{"id":26739,"date":"2017-03-14T16:25:13","date_gmt":"2017-03-14T19:25:13","guid":{"rendered":"https:\/\/esbrasil.com.br\/?p=26739"},"modified":"2017-03-15T12:16:54","modified_gmt":"2017-03-15T15:16:54","slug":"refens-do-caos","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/esbrasil.com.br\/refens-do-caos\/","title":{"rendered":"Ref\u00e9ns do Caos"},"content":{"rendered":"

*Por Luciene Ara\u00fajo<\/em><\/p>\n

Pol\u00edcia Militar deixa as ruas, bandidos tomam as cidades de assalto, e a popula\u00e7\u00e3o fica sitiada em meio \u00e0 guerra do tr\u00e1fico e ao vandalismo.<\/p>\n

O cen\u00e1rio presenciado no Esp\u00edrito Santo entre os dias 4 e 15 de fevereiro dificilmente teria sido imaginado por algum capixaba ou turista. O Estado, que vinha sendo destaque na m\u00eddia nacional por seu equil\u00edbrio fiscal e pelas pol\u00edticas bem-sucedidas que o tiraram da lista dos mais violentos do Brasil, passou a ganhar as p\u00e1ginas dos principais jornais e revistas ao redor do mundo em consequ\u00eancia do colapso na seguran\u00e7a p\u00fablica.<\/p>\n

Naquele fat\u00eddico s\u00e1bado de ver\u00e3o, segundo dia em que os PMs foram teoricamente impedidos por seus familiares de sa\u00edrem dos quart\u00e9is para o policiamento ostensivo, uma assustadora onda de viol\u00eancia come\u00e7ou a atingir o Estado. Aulas foram suspensas, postos de sa\u00fade e com\u00e9rcio fecharam, assim como boa parte da ind\u00fastria. Sem ter a quem \"\"apelar, a popula\u00e7\u00e3o foi obrigada a se trancar em casa e assistir at\u00f4nita ao caos instalado.<\/p>\n

Assaltos, saques, roubos de ve\u00edculos e centenas de assassinatos passaram a ser registrados pelos moradores das janelas de suas casas e apartamentos. A guerra do tr\u00e1fico desceu os morros e tomou as ruas da Grande Vit\u00f3ria. As redes sociais foram invadidas por uma infinidade de imagens, v\u00eddeos e \u00e1udios. Fatos, boatos e distor\u00e7\u00f5es da realidade travaram uma disputa sem igual. A guerra de informa\u00e7\u00e3o foi t\u00e3o cruel quando a das ruas.
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\nOs capixabas criaram duas hashtags para denunciar a crise local: #ESpedesocorro e #PrayForEs, que se tornaram assuntos entre os mais comentados no Twitter, durante toda a semana.<\/p>\n

Paulo Hartung, chefe do Executivo, estava de licen\u00e7a m\u00e9dica, e coube ao governador em exerc\u00edcio, C\u00e9sar Colnago, e ao secret\u00e1rio de Seguran\u00e7a P\u00fablica, Andr\u00e9 Garcia, solicitar ao presidente da Rep\u00fablica, Michel Temer, o envio das For\u00e7as Armadas e da Guarda Nacional.
\nDe volta ao Estado, durante coletiva na ter\u00e7a-feira (7), Hartung afirmou que o movimento era um \u201ccaminho errado que rasga a Constitui\u00e7\u00e3o, uma chantagem, uma atitude grotesca\u201d, e que n\u00e3o haveria negocia\u00e7\u00e3o enquanto os policiais n\u00e3o retornassem \u00e0s ruas. \u201cSequestraram o direito do povo e est\u00e3o cobrando resgate, mas n\u00e3o se paga resgate por aspecto \u00e9tico nem pelo descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. Se n\u00e3o enfrentarmos isso, \u00e9 hoje aqui e amanh\u00e3 no resto do Brasil\u201d, declarou.<\/p>\n

