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sábado, 6 DE julho DE 2024

Em que direção navega o futuro da cabotagem no Brasil?

Embora mais segura, econômica e sustentável do que o modal rodoviário, a cabotagem ainda cresce timidamente no país

Por Kebim Tamanini

A cabotagem – que consiste na movimentação de cargas e passageiros entre portos do mesmo país, seja pela linha costeira, seja por rios e lagos – é uma atividade muito antiga no Brasil, iniciada ainda nos tempos da colonização. Ao longo dos séculos, desempenhou um papel vital no transporte de pessoas e mercadorias, conectando diferentes regiões e comunidades e impulsionando o comércio e a integração nacional.

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A principal vantagem desse modal é sua adequação a percursos longos, como é frequente no caso do Brasil, que possui distâncias continentais, conectando cidades, estados e regiões distantes entre si. Além disso, esse tipo de movimentação de carga é mais competitivo, menos poluente e menos sujeito a acidentes do que o modal rodoviário.

O consultor em Logística Romeu Rodrigues, em artigo publicado no Linkedin, afirma que é reconhecida por todos a carência de infraestrutura logística no Brasil. “Imagens de caminhões atolados, de vagões corriqueiramente descarrilados, de filas de caminhões nos portos e de filas de navios aguardando atracação são bem conhecidas de quem atua no comércio exterior e até mesmo para o cidadão comum”, exemplifica.

A grande capacidade operacional de movimentação de cargas da navegação de cabotagem gera ganhos de escala que resultam em vantagens econômicas - Foto: Divulgação Norsul
A grande capacidade operacional de movimentação de cargas da navegação de cabotagem gera ganhos de escala que resultam em vantagens econômicas – Foto: Divulgação Norsul

No contexto dessa intrincada rede logística brasileira, o transporte aquaviário emerge como um dos elementos primordiais para impulsionar a economia do país. De acordo com dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), a movimentação no setor portuário ultrapassou 1,303 bilhão de toneladas em 2023, representando o maior volume registrado na série histórica. A ANTAQ informou que, dos 11,2 milhões de toneladas de cargas conteinerizadas, 3,4 milhões foram transportadas por cabotagem somente em fevereiro deste ano, “apresentando um indício de que o setor pode voltar a apresentar crescimento de dois dígitos no ano de 2024”, pontuou a agência federal.

“A diversidade de mercadorias transportadas por cabotagem é impressionante, abrangendo desde minérios até produtos eletrônicos. No ano passado, mais de um milhão de contêineres foram transportados, evidenciando a magnitude desse mercado”, enfatiza o diretor executivo da Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (ABAC), Luis Resano.

Apesar do significativo crescimento que a navegação de cabotagem obteve nos últimos anos, ela detém uma participação relativa de menos de 11% do total das modalidades de transportes. Atualmente no Brasil, o modal rodoviário responde por quase 65% da carga transportada.

A cabotagem é utilizada por grandes empresas e regiões produtoras. No Espírito Santo, uma das grandes organizações que utilizam o modal é a ArcelorMittal Tubarão, que assim transporta bobinas de aço para sua unidade em São Francisco do Sul (SC) e também para enviar de lá para Goiana (PE) os aços planos que fabrica para a Fiat Chrysler Automóveis.

Segundo a empresa, nesse trajeto para o Nordeste a cabotagem toma mais tempo do que o transporte rodoviário – 11 dias para carga, descarga e percurso, contra sete dias do caminhão; em contrapartida, um navio transporta a carga total prevista para o mês, enquanto no modal rodoviário esse volume seria fracionado.

A cabotagem é a navegação entre portos do mesmo país, e se contrapõe à navegação de longo curso, que é realizada entre portos de diferentes países - Foto: Divulgação Aliança
A cabotagem é a navegação entre portos do mesmo país, e se contrapõe à navegação de longo curso, que é realizada entre portos de diferentes países – Foto: Divulgação Aliança

Como afirma o gerente-geral de Logística da ArcelorMittal, Rodrigo Augusto Deslandes, em seu artigo na página 58 desta edição, a cabotagem é uma alternativa viável e sustentável ao transporte rodoviário, um dos grandes gargalos da infraestrutura brasileira.

“Como evidenciado pela ANTAQ, o modal apresenta uma eficiência energética 29 vezes maior do que o rodoviário e consome 19 vezes menos combustível. Também emite seis vezes menos gás carbônico que o rodoviário, contribuindo para a redução de emissões e mitigação das mudanças climáticas. Com extensão litorânea de quase 7,5 mil km e a maior parte da sua atividade econômica concentrada na região costeira (pelo menos 80% da população reside a até 200 km do litoral), nosso país pode e deve otimizar o uso desse modal”, pontua Deslandes sobre os benefícios da cabotagem.

