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quarta-feira, 1 maio, 2024

Entrevista com Gustavo Cerbasi

Entrevista com Gustavo CerbasiMestre em Administração/Finanças pela FEA/USP, Gustavo Cerbasi ficou conhecido pelos mais de 1,5 milhão de livros de finanças pessoais, entre eles o best seller “Casais Inteligentes Enriquecem Juntos”. Hoje, aos 38 anos, ele possui renda suficiente para deixar de trabalhar, mas continua ministrando cursos, palestras, treinamentos e prestando consultorias por todo o Brasil, tentando convencer as pessoas de uma coisa: é fácil juntar dinheiro. Nesta entrevista, ele usa sua experiência nas finanças pessoais para ensinar como também as empresas podem ter uma vida financeira saudável, seguindo passos simples.

Qual é a importância da educação financeira na vida da sociedade?

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A educação financeira torna a riqueza construída pelo país mais produtiva. Hoje, existe um excesso de pagamento de juros da população aos bancos. Supõe-se que os bancos ganhem muito com isso, o que não é verdade. Os bancos estão fazendo o trabalho deles, que é conceder crédito a quem o desfruta. Atualmente, 20,25% da renda da população são consumidos em juros. Imagine se essa população, usando melhor o crédito e racionalizando o acesso ao crédito, passasse a pagar apenas 10% de juros e consumisse 10% a mais. Consumindo 10% mais, o comércio ganharia mais, assim como os distribuidores e os produtores, ou seja, todas as partes dessa cadeia produtiva, para conseguirem atender a essa demanda, teriam que financiar sua operação e buscar dinheiro nos bancos, alavancando tudo isso. Ou seja, até os bancos ganhariam se as pessoas pagassem menos juros e buscassem mais consumo. Então, a educação financeira é fundamental para o crescimento do país.

Diante disso, educar os filhos para que consigam ter uma vida financeira saudável seria papel dos pais ou deveria fazer parte da grade escolar?

A escola hoje tem condições de oferecer uma estrutura de educação financeira, organizar uma linha de pensamento. O papel dos pais seria aplicar essa linha de conhecimento. É algo parecido com o que aconteceu com a nutrição: nas escolas, a disciplina Ciências sempre existiu e com o passar dos anos Nutrição e Ecologia foram ganhando espaço. Mas é justamente a busca dos pais por uma alimentação saudável, reforçada pela educação escolar, que está fazendo as crianças mudarem hábitos. A preocupação tem que ser conjunta de pais, escola e com o suporte dos outros agentes da sociedade.

Problemas financeiros são a realidade da maioria das famílias brasileiras. Em contrapartida, 90% ou mais das empresas do país são familiares. Essa cultura nas finanças pessoais acaba influenciando na saúde financeira das empresas?

Na verdade, o brasileiro está cada vez mais empreendedor, o que é ótimo para a economia. Os brasileiros estão cada vez menos estimulados a pouparem seu dinheiro e, em contrapartida, cada vez mais dispostos a montarem negócios, e isso é excelente. Mas brasileiro não tem tradição de planejamento. Nós não somos estimulados a planejar, ainda vivemos a cultura viciada do curto prazo, que era interessante na época da inflação. Por isso, o que acaba acontecendo é que, quando o brasileiro, hoje, monta um pequeno negócio e contrata uma franquia, ele rapidamente quer colher os benefícios disso. E se esse novo negócio gerar um resultado de R$ 5 mil, há uma tendência de esta família tentar adotar um padrão de vida que chegue a este valor, o que acaba matando o potencial de crescimento do negócio, quando o ideal seria adotar um padrão de vida um pouco mais simples e reinvestir uma parte dos lucros. Assim, esse negócio ganha sustentação e lá na frente, quando a sobra não for de R$ 5 mil, mas de R$ 50 mil, talvez essa família possa começar a desfrutar de um padrão de vida bem melhor.
Brasileiro tem muita pressa, e nessa pressa acaba por confundir muito o lucro da empresa com distribuição quando, na verdade, do lucro deveria sair o reinvestimento com a sobra. Nessa confusão do que é da empresa com o que é da família, as empresas acabam comprometendo seu potencial de enriquecimento familiar e potencial de crescimento das empresas. Temos um brasileiro empreendedor para começar um negócio, mas ignorante do ponto de vista da capacitação para que negócio se torne algo maduro, robusto e crescente a longo prazo.