\"\"Tanto Colnago quanto Hartung e Garcia afirmaram que o movimento de familiares era politizado. \u201cO processo foi sabotado. N\u00e3o podemos colocar a sociedade de v\u00edtima desse jogo pol\u00edtico. Tem gente apostando do quanto pior, melhor\u201d, garantiu Colnago. E o secret\u00e1rio de Seguran\u00e7a responsabilizou os policiais em greve pelas mortes nas ruas. \u201cColoco essas ocorr\u00eancias e mortes na conta do movimento.\u201d<\/p>\n

Na tarde e na noite daquela mesma ter\u00e7a-feira, grupos de mulheres que participam da mobiliza\u00e7\u00e3o se reuniram com a senadora Rose de Freitas (PMDB), com 20 deputados estaduais, com o presidente da OAB-ES, Homero Mafra, e com v\u00e1rios l\u00edderes das associa\u00e7\u00f5es. O objetivo declarado era ajudar o movimento a estabelecer um di\u00e1logo com o governo do Estado.<\/p>\n

E o primeiro grupo de soldados do Ex\u00e9rcito saiu \u00e0s ruas, mas em um contingente que n\u00e3o foi capaz de acabar com a viol\u00eancia.<\/p>\n

A cada dia, novos agrupamentos do Ex\u00e9rcito, da Aeron\u00e1utica e depois da Guarda Nacional passaram a realizar o policiamento ostensivo na Grande Vit\u00f3ria, e em seguida, no interior.
\nPara o governo, os policiais n\u00e3o voltaram \u00e0s ruas na pr\u00f3pria segunda-feira (7) em consequ\u00eancia de uma \u201csabotagem\u201d de \u201clideran\u00e7as pol\u00edticas\u201d em \u201creuni\u00e3o escondida\u201d \u201cDiversos grupos pol\u00edticos acabam interferindo nas negocia\u00e7\u00f5es, tomando iniciativas, e isso afetou decisivamente as negocia\u00e7\u00f5es\u201d, destacou o comandante-geral da PM, coronel Nylton Rodrigues. \u201cFoi uma reuni\u00e3o leg\u00edtima com parlamentares que procuram sensibilizar o movimento e o governo\u201d, afirmou Rose.<\/p>\n

Diante de uma Mesa Diretora alinhada ao Executivo, com o v\u00edce-l\u00edder do governo no \u00faltimo ano, deputado \u00c9rick Musso (PMDB), eleito presidente da Assembleia, e o governador com ampla base no Legislativo, o cabo de guerra entre os Poderes causou muita estranheza.
\n\u201cA hist\u00f3ria mostra que em situa\u00e7\u00f5es de guerra, revolu\u00e7\u00e3o, crise social e manifesta\u00e7\u00e3o, as primeiras perdas n\u00e3o s\u00e3o representadas pelas v\u00edtimas mortas ou feridas, tampouco pelos custos das perdas patrimoniais. Em geral, a verdade \u00e9 a primeira v\u00edtima, sacrificada por todos. Sendo assim, \u00e9 prudente considerar a possibilidade de interesses n\u00e3o republicanos intencionalmente criados e\/ou estimulados, ainda que de forma subliminar, para atingir interesses muitas vezes ocultos ou at\u00e9 preparat\u00f3rios para algo de maior envergadura\u201d, destaca o especialista em seguran\u00e7a p\u00fablica coronel Di\u00f3genes Lucca*.<\/p>\n

Em meio a uma popula\u00e7\u00e3o amedrontada, a Uni\u00e3o demorou uma semana para fixar no Estado o n\u00famero necess\u00e1rio de profissionais das tropas nacionais para finalmente recolocar um pouco de normalidade \u00e0 rotina da popula\u00e7\u00e3o para que as aulas retornassem e o com\u00e9rcio reabrisse.<\/p>\n

A atua\u00e7\u00e3o das Guardas Municipais, principalmente de Vila Velha e Vit\u00f3ria, foi muito elogiada. \u201cN\u00e3o gosto nem de imaginar no que teria se transformado Vila Velha sem a\u00a0 Guarda, porque com todas as pris\u00f5es que executou e as muitas vezes que impediram roubos de estabelecimentos comerciais e de ve\u00edculos, ainda assim, foram dias assustadores. Somos muito gratos\u201d, enfatiza a pedagoga e professora de tae kwon Maria Cristina Justo Nascimento, moradora do bairro Santa M\u00f4nica.<\/p>\n

