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quinta-feira, 2 maio, 2024

Connectholics: antenados e conectados

Connectholics: antenados e conectadosNa história recente da humanidade, um turbilhão de gadgets – termo da língua inglesa utilizado para denominar aparelhos ou dispositivos dotados de tecnologia de ponta – invadiu a vida do homem moderno e tem provocado um verdadeiro fenômeno social. Muito além do estímulo ao consumo, esses aparelhos têm modificado, verdadeiramente, o comportamento das pessoas, que não conseguem se desconectar de suas geringonças tecnológicas nem por um minuto sequer.

No Brasil, ainda não existem muitas pesquisas que evidenciem esse movimento, mas um estudo da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, comprovou que entre os norte-americanos é alto o índice dessa dependência, e que algumas pessoas, inclusive, já crescem “dependentes” dos dispositivos portáteis. Para se ter uma ideia, de acordo com o estudo de Stanford, 85% dos entrevistados afirmaram usar o celular como relógio, sendo que 89% o transformaram em seu despertador. Outros números inusitados: 69% afirmaram ser mais fácil esquecer a carteira do que o iPhone e quase 10% disseram que não deixam outras pessoas tocarem em seu celular, enquanto 3% deram um nome ao iPhone.

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Entre os britânicos, as coisas não são diferentes, e os resultados foram ainda mais preocupantes. A Intersperience, empresa inglesa de pesquisas, entrevistou mil pessoas entre 18 e 65 anos e constatou que a internet e os gadgets são tão viciantes quanto cigarro e bebida, pois o vínculo emocional chegou a ser comparado, pelos entrevistados, ao ato de parar de beber ou fumar. Na mesma pesquisa, as redes sociais Twitter e Facebook foram apontadas como responsáveis por estimular a necessidade de possuir um aparelho que permita a utilização dessas redes.

Para alguns, os gadgets certamente deveriam vir com um lembrete do tipo “Aprecie com moderação”. Em Londres, o médico Richard Graham, motivado pela preocupação com as características compulsivas e viciantes dos jogos online, redes sociais e telefones celulares, criou um programa de reabilitação para esses novos “viciados”. Ele notou que a privação de gadgets e redes pode levar ao surgimento de indivíduos “cronicamente agitados e irritáveis”. O tratamento proposto por Graham tem duração de 28 dias e não tem o objetivo afastar o paciente definitivamente da tecnologia, mas sim permitir que ele mantenha uma convivência saudável com ela.

Super antenados: os connectholics de fato
Acostumada desde a infância a conviver com novidades e, na vida profissional, a escrever diariamente sobre tecnologia, a jornalista Rina Noronha está sempre bem informada sobre lançamentos de aparelhos, surgimento de novas redes de relacionamento e canais de informação. “Eu gosto das novidades, fico me coçando para comprá-las, mas me seguro. Não compro um celular novo, por exemplo, só porque é legal. Compro se tiver necessidade. Mas, às vezes, claro, ‘crio’ essa necessidade”, brinca a jornalista, que confessa ser tão aficcionada que costuma atualizar-se nas redes sociais ainda na cama antes de se levantar para o dia de trabalho.

Rina é o que se pode chamar de uma “tradicional” connectholic. Ela utiliza as redes de relacionamento com assiduidade, possui vários gadgets e, geralmente, serve de referência para amigos que precisam aprender a utilizá-los. Também pudera. Ela teve em casa uma influência importante, o pai, Pedro Noronha: “Meu pai gosta de novidades tecnológicas. Tivemos CD player, videocassete e DVD logo que foram lançados. É difícil segurá-lo para que não compre as coisas logo no lançamento”.

Segundo Rina, ela foi se aproximando aos poucos desses costumes e aparelhos, principalmente por causa da profissão. “A carreira me conduziu a isso. Se eu não fosse jornalista da área de tecnologia, se não vivenciasse isso todo dia, praticamente, não teria tanto interesse. Seria uma usuária, mas mais ‘comum’. Hoje, até evito comprar gadgets logo que eles saem, porque sempre tem algum bug, alguma atualização com melhorias, etc. Por conta do trabalho, acompanho alguns sites que fazem review dos produtos e também notícias”, justifica.

Quem também não consegue resistir a uma novidade, e é o que se pode chamar de connectholic, é o designer de interfaces Marcelo Daigo Matsuoka. Ele conta que desde criança se interessa por tecnologia e sempre quis ter e saber usar um computador. “Quanto mais hitech era o meu brinquedo, melhor. O que mudou foi que a idade aumentou, e os brinquedos mudaram. A diferença entre a criança e o adulto é o valor e a natureza dos brinquedos”, diz, confessando-se um viciado em novidades.

