar nas zonas urbanas, sobretudo na Região Metropolitana da Grande Vitória, ao mesmo tempo em que chegam migrantes de outros estados em busca de oportunidades.

Pablo Lira aponta para o início de um novo grande ciclo econômico desde os anos 2000, tendo a extração petroleira como um de seus novos pilares, atraindo também mão de obra altamente qualificada. “O estado tem equilíbrio fiscal há mais de 10 anos, com nota A na Secretaria do Tesouro Nacional, o que também tem ajudado a atrair outros investimentos, principalmente na indústria de produção de bens finais com alto valor na produção”, avalia Lira, citando empreendimentos como a Veg, Volare e Itatiaia, todas no norte capixaba.

Em 2018, em ranking publicado pela revista Exame, Vitória figurou como a melhor cidade do Brasil para se investir, tendo se mantido geralmente entre as Top 10 nos anos anteriores e posteriores. Cachoeiro de Itapemirim e Colatina também apareciam entre as 100 primeiras cidades no ranking de 2018. A capital capixaba ainda costuma pintar em classificações considerando qualidade de vida e indicadores sociais, como é o caso do DGM 2021, que analisa os desafios das gestões municipais. Nela, Vitória aparece em décimo lugar, enquanto Vila Velha, Serra e Cariacica aparecem nas posições 59, 61 e 91, respectivamente.

Pablo Lira destaca que além da ambiência favorável para investimentos, a característica de urbanização e metropolização de forma mais compacta na Grande Vitória é um importante atrativo em relação a metrópoles maiores.

“Isso atrai pessoas querendo fugir dos problemas dos grandes centros. Muitas pessoas migram buscando qualidade de vida. Esse território bem compacto é um ativo que a gente tem aqui no estado do Espírito Santo”, comenta. Próximo dos grandes centros e conectado por meio do aeroporto acessível, além das possibilidades de reuniões remotas e das novas configurações do trabalho, isso possibilita que em alguns nichos de mercado seja possível a decisão de sair desses grandes centros e optar pela capital capixaba.

Ainda na região metropolitana, Lira destaca sua cidade de origem, Guarapari, como de um fluxo significativo de novos moradores, sobretudo aposentados, vindos principalmente de Minas Gerais, com a proposta de viver perto da praia e numa cidade de médio porte. É nessas indas e vindas humanas que se forma o Espírito Santo com sua cultura, história e economia, que se nutrem de tradições locais em diálogo com o que vem de fora. Como costuma dizer o escritor Adilson Vilaça, mais do que a busca de certos ícones ou essencialismos, a identidade capixaba tem como principal marca a diversidade.

A matéria acima é uma republicação da Revista ES Brasil, Edição nº 191, do ano de 2021. Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi escrita. 

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