\u201cFoi um trabalho exemplar da Guarda Municipal aqui em Vit\u00f3ria. Se com ela esses dias foram de terror, imagine sem. Foi um trabalho louv\u00e1vel e que precisa ser muito reconhecido por todos n\u00f3s\u201d, destaca a aposentada Maria L\u00facia de Almeida, que reside em Bento Ferreira, na capital capixaba.<\/p>\n

Somente no dia 25 de fevereiro, ap\u00f3s uma reuni\u00e3o com quase nove horas de dura\u00e7\u00e3o entre representantes do governo, do movimento, da Defensoria P\u00fablica da Uni\u00e3o, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT-ES) e da Central \u00danica dos Trabalhadores (CUT), foi anunciado o acordo, e as portas dos quart\u00e9is foram desocupadas.<\/p>\n

Durante os 21 dias, pelo menos 199 pessoas morreram, segundo o Sindipol-ES. As estat\u00edsticas da Secretaria Estadual de Seguran\u00e7a P\u00fablica apontam 143 homic\u00eddios, entre 4 e 13 de fevereiro. Mas especialistas afirmam que esse n\u00famero deve ultrapassar 300 pessoas.<\/p>\n

Preju\u00edzos<\/strong>
\nNa ind\u00fastria, ainda que uma minoria de grandes empresas tenha mantido o funcionamento durante o caos na seguran\u00e7a, muitas f\u00e1bricas permaneceram fechadas, como as do polos de confec\u00e7\u00e3o de Colatina, no noroeste do Estado, e\u00a0 de Santa In\u00eas, em Vila Velha; assim como o Estaleiro Jurong, em Aracruz.<\/p>\n

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Lojas saqueadas e com\u00e9rcio fechado em v\u00e1rias cidades do Estado<\/figcaption><\/figure>\n

\u201cO setor produtivo foi duramente prejudicado pela crise na seguran\u00e7a, justamente em um momento que todos buscam a retomada da economia. \u00c9 preciso lembrar que cada dia de paralisa\u00e7\u00e3o representa, em m\u00e9dia, 5% do que uma ind\u00fastria \u00e9 capaz de produzir. \u00c9 uma perda substancial para o setor\u201d, frisou o presidente da Federa\u00e7\u00e3o da Ind\u00fastria do Esp\u00edrito Santo (Findes), Marcos Guerra.<\/p>\n

De acordo com a Federa\u00e7\u00e3o do Com\u00e9rcio e Bens, Servi\u00e7os e Turismo do Esp\u00edrito Santo (Fecom\u00e9rcio-ES), o caos no Estado do Esp\u00edrito Santo levou a preju\u00edzos milion\u00e1rios. Somente com a aus\u00eancia das vendas, as perdas ultrapassam R$ 300 milh\u00f5es.<\/p>\n

Al\u00e9m da falta das atividades, o com\u00e9rcio sofreu ainda com mais de 300 estabelecimentos saqueados e depredados, sendo 200 deles na capital capixaba. As lojas mais visadas pelos bandidos foram as que comercializavam eletrodom\u00e9sticos, joalherias e roupas no estilo surfwear, e o baque calculado somente nos casos de arrombamentos e saques soma mais R$ 30 milh\u00f5es. Isso sem contar com micro e pequenos empres\u00e1rios que agora n\u00e3o disp\u00f5em de recursos para reabastecer os estoques. Segundo a Federa\u00e7\u00e3o, com a paralisa\u00e7\u00e3o da Pol\u00edcia Militar capixaba e o clima de inseguran\u00e7a das ruas, estima-se preju\u00edzo no com\u00e9rcio do Esp\u00edrito Santo em torno de R$ 45 milh\u00f5es por dia, com as lojas fechadas.<\/p>\n