Então, o ideal para quem está querendo se tornar empreendedor e não quer ter problemas financeiros na empresas seria pensar melhor no negócio e começar a reinvestir esses primeiros lucros?

Começar a pensar mais a médio e a longo prazo, com metas de crescimento e, principalmente, com metas de investimento para esse negócio, não só em equipamentos. É preciso lembrar também que o funcionário tem que ser qualificado, um cliente tem que ser mimado, marketing tem que ser feito, é preciso que essa empresa esteja presente na imprensa, realize pesquisas de mercado, ou seja, é preciso estabelecer metas de uso e recursos para limitar a distribuição de resultados.

Estamos forçando uma poupança para esse negócio, para que a família possa colher resultados mais sustentáveis a médio e a longo prazo. Então, é preciso ter um cuidado muito grande com o investimento, e existem alguns erros que devem ser evitados, como o superdimensionamento. Por exemplo, a empresa pode, em vez de superdimensionar a capacidade de um equipamento, colocando-o para produzir em uma escala maior, lidar com equipamento um pouco menos produtivo, mas que não consuma tanto capital de giro e permita finanças mais administráveis. Outra iniciativa necessária por parte dessa empresa deve ser notar a importância de diferenciar financiamento de empréstimo. O ideal é tomar financiamentos, jamais empréstimos. Muitas empresas vêm crescendo com o aporte de capital de seus sócios para comprar equipamentos ou aumentar instalações, quando o ideal seria financiar isso e conseguir juros baixos, demonstrando ao sistema financeiro que há a capacidade de pagamento próprio, que se um juro barato for oferecido essa empresa vai contar com o dinheiro dos bancos. E aí, manter um dinheiro reservado para as consequências dessa expansão, para pagar a necessidade de capital de giro, e estar preparado para imprevistos que possam decorrer da expansão do negócio.

Do ponto de vista financeiro esses são os dois principais erros. Mas há também a influência de um aspecto gerencial, que é o fato de muitas empresas crescerem na base da confiança. A confiança é excelente, mas a falta de capacitação vai fazer com que essas empresas não sejam sustentáveis. Se quem cuida da parte financeira da empresa é um marido, esposa, cunhado ou parente e há confiança, não há problema. Porém, se essa pessoa não estiver mais disponível na empresa por questão de saúde ou por conta de outra oportunidade de trabalho, haverá problemas no processo de substituição dessa pessoa. Quem entra no seu lugar deve ter capacidade de dar uma continuidade ao trabalho que essa pessoa fazia, e a continuidade só vai acontecer se o modelo de gestão da empresa for feito com base em preceitos técnicos.

Ou seja, a pessoa de confiança deve ter um curso técnico para montar um orçamento, por exemplo, dentro do modelo que se aprende nas faculdades, de maneira que alguém formado na faculdade possa assumir o cargo dessa pessoa. As pessoas devem ser descartáveis. A empresa deve ter um modelo gerencial completo, de forma que não se baseie somente na confiança nas pessoas. Jamais abriremos mão das pessoas de confiança, mas não podemos basear nossas ações somente nisso, porque elas têm que ser substituídas, para que a empresa não perca a continuidade.

Como o empresário pode otimizar seus lucros sem colocar em risco a solidez financeira do negócio? Como você disse anteriormente, é recomendável que ele invista parte dos lucros. Que investimentos você aconselharia?

