“O pós-pandemia está agendado para o ano que vem, mas no meio do caminho há a Ômicron”
Por Fernando Carreiro
Dois mil e vinte e um foi um ensaio. Um pré-ano do oficial. Nada foi pra valer. Não se viu início, meio e fim de absolutamente qualquer história. O que era pra ser, não foi. A política está acostumada a olhar para o passado, mas, este ano, ela viveu no próprio pretérito.
A começar pela pandemia. Todos nós acreditávamos, no ano passado, que em 2021 estaríamos vivendo o período pós-pandêmico. A segunda e a terceira ondas atrasaram um pouco o início desse filme.
Assistimos (em looping, é verdade) ao pré-pós-pandemia, com cenas de um início de vacinação que mesclou, na mesma solução, alegria e frustração pelas doses falsificadas e contrabandeadas de vacina e pelos escândalos de corrupção envolvendo lotes do antídoto. O pós-pandemia está agendado para o ano que vem, mas no meio do caminho há a Ômicron.
A esperada retomada econômica também ficou no pré e num outro prefixo, digamos, um pouco mais robusto: o ‘infla’, de inflação. As perspectivas, desde o ano passado, não eram as melhores, é verdade, mas o brasileiro também não esperava o preço do patinho a R$ 50. Nem a dúzia de ovos a R$ 18. Muito menos a conta de energia quase 30% mais cara. E o gás de cozinha?! Entrar em um supermercado virou problema de segurança pública: “mãos ao alto!”
Terrivelmente, o quadro para 2022 não inspira esperança na área econômica. Os problemas sociais também tendem a se agravar à medida que economia degringola: mais gente desempregada, mais negócios fechando, mais casos de estresse, ansiedade e depressão. É o pós… do pré.
A política viveu o ano das pré…vias. Um preview micado do PSDB e mais insossa pré-campanha dos últimos tempos. Um festival de narrativas de nada para lugar algum. O cidadão preocupado com a baixa nos empregos, prefeitos e governadores fazendo contagem de vacinação; o pequeno e médio empreendedor de olho no faturamento, deputados e senadores com discursos inflamados por mais segurança e contra a corrupção; o brasileiro preocupado com a alta no preço dos alimentos, o presidente da República criticando a defesa da linguagem neutra pela esquerda. O debate ideológico, a propósito, nunca saiu das prévias. Aliás, ele é necessário para alimentar os polos.
No Espírito Santo, neste ano, tivemos a pré-pré-campanha eleitoral. Ninguém colocou oficialmente a cabeça. Não há candidatos a governador e senador, e ao mesmo tempo há muitos. O mercado político se tornou uma grande sala onde todos conversam com todos e não chegam a qualquer definição.
Audifax Barcelos, César Colnago, Felipe Rigoni, Guerino Zanon, Manato e o governador Renato Casagrande. Todos são pré-candidatos sem ser ou, sem ser, serão candidatos. A mudança na lei eleitoral e a instabilidade econômica – e política – por que passa o país contribui demais para esse cenário de incertezas tão certas. Ou certezas tão incertas.
Vivemos tempos líquidos, como vaticina brilhantemente em sua obra o sociólogo polonês Zygmunt Bauman. A fluidez de tudo que nos acomete cria esse estado de incertezas e inseguranças geradas por, vejam só, certezas absolutas e seguranças que se desfazem em questão de dias, horas e minutos.
Achamos que está tudo bem e, na sequência, percebemos que nada mais está como era antes. O que é sólido se desmancha no ar. O centenário pensamento de Karl Marx nunca foi tão adequado, apesar de dicotômico nessa era corrente.
Como pode um ano que não passou de “pré” dizer tanto sobre o que virá? Por óbvio, tudo que se ensaia é uma mostra do que se deseja apresentar. E o cenário é de incertezas.
Fernando Carreiro, é jornalista e consultor de comunicação especializado em imagem, reputação e gerenciamento de crises