O setor de servi\u00e7os e turismo tamb\u00e9m foi muito impactado, com a \u201cdi\u00e1spora\u201d dos visitantes. Al\u00e9m do cancelamento de importantes eventos de neg\u00f3cios, como a 43\u00aa Feira Internacional do M\u00e1rmore e Granito \u2013 Vit\u00f3ria Stone Fair, que visava \u00e0 recep\u00e7\u00e3o de 25.500 pessoas de 58 pa\u00edses, mais de 50% das reservas de hot\u00e9is e pousadas foram desfeitas.<\/p>\n

A Federa\u00e7\u00e3o est\u00e1 pleiteando com o Governo do Estado, por meio do Banestes, uma linha de empr\u00e9stimo com juros subsidiados para atendimento aos lojistas, reposi\u00e7\u00e3o de seus estoques e\u00a0 posterga\u00e7\u00e3o de prazos para os tributos estaduais. O presidente da Fecom\u00e9rcio tamb\u00e9m entrar\u00e1 em contato com o delegado da Receita Federal no Estado para o mesmo fim.<\/p>\n

A Prefeitura de Vit\u00f3ria prorrogou para 20 de fevereiro o vencimento do ISSQN \u2013 Imposto Sobre Servi\u00e7o de Qualquer Natureza cujo fato gerador tenha ocorrido em janeiro deste ano. A administra\u00e7\u00e3o municipal tamb\u00e9m adiou o recolhimento do imposto retido na fonte, cujo pagamento dos servi\u00e7os tenha sido feito aquele mesmo m\u00eas.<\/p>\n

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Sob a incerteza quanto ao fim da viol\u00eancia e o receio de ficar \u201caquartelada\u201d, popula\u00e7\u00e3o lotou supermercados para estocar mantimentos<\/figcaption><\/figure>\n

\u201cO preju\u00edzo para o segmento varejista foi enorme, principalmente porque a paralisa\u00e7\u00e3o da Pol\u00edcia Militar coincidiu com a melhor \u00e9poca para o com\u00e9rcio, que \u00e9 o in\u00edcio de m\u00eas. Al\u00e9m de terem sido impedidos de abrir suas lojas, devido \u00e0 falta de seguran\u00e7a nas ruas, muitos comerciantes tiveram seu patrim\u00f4nio depredado ou furtado. Dessa forma, os lojistas, que j\u00e1 vinham registrando uma forte retra\u00e7\u00e3o nas vendas por causa da crise econ\u00f4mica e pol\u00edtica do pa\u00eds, ficaram em uma situa\u00e7\u00e3o ainda mais dif\u00edcil\u201d, lamenta o presidente da C\u00e2mara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Vit\u00f3ria, Adriano Ohnesorge.<\/p>\n

Na tentativa de minimizar o impacto negativo, foi criado pela CDL Jovem Vit\u00f3ria o movimento\u00a0 Recupera ES, que re\u00fane diversas empresas parceiras para auxiliar na recupera\u00e7\u00e3o dos neg\u00f3cios atingidos pela crise na seguran\u00e7a. \u201cEssa rede de solidariedade\u00a0 tem ajudado a atender \u00e0s demandas mais urgentes dos comerciantes que precisam ver a sua fonte de renda restabelecida\u201d, explica.<\/p>\n

O Banco de Desenvolvimento do Esp\u00edrito Santo (Bandes) tamb\u00e9m disponibiliza uma linha de cr\u00e9dito para os empres\u00e1rios v\u00edtimas de saques. A op\u00e7\u00e3o tem condi\u00e7\u00f5es especiais, como baixas taxas de juros e prazo maior de car\u00eancia e at\u00e9 repactua\u00e7\u00e3o de contratos vigentes, se necess\u00e1rio.<\/p>\n

\u201cMais do que nunca, os comerciantes precisam se unir. O lojista n\u00e3o pode ficar parado. Ao contr\u00e1rio, tem que se reinventar e acreditar na sua capacidade como autor de mudan\u00e7as. E a sociedade tem um papel fundamental neste momento, que \u00e9 o de voltar a consumir para aquecer a economia local. Juntos, somos mais fortes. Logo passaremos por mais essa crise e retornaremos \u00e0 normalidade\u201d, defende o presidente da CDL Vit\u00f3ria.<\/p>\n

