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quinta-feira, 2 maio, 2024

Entrevista: Games não são causa mas fator de risco para violência

ES Brasil entrevistou Luiza Chagas Brandão, doutora em psicologia clínica, para falar sobre as possíveis influências dos games nos atentados às escolas

Por Rafael Goulart

A discussão sobre a influência dos jogos eletrônicos (games) no comportamento humano voltou aos holofotes devido à onda de ataques e ameaças às escolas no Brasil e chegou no seu ápice após autoridades, incluindo o presidente Lula, dizerem que há uma relação direta entre as duas coisas (games e atentados às escolas).

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Pela internet, muitos gamers reagiram negando e ironizando tal relação com o argumento de que outros tipos de jogos, como das famosas franquias Pokémon e Mário, não influenciam ninguém a reproduzir o conteúdo ou pelo menos não há registros de incidentes graves.

Do outro lado, outras pessoas faziam coro com a ideia de que, de alguma forma, os atentados nas escolas são causados pelo consumo de jogos eletrônicos violentos. Como argumento, apontam que os perpetradores jogavam tais games.

Um ponto interessante da discussão mas que recebeu pouca atenção é sobre a comunicação dentro dos jogos, quer dizer, os games possuem sistemas de comunicação de texto e áudio que permitem os jogadores conversarem entre si, porém não há nenhuma fiscalização para impedir que crianças e adolescentes sejam aliciados ou ofendidos  – inclusive com racismo – nessas conversas.

O fato é que há décadas pesquisadores e renomadas instituições tem se debruçado sobre os efeitos dos games no comportamento humano e nas mudanças sociais. Em entrevista ao portal ES Brasil, a doutora em psicologia clínica Luiza Chagas Brandão fala sobre o que a literatura acadêmica e científica acumulou de conhecimento sobre o assunto.

Entrevista

Entrevista: Games não são causa mas fator de risco para violênciaLuiza Chagas Brandão é doutora em psicologia clínica, autora e coautora de estudos na psicologia sobre os jogos eletrônicos. Para a psicóloga, as evidências científicas não permitem colocar os jogos eletrônicos como causadores ou motivadores dos atentados às escolas, porém, pode ser um fator de risco para comportamentos violentos.

A diferença é que não é possível estabelecer uma relação de casualidade entre os games e violência, já que está é fenômeno social complexo e multifatorial. 

 

ES Brasil – Você acha que existe essa relação direta de consumo de jogos com conteúdo violento e ataques às escolas ou algum outro crime? Até que ponto o conteúdo do game influencia nas decisões a serem tomadas no mundo real?

Luiza Chagas Brandão – Existe uma resolução da Associação Americana de Psicologia (APA) sobre o efeito dos jogos eletrônicos que começa dizendo que a violência é um fenômeno social complexo que está relacionado a muitos fatores e por tanto não é cientificamente correto atribuir essa violência aos games, até porque também tira a atenção sob outros fatores importantes nessa discussão.

A APA é clara em dizer que não existe uma relação direta entre consumo de jogos violentos e ataques nas escolas. O que acontece é que existe uma série de pesquisas – é um tema bem consolidado na literatura – que apontam que o consumo de jogos violentos aumenta pensamentos, emoções e comportamentos violentos  e que isso pode estar relacionado com decisões do mundo real, mas não se pode falar dos games como causa ou motivador da violência.

– Essa ideia de que consumo de conteúdo violento gera ações similares a do conteúdo seria aplicável também aos filmes, músicas, jornais, novelas e outros produtos?

Não é por aí, não é uma relação direta de imitação, é sobre o efeito do consumo da violência no comportamento.

A relação que existe com filme, música, jornal e novelas é diferente. Existe uma diferença entre o consumo passivo e ativo, no videogame a pessoa está fazendo a violência e não só consumindo passivamente o conteúdo.

– Essa ideia de que games são causadores ou motivadores de atentados não é nova e nem brasileira. Desde o massacre de Columbine algumas pessoas apontam os games – na época a franquia Doom – como causa ou motivo para os atentados, mas o que já foi produzido em caráter científico? O que as pesquisas mostram até agora?

Tem bastante material científico, é um assunto de muita importância e o massacre de Columbine levantou esse tema com muita força, tanto que ele é citado nessa resolução da APA sobre o tema.

A APA é bastante clara no que está e não está comprovado, então existe essa associação com aumento de violência, mas não podemos falar de nada que causa violência – porque a violência é um fenômeno complexo que envolve diferentes fatores, questões e aspectos simultaneamente. É raso apontar uma única coisa como causa.

A gente não pode falar de causalidade, a gente pode falar de fator de risco e de fator de proteção, que são elementos que vão se somando como vetores para alcançar determinados resultados. A gente precisa olhar para diferentes elementos para entender o que produz o comportamento violento.

– Saindo do tema específico de ataque às escolas e outros crimes, qual é a influência real (apontada pela Ciência) dos games na vida das pessoas, em especial criança, adolescentes e jovens? Existe diferença de acordo com as categorias de jogos?

Quando a gente muda para outros problemas, como o vício, existem categorias específicas relacionadas ao aumento de tal problema. Por exemplo, a categoria MMORPG é a que mais está relacionada à adição.

Tem uma frase que é legal que é assim “a gente falar sobre efeito de videogame sem especificar o game é o mesmo que falar de comida sem especificar a comida”, muitas dessas questões de videogames que parecem confusas e atrapalhadas, assim são porque tentam jogar tudo em um balaio sem fazer essa categorização.

Os jogos de ação sem conteúdo violento, por exemplo, são os mais associados aos ganhos de funções executivas que também já está na literatura.

E vamos abrindo outras camadas, porque quando você vai para a literatura de efeitos relacionados aos jogos eletrônicos, temos também a questão da obesidade. São camadas diferentes e que os fatores de risco e proteção vão sendo levemente diferentes porque estamos falando de efeitos diferentes e usos diferentes.

– E sobre a comunicação nos jogos. Você acha que é um problema subestimado nessa análise? Quer dizer, os games possuem sistema de comunicação por texto e/ou áudio dentro do próprio jogo, ou seja, os jogadores conversam um com os outros, como se fosse uma rede social e isso pode colocar aliciadores em contato com crianças, perpetradores com outros perpetradores, entre outros tipos de conexões. Isso é realmente um problema, o que a família pode fazer e o que Estado deveria fazer?

Eu entendo que essa (comunicação nos jogos) é uma área mais nova e por isso tem menos literatura para a gente se apoiar, mas com certeza a convivência não moderada de crianças com adultos é grave e deixa as crianças vulneráveis a aliciamentos (grooming) e abusos sexuais.

O que a família pode fazer de uma maneira geral é respeitar a classificação etária de tudo que os filhos têm acesso nas mídias. Existe a necessidade de monitoramento, os pais precisam saber e acompanhar o que o filho está fazendo online.

Já o Estado, depende de quais efeitos estamos lidando. No que diz respeito a esse movimento de ataque às escolas, a polícia monitorou as redes de comunicação da internet e encontrou muitos problemas.

– Na internet é fácil encontrar vídeos de jogadores “surtando” por perder em algum game, o que podemos falar desse comportamento?

O que vejo hoje é que as pessoas estão com habilidade pior de resolução de conflito e regulação emocional e talvez seja pelo uso da tela desde cedo.

A tela não promove regulação emocional. Os pais muitas vezes usam a tela como distração para que a criança para de chorar por exemplo, mas distração não ensina regulação emocional. Posso usar como estratégia para uma crise, mas não ensino a regulação emocional.

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