Mesmo assim, Marcelo, assim como Rina, evita desperdiçar seu dinheiro. “Claro que ao comprar um aparelho eu não vou pela ‘onda’, mesmo tendo curiosidade. Sempre espero saírem reviews, leio opiniões para saber se vai valer à pena adquiri-lo ou não. O iPad foi um desses casos. Desde que foi lançado, tive vontade de ter um. Não comprei por dois fatores: a necessidade, que até então não tinha, e também porque sabia que o próximo seria melhor e seria vendido pelo mesmo valor. Dito e feito! Hoje tenho a necessidade de ter um e vou adquiri-lo em breve.”

Posicionamento social
Em algumas situações, estar conectado e perto dos gadgets passa a ser quase uma obrigação social. Com o surgimento das redes de relacionamento e a facilidade de aquisição de novos aparelhos, nasceu a necessidade de as pessoas se manifestarem publicamente, e sempre. Entretanto, é preciso estabelecer um limite para essa relação. Permanecer conectado não significa ser escravizado pelos aparelhos nem pela internet.

O diretor-presidente do grupo VigServ, Marcos Félix, que trabalha com tecnologias e é usuário de algumas delas, lembra que muitos usuários estão sempre preocupados com o que seus amigos virtuais estão tuitando; querem ficar conversando com colegas de trabalho que estão na mesma mesa de reunião pelo MSN; desejam mostrar a todo momento onde estão pelo Foursquare, ou o que fazem pelo Facebook.

Marcos entende a importância de estar na internet, principalmente manifestando seus pensamentos ou divulgando seus serviços, nas mídias sociais ou outra rede de informação, mas tem consciência de que estar desconectado em determinados horários é importante. “É preciso se posicionar diante da sociedade, mas tem que existir um limite”, reforça.

Desligando
“Desligar-se” em determinados horários e manter uma relação dentro dos limites com a tecnologia é a solução para quem deseja se livrar dos efeitos ruins e indesejáveis desse, digamos, relacionamento. “A tecnologia tem que dar tranquilidade ao usuário. Primeiro, vem a curiosidade, depois a utilidade, aí a tendência é usar mais e mais”, relacionou o diretor-executivo da Chronus Tecnologia e Automação, Augusto Henrique Brunow.

Antenado, Brunow, que acompanhou o desenvolvimento das novas tecnologias e o surgimento dos mais variados gadgets, conta que nunca foi escravo da tecnologia, mas que ela sempre esteve disponível para servi-lo. Para ele, a curiosidade típica do brasileiro faz com que as novas tecnologias encontrem no país um público ávido por novas mídias e gadgets. “Depois da agilidade do e-mail, as mídias sociais e de relacionamento foram tomando conta da rotina. Antigamente, a gente tinha que marcar para se encontrar com alguém, ir a uma happy hour… Hoje em dia, estamos conectados a todos em qualquer momento e em qualquer lugar.”

Marcos Félix também acredita que a solução é não se permitir escravizar por ela. “O tempo é muito escasso, e não podemos viver na dependência. É como qualquer outro vício, tira do equilíbrio. Vivemos num tempo em que existe necessidade de qualidade de vida, de busca da espiritualidade, que, inclusive, é assunto que tem sido discutido até mesmo dentro das empresas. Isso é o que importa”, reforçou.

Ponto de equilíbrio
Segundo a psicanalista Cristiane Palma, o fenômeno social da dependência tecnológica está associado ao momento de transição que a sociedade está vivenciando. Além disso, para ela, todos estão sujeitos ao vício e compulsão pela comunicação e resposta imediata. “As pessoas estão consumindo não só os produtos, mas também a tecnologia que permite a rapidez e o imediatismo na comunicação”, ressalta. “Independentemente do espaço, se é a sala de aula, o banheiro, a cama ou o barzinho, as pessoas querem se sentir acompanhadas, e se sentem assim estando com o celular e outros gadgets sempre à mão.”

Cristiane detalha que o fenômeno de dependência tecnológica também está associado à ansiedade que, em níveis elevados, leva à compulsão. “O compulsivo fica sem controle e sente uma necessidade que precisa saciar de imediato”, disse, exemplificando que há pessoas, inclusive, que sentem males físicos quando perdem, quebram ou têm um celular roubado.

Uma das maneiras de se livrar dessa compulsão é tomar consciência da realidade. Para isso, Cristiane reforça que é preciso contar com a ajuda de um especialista. É que, assim como em outros vícios, a abstinência tecnológica pode provocar falta de vontade de cumprir tarefas simples, como dormir, comer e tomar banho. Podem surgir ainda sintomas semelhantes aos da depressão, como insatisfação e angústia.

Entretanto, apesar dos malefícios que a dependência da tecnologia pode causar, a própria psicanalista questiona: “Como não ser refém de um comportamento que é global? Existe uma pressão social, mas não podemos sair da realidade. Devemos viver a nossa realidade para sermos felizes”.

Portanto, connectholic ou não, uma coisa é fato: as tecnologias existem para que possamos nos servir delas, e não o contrário, nos tornando reféns de seu uso e as usando apenas como meio de responder a determinada imposição social.

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