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Somente ap\u00f3s uma semana, o efetivo das tropas nacionais foi suficientepara garantir areabertura do com\u00e9rcio e o retorno das pessoas \u00e0s ruas<\/figcaption><\/figure>\n

Como chegamos a esse ponto?<\/strong>
\nDesde 2009, quando o Esp\u00edrito Santo registrava uma taxa anual de 56 homic\u00eddios por 100 mil habitantes, esse indicador vem caindo. Em 2016, alcan\u00e7ou o patamar de 29 homic\u00eddios por 100 mil habitantes. Para essa melhoria, o Estado vem investindo em planejamento, principalmente de 2003 para c\u00e1, quando a Secretaria de Seguran\u00e7a P\u00fablica foi reestruturada e, no ano seguinte, com os\u00a0 investimentos no Ciodes (Centro Integrado Operacional de Defesa Social) que integraram as a\u00e7\u00f5es das pol\u00edcias Militar e Civil, do Corpo de Bombeiros, da Guarda Municipal de Vit\u00f3ria e da Secretaria de Justi\u00e7a.<\/p>\n

\u201cEssas mudan\u00e7as geraram uma mudan\u00e7a de paradigma da gest\u00e3o de seguran\u00e7a p\u00fablica no Estado. S\u00f3 que a viol\u00eancia, os indicadores criminais, n\u00e3o responde em curto prazo. A viol\u00eancia pode aumentar em curto prazo, mas reduzi-la \u00e9 uma tarefa muito dif\u00edcil\u201d, afirma Pablo Lira, professor do mestrado em Seguran\u00e7a P\u00fablica da UVV.\u00a0 Mas por que, apesar de\u00a0 todo o planejamento, o Esp\u00edrito Santo chegou a essa situa\u00e7\u00e3o? \u201cA crise que vivemos aqui no Estado \u00e9 conjuntural, n\u00e3o \u00e9 estrutural.<\/p>\n

Considerando esse hist\u00f3rico de investimento e planejamento na \u00e1rea de seguran\u00e7a p\u00fablica, o aprimoramento das pol\u00edcias Militar e Civil aqui no Estado, tivemos investimento estrutural, n\u00e3o existe a aus\u00eancia de pol\u00edticas p\u00fablicas. Essa crise tem como causa principal fatores externos: a crise econ\u00f4mica e a falta de uma pol\u00edtica nacional de seguran\u00e7a\u201d, argumenta.
\nSegundo Pablo, a crise econ\u00f4mica que teve in\u00edcio em 2013 dificultou estados e munic\u00edpios a manter as finan\u00e7as p\u00fablicas equilibradas e, assim, fornecer ao funcionalismo p\u00fablico as melhorias merecidas e legais.\u00a0 \u201cVivemos um cen\u00e1rio com mais de 12 milh\u00f5es de desempregados, economia estagnada, PIB negativo, altos \u00edndices de infla\u00e7\u00e3o. Al\u00e9m disso, o Esp\u00edrito Santo foi prejudicado com a altera\u00e7\u00e3o da regra para royalties e tamb\u00e9m do Fundap, dificultando ainda mais o equil\u00edbrio das contas p\u00fablicas. Desde 2014, o funcion\u00e1rio p\u00fablico n\u00e3o tem reajuste nos sal\u00e1rios, e essa \u00e9 uma das principais pautas da Pol\u00edcia Militar\u201d, enumera Lira.<\/p>\n

\"\"Para ele, um dos maiores problemas \u00e9 a falta de uma Pol\u00edtica Nacional de Seguran\u00e7a. \u201cO Brasil \u00e9 um pa\u00eds de dimens\u00e3o continental e n\u00e3o tem uma pol\u00edtica p\u00fablica estruturada para atuar nessa situa\u00e7\u00e3o de crise com planos emergenciais e estrat\u00e9gicos para refor\u00e7ar a seguran\u00e7a nos estados, como tamb\u00e9m n\u00e3o existe uma pol\u00edtica nacional de controle ao tr\u00e1fico nas nossas fronteiras. Em 2012, um levantamento da ONU apontou que o Brasil concentrava mais de 11% dos 500 mil homic\u00eddios registrados no mundo, n\u00e3o tem uma pol\u00edtica nacional de controle, integrada entre os estados. O governo federal falta muito nesse sentido\u201d, aponta.<\/p>\n