Para darem certo, investimentos precisam envolver alto conhecimento, e certa pesquisa. O ideal seria investir em itens que resultem no fortalecimento do negócio, como automatização, treinamento e fidelização de cliente. O fortalecimento de parcerias entre fornecedores e clientes são investimentos saudáveis para o negócio. A forma errada de maximizar lucros é ficar na obsessão de cortes de custos porque a empresa tem que ser racional em seus custos, mas ela não pode ignorar o fato que um cliente mimado, um ambiente de trabalho confortável, estímulo e motivação aos funcionários são elementos importantes para que eles vistam a camisa, para que os clientes se tornem multiplicadores da referências da empresas. Por isso, o investimento em construção de um ambiente interno e externo saudável é importante. Muitas empresas, ao radicalizarem nos cortes de custos, afetam a satisfação percebida pelo cliente. Um bom exemplo é o caso das empresas aéreas, que tiraram o bom atendimento do check-in, a refeição que era servida no avião, a maior disponibilidade de assentos, enfim, chega uma hora em que o cliente já não tem mais a fidelização e para ele tanto faz ser tratado de qualquer forma pela empresa A, B ou C. Esse processo de gasto, que vamos chamar de investimento no bem-estar, é necessário para que o negócio funcione melhor.

Você planejou sua vida pessoal de modo a estar em condições de se aposentar jovem, desde os 31 anos, tendo um bom patrimônio. Uma empresa pode fazer algo semelhante? Através de que meios? Qual é a fórmula?

Não existe independência financeira de empresas, o que existe são formas de criar barreiras com a concorrência — crescendo de maneira a dominar o mercado; criando diferenciais ou se identificando com um nicho de atuação e dominando esse nicho de tal forma que torne muito custoso ou até inviável um concorrente entrar neste mercado; com a seletividade de público, a qualidade no atendimento o reconhecimento público dos processos são formas de assegurar que os negócios da empresa sejam sustentáveis. Sendo uma empresa investimento e atividade produtiva, não é possível garantir que ela se coloque no ambiente de “sombra e água fresca” e não precise mais investir. A empresa sempre vai ter que estar atenta à concorrência, à inovação de seus processos, à atualização de tecnologias. O contínuo investimento é a forma correta de manter uma empresa continuamente produtiva.

Uma pesquisa divulgada recentemente pela Federação Nacional do Comércio de Bens e Serviços (CNC) mostrou que os capixabas estão entre os mais endividados do Brasil. Por que você acha que as pessoas estão perdendo o controle das finanças?

Falta de hábito com planejamento. As pessoas estão mais maduras e mais inteligentes na hora de escolher um financiamento de carro, de smartphone, de televisão, de casa, só que, por falta de hábito de desfrutar aquilo que estão comprando, por ser tudo muito novidade em suas vidas, elas não estão sabendo dimensionar as conseqüências dessa compra. Por exemplo, compram uma boa televisão e só depois da compra percebem que para ter a boa imagem é preciso ter assinatura da TV a cabo; ou compram um carro levando em consideração somente o preço do seguro e do combustível, mas se esquecem do imposto, das multas. Essas famílias souberam fazer boas compras de seus hardwares, da sua estrutura de vida, mas não souberam se planejar para o software, ou seja para o desfrute dessa estrutura de vida. O erro está no superdimensionamento. O brasileiro comprou um carro maior que podia, uma televisão maior que podia, um smartphone com mais tecnologia do que podia. Se essas compras tivessem sido feitas num patamar abaixo, não se teria criado esse endividamento tão grande que estamos vendo hoje em dia.

Qual é o papel do consumismo, uma cultura imposta pelos tempos modernos, no endividamento das famílias brasileiras?

