Cada cooperado tem direito a um voto e a sobras do exercício, que serão distribuídas proporcionalmente à movimentação dele na cooperativa
Por Daniel Hirschmann
Os bons frutos do cooperativismo também podem ser colhidos em tempos de crise, garantindo resiliência econômica aos produtores. Por ser um sistema que incentiva a circulação das riquezas locais, o cooperativismo pode se tornar uma saída para uma crise econômica de curto prazo, como aconteceu na pandemia de Covid-19, quando muitos negócios de outros setores faliram. “É uma sociedade preparada. A cooperativa vai estar preparada, e o cooperado também. E a cooperativa promove esse desenvolvimento da sociedade local”, explica Vinícius Schiavo, da OCB-ES.
Ele diz que muito dessa resiliência se deve aos sete princípios que norteiam o cooperativismo, entre os quais destaca três que considera terem sido primordiais na pandemia: participação econômica nos resultados; educação, formação e informação; e o interesse pela comunidade.
Schiavo acrescenta que muitas cooperativas do Espírito Santo conseguiram, inclusive, manter o quadro de colaboradores na pandemia, enquanto empresas gigantes e multinacionais tiveram que fazer cortes de pessoal. Segundo ele, as cooperativas “não só conseguiram, mas fizeram questão de manter colaboradores, porque sabem que eles dependem daquilo, têm uma vida ali dentro da cooperativa”.
Força da coletividade
Para o presidente da Cooperativa Agrária dos Cafeicultores de São Gabriel (Cooabriel), maior cooperativa de café conilon do Brasil, Luiz Carlos Bastianello, é importante destacar que a cooperativa é uma instituição feita de pessoas, e não de capital social.
A diferença pode ser percebida no fato de que cada cooperado tem direito a um voto e a sobras do exercício, que serão distribuídas proporcionalmente à movimentação dele. Ou seja, quanto mais o produtor movimentar, maior será o resultado obtido dentro da cooperativa.
Ele salienta que, dentro do ambiente cooperativista, leva-se em consideração a coletividade, o que vai ao encontro do sétimo princípio do cooperativismo, que é o interesse pela comunidade. “A cooperativa é uma instituição que preza por que toda a riqueza gerada por ela seja aplicada na mesma região onde foi produzida, diferentemente de outras instituições e modelos societários. Onde existe uma cooperativa normalmente o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é maior, porque a instituição mantém recursos e trabalha para a evolução da região onde está atuando”, afirma Bastianello.
Desafios para crescer
Vencido o período da pandemia, outros desafios se impõem às cooperativas em tempos de mudanças causadas pelas transformações digitais. Desafios que podem ser vistos, também, como oportunidades de crescimento. “Temos muito a avançar. Nós temos várias cooperativas no Espírito Santo e no Brasil que estão enxergando oportunidades e boas práticas nas novas tecnologias, nas inovações. Elas vão se sobressair”, prevê Edenilson Potratz.
Infelizmente, diz ele, algumas “vão patinar”, mas os líderes do cooperativismo no estado estão investindo e dando apoio financeiro para setores inovativos, a fim de que seus profissionais busquem soluções diante das constantes mudanças de um mundo cada vez mais tecnológico e digital. “Para que a gente possa agilizar nossos processos com mais segurança, com mais transparência. E com mais solidez, dentro da relação de cooperativa com cooperado e do cooperado com a cooperativa”, explica o presidente da Nater Coop.
Outro desafio a ser superado é o da logística, que “cada vez está mais complicada”. Potratz lamenta que haja pouco investimento público nessa área e pede mais foco para melhorar as rodovias e ferrovias, para que as cooperativas possam ter melhores condições de escoamento da produção.
Diversificação e gestão
Para Vinícius Schiavo, um avanço necessário no setor é a diversificação de atividades, “porque muitas cooperativas ainda estão estagnadas na monocultura”. Isso ocorre não porque as cooperativas estejam com dificuldades financeiras. “São cooperativas que têm faturamentos altíssimos, que têm a possibilidade de diversificar. E acabam ficando estacionadas nessa questão, na monocultura”, diz o técnico da OCB.
Ele também observa uma maior necessidade de profissionalização da gestão e governança das cooperativas. “A gente vê um pouco desse atraso no setor agro. Atraso que talvez, em outros setores, já seja menor ou esteja até superado”, lamenta Schiavo, citando o setor médico, que “tem um processo de gestão e governança que é muito bem construído”.
Regularidade técnica e aprendizagem
Nesse aspecto, a OCB-ES oferece um caminho com um trabalho de Certificação de Regularidade Técnica (CRT), promovido para todas as cooperativas. Cada técnico da OCB-ES tem uma carteira de cooperativas para atender, dividida por ramos, a fim de aplicar a CRT. “A Certificação de Regularidade Técnica é um processo educativo para incentivar e promover uma melhor gestão da cooperativa. Identificar problemas, promover soluções. Isso ajuda a cooperativa a ter uma melhor gestão e organização para enfrentar essas crises econômicas, como foi na pandemia”, explica Vinícius Schiavo.
Além desse trabalho, as cooperativas contam com o Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo do Estado do Espírito Santo (Sescoop/ES), que tem como finalidade executar ações de monitoramento, formação profissional e promoção social no âmbito das cooperativas capixabas.
O analista da OCB salienta que muitas pessoas não têm noção de como funciona o sistema e olham para a cooperativa como se fosse uma empresa. “Mas a verdade é que as cooperativas trabalham para as pessoas, e não o inverso. Não são as pessoas que trabalham para a cooperativa. A cooperativa é que trabalha para as pessoas. E esse é o diferencial do nosso modelo de negócio”, finaliza Schiavo.
*Matéria publicada originalmente na revista ES Brasil 223, de setembro de 2024. Leia a edição completa sobre Agronegócio Capixaba aqui.