O especialista lamenta esse descaso e alerta para a possibilidade de as crises se espalharem. \u201cN\u00e3o h\u00e1 nenhuma preocupa\u00e7\u00e3o dos governantes em Bras\u00edlia em somar esfor\u00e7os com os estados. A \u00fanica preocupa\u00e7\u00e3o \u00e9 um loteamento pol\u00edtico do Minist\u00e9rio da Justi\u00e7a e da Seguran\u00e7a P\u00fablica que garanta uma prote\u00e7\u00e3o da Opera\u00e7\u00e3o Lava Jato. J\u00e1 passou da hora de o Brasil abrir os olhos. O que temos visto \u00e9 uma lament\u00e1vel omiss\u00e3o do governo federal e a possibilidade de viver o cen\u00e1rio do caos\u201d, finaliza Lira.<\/p>\n

Viol\u00eancia<\/strong>
\nEconomista e doutora em Ci\u00eancias Sociais, Viviane Mozine Rodrigues explica que a viol\u00eancia \u00e9 um fen\u00f4meno social multifacetado. \u201cN\u00e3o basta distribuir renda; a educa\u00e7\u00e3o tamb\u00e9m \u00e9 um fator que contribui para a diminui\u00e7\u00e3o da viol\u00eancia. A pol\u00edtica de drogas, a forma como o Estado se organiza, pode contribuir para o aumento ou a redu\u00e7\u00e3o da viol\u00eancia. Estamos vivenciando isso atualmente no Esp\u00edrito Santo\u201d, observa Viviane.<\/p>\n

\"\"Para ela, o envolvimento cada vez maior de crian\u00e7as e jovens da periferia com a criminalidade \u00e9 um problema social, que tem como base causas diversas. \u201cCrian\u00e7as e jovens abandonados existem na nossa sociedade desde o s\u00e9culo passado. No Esp\u00edrito Santo e em todo o Brasil \u00e9 frequente encontrar crian\u00e7as vendendo balas e mariolas nos sem\u00e1foros e dentro dos coletivos. Entre as\u00a0 principais causas relacionadas para o crescimento do crime juvenil violento, est\u00e3o as mudan\u00e7as no padr\u00e3o de consumo – roupas de marca, equipamentos eletr\u00f4nicos de \u00faltima gera\u00e7\u00e3o, entre outros fatores – e o tr\u00e1fico de drogas\u201d, cita. A especialista destaca que a falta de pol\u00edticas p\u00fablicas integradas \u2013 em seguran\u00e7a, educa\u00e7\u00e3o e social \u2013 \u00e9 outro vil\u00e3o contra a diminui\u00e7\u00e3o da viol\u00eancia. \u201cEm geral, nossas pol\u00edticas p\u00fablicas s\u00e3o setorizadas.<\/p>\n

H\u00e1 um baixo grau de integra\u00e7\u00e3o e articula\u00e7\u00e3o entre elas. Esse \u00e9 o grande desafio atual.\u201d
\nPor fim, Viviane defende um \u00fanico caminho para se chegar a um mundo melhor.
\n\u201cA viol\u00eancia s\u00f3 existe nas a\u00e7\u00f5es das pessoas S\u00f3 vamos construir um mundo melhor se as pessoas fizerem o bem coletivamente, se as estruturas sociais forem mais justas.\u201d<\/p>\n

Pesquisador do Instituto de Pesquisas Econ\u00f4micas Aplicadas (Ipea) e conselheiro do F\u00f3rum Brasileiro de Seguran\u00e7a P\u00fablica, Daniel Cerqueira avalia que essa crise, apesar de \u201cestampada no Esp\u00edrito Santo\u201d, \u00e9 uma realidade de todo o pa\u00eds e precisa ser observada em quatro dimens\u00f5es. A primeira delas \u00e9 estrutural. \u201cTemos v\u00e1rias vicissitudes no sistema que ainda remetem a problemas da organiza\u00e7\u00e3o das pol\u00edcias desde o Imp\u00e9rio. Problemas estruturais que dependem de reformas constitucionais e que est\u00e3o no centro da crise: aus\u00eancia de ciclo \u00fanico de pol\u00edcias, a desmilitariza\u00e7\u00e3o, porque o militar \u00e9 treinado para a guerra, ao passo que o policial deve ser treinado para garantir direitos, s\u00e3o duas formas muito distintas de ver a realidade; al\u00e9m do direito \u00e0 greve, que o policial n\u00e3o tem.\u201d
\n\"\"
\nSegundo o especialista, a segunda dimens\u00e3o se refere \u00e0 falta de accountability (responsabilidade com \u00e9tica e que remete \u00e0 obriga\u00e7\u00e3o, \u00e0 transpar\u00eancia na presta\u00e7\u00e3o de contas). \u201cTemos corpora\u00e7\u00f5es policiais que ainda n\u00e3o adentraram no Estado Democr\u00e1tico de Direito. Temos \u2018caixas-pretas\u2019, n\u00e3o sabemos muitas vezes o que foi feito, quanto custou, o que deu resultado positivo, e a quem responsabilizar quando n\u00e3o houver os resultados prometidos. Sabemos muito pouco sobre o trabalho das pol\u00edcias\u201d, opina.<\/p>\n

Um terceiro ponto diz respeito ao equil\u00edbrio prec\u00e1rio \u00e0 paz social, que em uma situa\u00e7\u00e3o normal se sustenta em um contrato social que deve levar em conta a necessidade de benef\u00edcios m\u00fatuos para os cidad\u00e3os, analisa Cerqueira. \u201c\u00c0 medida que voc\u00ea tem uma sociedade com muitos exclu\u00eddos, por que os \u2018indesej\u00e1veis\u2019 v\u00e3o ter comprometimento com quem est\u00e1 participando da festa? Seria desej\u00e1vel um melhor processo de inclus\u00e3o, de diminui\u00e7\u00e3o das desigualdades, para a sociedade funcionar melhor\u201d, explica Cerqueira, que tamb\u00e9m \u00e9 autor do livro \u201cCausas e Consequ\u00eancias do Crime no Brasil\u201d.<\/p>\n

No entanto, o pesquisador pondera que, ainda que n\u00e3o se mexa nas estruturas b\u00e1sicas da distribui\u00e7\u00e3o de renda, \u00e9 poss\u00edvel fazer pol\u00edtica de seguran\u00e7a p\u00fablica efetiva e eficiente, considerando a focaliza\u00e7\u00e3o. Ele destaca que 12% dos homic\u00eddios do mundo ocorrem no Brasil. Mas metade deles se concentra em 81 dos 5.570 munic\u00edpios do pa\u00eds, e metade do montante nesses locais acontece em 10% dos bairros. \u201cEstamos dizendo que 540 bairros concentram um quarto dos homic\u00eddios do pa\u00eds. \u00c9 poss\u00edvel agir nesses focos com preven\u00e7\u00e3o social \u2013 orienta\u00e7\u00e3o \u00e0s m\u00e3es e programas destinados a crian\u00e7as de 0 a 6 anos \u2013 quando s\u00e3o desenvolvidas dimens\u00f5es cognitivas e socioemocionais e formados os valores prim\u00e1rios.<\/p>\n

Ent\u00e3o vamos olhar os locais mais vulner\u00e1veis, onde est\u00e1 consagrada a situa\u00e7\u00e3o de viol\u00eancia. Uma li\u00e7\u00e3o muito boa que v\u00e1rios pesquisadores extra\u00edram de Pernambuco, com o programa Pacto pela Vida, e do Esp\u00edrito Santo, com o Estado Presente, foi a dimens\u00e3o da preven\u00e7\u00e3o social. E o segundo pilar \u00e9 a repress\u00e3o qualificada, em que a pol\u00edcia, em vez de ser utilizada para sufocar e separar os indesej\u00e1veis nas periferias, precisa garantir os direitos \u00e0 cidadania, utilizar a intelig\u00eancia para retirar os homicidas contumazes das ruas, realizar opera\u00e7\u00f5es para retirada de armas de fogo das ruas, mas numa alian\u00e7a com as comunidades, em que as informa\u00e7\u00f5es sejam compartilhadas\u201d, salienta.<\/p>\n

Nesse contexto, segundo ele, a pol\u00edcia acaba tendo enorme poder de \u201cbarganha\u201d, pois basta anunciar opera\u00e7\u00e3o padr\u00e3o para governo e sociedade entrarem em p\u00e2nico. \u201cPor isso que em v\u00e1rios lugares do pa\u00eds, ainda que n\u00e3o apare\u00e7am nos jornais, a gente tem not\u00edcias internas que d\u00e3o conta de recorrentes amea\u00e7as a governadores que cedem a essa press\u00e3o\u201d, enfatiza o pesquisador.\u00a0\u00a0 Por fim, a quarta dimens\u00e3o dessa crise de anos na seguran\u00e7a p\u00fablica \u00e9 um \u201cequil\u00edbrio perverso\u201d do sistema. \u201cBoas pol\u00edticas exigem muito mais trabalho para estrutur\u00e1-las e, sobretudo, para mudar a l\u00f3gica do funcionamento das pol\u00edcias, porque isso \u00e9 mexer numa cumbuca perigos\u00edssima que vai levar anos para amadurecer, mas o horizonte temporal do pol\u00edtico \u00e9 de dois anos e o receio de desencadear uma crise fica sempre acima da vontade de mudar. Seguran\u00e7a p\u00fablica \u00e9 uma agenda \u2018maldita\u2019 e, com isso, as pol\u00edticas ficam a esmo de interesses particularistas, de press\u00f5es corporativistas\u201d, argumenta.<\/p>\n

\"\"Na avalia\u00e7\u00e3o do pesquisador do Ipea, ficam duas li\u00e7\u00f5es da experi\u00eancia da crise no Esp\u00edrito Santo. \u201cA primeira \u00e9 que o comprometimento com a vida dos cidad\u00e3os, com m\u00e9todo e com a\u00e7\u00f5es preventivas possibilita a mudar a realidade de sangue e l\u00e1grimas, que tanto custa ao pa\u00eds. A segunda \u00e9 que a estrada para a paz social \u00e9 longa e envolve pol\u00edticas p\u00fablicas de Estado, cujo investimento em educa\u00e7\u00e3o e oportunidades deve atingir amplamente a muitas gera\u00e7\u00f5es. Sem esse suporte, ficaremos eternamente ref\u00e9ns da crise na esquina, que separa tenuamente a trag\u00e9dia da reden\u00e7\u00e3o\u201d, finaliza.<\/p>\n

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*Por Luciene Ara\u00fajo Pol\u00edcia Militar deixa as ruas, bandidos tomam as cidades de assalto, e a popula\u00e7\u00e3o fica sitiada em meio \u00e0 guerra do tr\u00e1fico e ao vandalismo. O cen\u00e1rio presenciado no Esp\u00edrito Santo entre os dias 4 e 15 de fevereiro dificilmente teria sido imaginado por algum capixaba ou turista. O Estado, que vinha […]<\/p>\n","protected":false},"author":18,"featured_media":26749,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"inline_featured_image":false,"ngg_post_thumbnail":0,"footnotes":""},"categories":[35,63],"tags":[],"publishpress_future_action":{"enabled":false,"date":"2024-05-11 06:39:42","action":"change-status","newStatus":"draft","terms":[],"taxonomy":"category"},"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/esbrasil.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/26739"}],"collection":[{"href":"https:\/\/esbrasil.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/esbrasil.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/esbrasil.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/users\/18"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/esbrasil.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=26739"}],"version-history":[{"count":5,"href":"https:\/\/esbrasil.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/26739\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":26850,"href":"https:\/\/esbrasil.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/26739\/revisions\/26850"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/esbrasil.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media\/26749"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/esbrasil.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=26739"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/esbrasil.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=26739"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/esbrasil.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=26739"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}