Expectativa e crescimento do setor

Quanto ao futuro da cabotagem, as perspectivas são promissoras. Apesar de o crescimento ter sido afetado pela pandemia, espera-se que, com a entrada de novos players e a retomada da economia, a atividade cresça novamente.

Antes do período pandêmico, o setor apresentava um crescimento anual robusto de 10%, indicando uma ascensão significativa. Porém, com os impactos da crise global, houve uma desaceleração drástica, refletindo-se na economia do país e no crescimento da cabotagem, o qual alcançou apenas 1,6% no último ano, conforme dados da Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (ABAC).

Em que direção navega o futuro da cabotagem no Brasil?“Essa estabilização é um alerta para a necessidade de adaptação às novas realidades e busca por estratégias para impulsionar o setor. A entrada da Norcoast, uma nova empresa na cabotagem de contêineres, que se junta a outras três já existentes, pode representar um impulso, com expectativas de crescimento. No entanto, é prudente ser realista quanto às projeções, considerando um aumento mais moderado em torno de 5% neste ano”, esclarece Resano.

O CEO da Norcoast, Gustavo Paschoa, também comentou sobre as expectativas para o mercado de cabotagem no país.

“A cabotagem vem ganhando espaço na matriz de transporte brasileira e deve fazer parte do planejamento logístico das empresas que atuam em um território tão vasto quanto o Brasil. É fundamental incluir cada vez mais a navegação costeira nas cadeias de valor das empresas e embarcadores, fomentando a transição energética e buscando soluções mais inteligentes e sustentáveis”, disse.

“A Norcoast oferece serviços semanais com rotação que abrange os principais portos brasileiros. É importante destacar que todos os navios operam com bandeira brasileira e tripulação 100% nacional, garantindo o cumprimento das regulamentações e fortalecendo a economia local”, salienta Paschoa sobre as regras brasileiras que a empresa segue para atuar no mercado nacional.

A cabotagem abrange diferentes segmentos, como o transporte de contêineres, mais voltado ao varejo, e de produtos e matérias=primas que atendem às necessidades das indústrias. Especialistas afirmam que o crescimento desses segmentos depende, em grande parte, de novos projetos industriais e do aumento da demanda por transporte.

O governo federal, por meio do Ministério da Infraestrutura, anunciou um novo Plano Nacional de Logística (PNL) que chegou a ser disponibilizado para audiência pública em 2021. Entre investimentos públicos e parcerias privadas, foram estimados R$ 480 bilhões em aportes até 2035, sendo R$ 21,7 bilhões aplicados em cabotagem – aumentando, assim, a cabotagem em 13% por Tonelada Quilômetro Útil (TKU), medida que considera volume e distância percorrida.

“A cabotagem não é um mercado para amadores, mas sim para armadores preparados para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades desse setor” - Luís Resano, diretor-executivo da ABAC - Foto: Divulgação
“A cabotagem não é um mercado para amadores, mas sim para armadores preparados para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades desse setor” – Luís Resano, diretor-executivo da ABAC – Foto: Divulgação

A “BR do Mar”

Em um movimento estratégico visando reequilibrar a matriz de transporte brasileira, desenvolver a cabotagem e reduzir custos para conferir maior eficiência à economia nacional, foi promulgada em 2022 a Lei nº 14.301/2022, conhecida como “BR do Mar”.

Essa iniciativa representa um esforço significativo para tornar o transporte marítimo mais acessível e competitivo no cenário nacional.

Segundo a Secretaria-Geral da Presidência da República, essa legislação também tem como objetivo incrementar a oferta e a qualidade do transporte por cabotagem, fomentar a concorrência, estimular a competitividade e aumentar a disponibilidade de frota nacional.

Além disso, busca-se qualificar profissionais marítimos brasileiros e impulsionar o desenvolvimento da indústria naval nacional.

Uma das medidas mais notáveis incluídas na nova lei foi a permissão para que empresas brasileiras de navegação atuem sem a necessidade de possuir frota própria de embarcações, possibilitando o fretamento de navios de empresas específicas para esse fim, conhecidas como Empresa Brasileira de Investimento na Navegação (EBN-i).

“A nova lei representa um passo importante para impulsionar a cabotagem no Brasil, buscando reduzir os custos e promover a competitividade do setor. No entanto, sua implementação efetiva e o sucesso do programa BR do Mar dependem de uma regulamentação adequada e do engajamento contínuo das partes interessadas. A cabotagem não é um mercado para amadores, mas sim para armadores preparados para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades desse setor, vital para a economia nacional”, enfatiza o diretor executivo da ABAC, Luís Resano.

*Matéria publicada na revista ES Brasil 221, de maio de 2023. Leia a edição completa aqui

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