A vontade de consumir não é algo do indivíduo, é da história. A classe média hoje está se sentindo diante de uma oportunidade que nenhum de seus antepassados teve. Somos um povo de cultura latina e os latinos medem o sucesso das pessoas pelo que elas ostentam, pelo que elas têm e não é fácil mudar essa cultura. A classe média de hoje tem o direito de dar a seus filhos tudo aquilo que ela não teve em sua infância. O problema está na pressa de colher resultados e na falta de planos para adequar essas conquistas ao que realmente cabe no bolso. Eu recomendo à classe média que realmente mergulhe no consumo, que aproveite este momento, que desfrute dessa oportunidade que a reorganização da economia trouxe para essas pessoas, mas que ajuste a dose. A reflexão está exigindo detalhes que o brasileiro está perdendo e o custo deste detalhe está muito alto. Os juros do bom financiamento caíram muito e o custo do mau financiamento, da dívida ruim, continua tão alto que torna isso completamente incompatível com o orçamento sustentável. Por isso, é importante rever essas escolhas.

As crises econômicas, desde 2008, têm deixado as finanças mundiais em desordem. No Brasil, a “marolinha” se traduz hoje em desindustrialização, que o Governo tem combatido, entre outras medidas, com o incentivo ao consumo e a facilitação do acesso ao crédito. Como você vê esse quadro?

Oferta de crédito, redução de IPI, qualquer prática de estímulo desequilibrado a um consumo ou a uma geração de emprego não é saudável. Assim como o Bolsa Família, que mostrou evidentes melhorias para a população, sendo muito saudável por um período definido, mas não se sabe quando acabar com isso, porque em algum momento ele vai ser desnecessário. O desequilíbrio não é interessante, e nós temos o hábito de adotar medidas desequilibradas no Brasil. É importante entender que crises são cíclicas. E agora estamos vivendo um longo ciclo de ajuste após um longo ciclo de prosperidade. É perfeitamente aceitável, pois nos acostumamos tanto à prosperidade, em um período tão longo – após o ano 2000 — que as pessoas esqueceram como lidar com a crise. Crise é época de oportunidade. Se os imóveis se valorizarem e vier uma crise, vem também a oportunidade de comprar imóveis mais baratos, para aproveitar este investimento em um futuro ciclo de alta. Isso vale para ações, leilões e para negócios. O ideal seria mesmo que as crises fossem mais frequentes para que elas fossem mais suaves; para que não fossem encaradas como um desastre, mas como um pequeno enfraquecimento da economia, um período em que não é bom investir em negócios, aguardando um momento posterior de maior saúde da economia. Acredito que o mundo caminha para uma nova realidade, de maior racionalização, em que se procure evitar excessos capitalistas e gananciosos. Consequentemente, evitando picos excessivos de prosperidade, nós conseguiremos evitar picos excessivos de crises.

Como essas crises estão impactando a vida do cidadão, que tem agora o acesso facilitado ao crédito, e também a economia nacional?

As ações reativas à crise, que são os estímulos do Governo, convidam as pessoas ao consumo. E aí as pessoas estão sendo um tanto ingênuas e mais ansiosas, achando que agora é a hora de consumir, porque agora foi feito o estímulo ao consumo. As pessoas deveriam ter um pouco mais de cautela, poupando um pouquinho mais, mas que não se perca o equilíbrio para, na ansiedade de tomar uma decisão agora, entrem no impulso de uma escolha de consumo que não é compatível com seu bolso.

Lendo seus livros, tem-se a impressão de que organizar as finanças pessoais não é algo tão difícil. E quando se trata de empresas, a dificuldade é maior? Por quê?

Não é mais difícil, apenas requer conhecimento. Administrar as finanças em uma empresa não é nenhum grande desafio. Quando eu falo que construir riqueza e administrá-las é simples, comparo a emagrecer: as pessoas sabem qual é a regra para manter o corpo em forma, mas a maioria não consegue manter o corpo em forma porque está em uma zona de conforto, está acomodado, viciado em uma rotina. Mas se nós buscarmos o equilíbrio através do conhecimento, do planejamento, do plano de negócios, para fazermos as pequenas empresas começarem suas atividades, é inevitável que elas funcionem melhor, e isso ainda está começando no Brasil.

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