Celso Furtado foi uma potência intelectual
Por Rodrigo Augusto Prando
No dia 26/07 o economista Celso Furtado teria completado 100 anos. Também em julho de 1920 nasceu Florestan Fernandes o que nos leva a crer que é um ano e um mês destinado ao nascimento dos grandes, grandes nomes do pensamento brasileiro.
Celso Furtado foi uma potência intelectual. Estudou e escreveu muito sobre economia, especialmente, o subdesenvolvimento brasileiro e latino americano. Foi intelectual de escol e, ainda, homem de ação, pois lutou pelas suas ideias e interveio não apenas no debate, mas, também, na realidade nacional. Particularmente, travei contato com o nome de Furtado nos idos de 1996, no primeiro ano de Graduação em Ciências Sociais, lendo “Formação Econômica do Brasil”.
Tenho, aqui, guardadas as fichas de leitura da obra e lembro do impacto que me causou conhecer a economia brasileira à luz da interpretação furtadiana. Dos muitos comentadores de sua obra, vários o colocam no mesmo patamar dos autores da Geração de 1930: Gilberto Freyre (“Casa grande & senzala”), Caio Prado Júnior (“Formação do Brasil contemporâneo”) e Sérgio Buarque de Holanda (“Raízes do Brasil”). Em “Pensadores que inventaram o Brasil”, Fernando Henrique Cardoso afirma – acerca de Furtado – que: “Primeiro lemos A economia brasileira. Depois, a Formação econômica do Brasil.
Foi um choque enorme: passamos a ler e adivinhar o que ocorria no Brasil pela lente da economia. […] Celso Furtado fez brotar em nós a paixão pela economia”. Celso Furtado teve uma trajetória de vida superlativa e, resumidamente, pode-se destacar: foi aprovado em concurso público como técnico em administração no Departamento do Serviço Público do Estado do Rio; forma-se em Direito; como havia cursado o CPOR (Curso de Preparação de Oficiais da Reserva) é convocado para a Força Expedicionária Brasileira e vai para a Itália, onde é feriado em batalha; cursa, posteriormente, seu Doutorado em Economia na Sorbonne; após o doutorado vai trabalhar na Cepal (Comissão Econômica para a América Latina), no Chile; desliga-se da Cepal e assume, no Brasil, diretoria do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico); participa de grupo de estudos para formulação de uma política de desenvolvimento para o Nordeste; e nomeado superintendente da Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste); nomeado Ministro do Planejamento de João Goulart e elabora o Plano Trienal; e, ainda, leciona em várias universidades estrangeiras e profere uma ampla gama de conferências, dentro e fora do Brasil.
Teoricamente, não se pode coloca-lo no campo marxista, embora conhecesse a obra de Marx; sua postura analítica seria, segundo os especialistas, próxima de Keynes. Furtado foi conhecedor profundo do subdesenvolvimento nacional e tinha proposta para superar esse quadro. Assim, na ótica de Francisco Oliveira, em “Celso Furtado” (Coleção Grandes Cientistas Sociais) havia “o remédio – a teorização cepalino-furtadiana faz-se em função da proposição de políticas – [que] para sair do círculo vicioso do subdesenvolvimento é [necessário] industrializar-se”. O arsenal teórico de Furtado nunca foi para demonstrar erudição – que, efetivamente, ele tinha – e sim um ferramental capaz de ser aplicado na realidade e, importante enfatizar, num diálogo entre a teoria econômica e a Política, esta como a dimensão capaz de operacionalizar as ideias objetivando-se mudar a estrutura da sociedade brasileira.
Numa conjuntura de epidemia com severa crise sanitária e econômica creio que revisitar Celso Furtado seja bem mais interessante (e urgente) do que agarrar-se num liberalismo démodé. Não bastassem as formulações teóricas e a intervenção concreta de Furtado no país, rememoro a fala de Francisco Oliveira que, certa feita, estava em trabalho de campo com Celso Furtado e este reservou – para ambos – apenas um quarto, no hotel, com duas camas para economizar o dinheiro público que pagaria a estadia dos dois. A força ética, republicana, de Furtado faz uma falta tremenda nos dias que correm.
Para os que quiserem conhecer, panoramicamente, alguns aspectos da trajetória e obra de Celso Furtado, recomendo:
CARDOSO, F. H. Pensadores que inventaram o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
FURTADO, C. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional/Publifolha, 2000. Neste, ver, também, o guia de leitura de Gilson Schwartz.
OLIVEIRA, F. (Org.). Celso Furtado. Economia. Coleção Grandes Cientistas Sociais. São Paulo: Ática, 1983.
Rodrigo Augusto Prando Professor e Pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp