{"id":129682,"date":"2021-11-16T11:00:06","date_gmt":"2021-11-16T14:00:06","guid":{"rendered":"https:\/\/esbrasil.com.br\/?p=129682"},"modified":"2021-11-12T18:20:05","modified_gmt":"2021-11-12T21:20:05","slug":"responda-rapido-beethoven-ou-molejo","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/esbrasil.com.br\/responda-rapido-beethoven-ou-molejo\/","title":{"rendered":"Responda r\u00e1pido: Beethoven ou Molejo?"},"content":{"rendered":"

As ci\u00eancias modernas trataram de criar modelos de pensamento baseados na hierarquiza\u00e7\u00e3o, serialidade, ordenamento, dicotomiza\u00e7\u00e3o e rela\u00e7\u00f5es de causa e efeito<\/h2>\n

Por Cl\u00e1udio Rabelo<\/strong><\/p>\n

Tudo certo. Talvez eu tenha ativado o seu modo \u201cpreconceito\u201d do c\u00e9rebro com a quest\u00e3o enunciada no t\u00edtulo. Quem diz que \u00e9 Beethoven talvez parta de uma l\u00f3gica classista, r\u00edgida, met\u00f3dica e meritocr\u00e1tica. E provavelmente tamb\u00e9m levou o trabalho, a m\u00e9trica, o ritmo, a m\u00fasica ou o esfor\u00e7o intelectual criativo em considera\u00e7\u00e3o. Para aqueles que votaram no Molejo, talvez tenha sido evocado o pertencimento, a revolta, o sentimento de classe, o esp\u00edrito de fora da lei, a popularidade e a brasilidade. Mas a minha inten\u00e7\u00e3o com a pergunta n\u00e3o se foca em uma resposta r\u00e1pida, mas reflexiva: comparar \u201cZez\u00e9 di Camargo\u201d com \u201cMozart\u201d \u00e9 o mesmo que comparar feij\u00e3o com estetosc\u00f3pio.<\/p>\n

As ci\u00eancias modernas trataram de criar modelos de pensamento baseados na hierarquiza\u00e7\u00e3o, serialidade, ordenamento, dicotomiza\u00e7\u00e3o e rela\u00e7\u00f5es de causa e efeito. Mas a realidade \u00e9 muito mais complexa do que isso. M\u00fasica n\u00e3o deveria ser encerrada na ontologia do objeto, como uma \u00fanica coisa, como algo que possa ser classificado em crit\u00e9rios de zero a dez. Procure a cena cl\u00e1ssica de \u201cSociedade dos Poetas Mortos\u201d para entender o que quero dizer.<\/p>\n

Existem m\u00fasicas f\u00fanebres, algumas rom\u00e2nticas e outras recheadas de humor. As infantis ativam os neurotransmissores respons\u00e1veis pela felicidade, curiosidade e a aprendizagem. N\u00e3o ser\u00e1 bem quisto aquele que tocar Vivaldi em um churrasco na turma da faculdade, assim como a conex\u00e3o est\u00e9tica-corporal de um forr\u00f3 \u00e9 impens\u00e1vel sob o som do rock\u00b4n roll ou punk rock, com suas cad\u00eancias e letras focadas no discurso cr\u00edtico e de revolta. A energia de uma roda de samba \u00e9 unicamente cat\u00e1rtica no imagin\u00e1rio coletivo daqueles que passaram a semana inteira entregando suas vidas ao trabalho. De forma parecida os tambores, atabaques, flautas, violinos ou pianos nutrem de energia as diferentes formas de conex\u00e3o religiosas existentes.<\/p>\n

Vinho n\u00e3o \u00e9 melhor que caf\u00e9, tampouco o suco de laranja pode ser comparado com o chimarr\u00e3o. N\u00e3o podem ser, as bebidas, classificadas em hierarquias r\u00edgidas. O caf\u00e9 \u00e9 consumido em reuni\u00f5es de neg\u00f3cios, ou como estimulante na madrugada para aqueles que precisam concluir suas teses de doutorado. O vinho amplia a experi\u00eancia dos jantares rom\u00e2nticos, assim como o Gatorade se prop\u00f5e a repor a energia ap\u00f3s os esportes. Mas n\u00e3o se tratam de fun\u00e7\u00f5es r\u00edgidas, mas contextuais.<\/p>\n

Com isso quero dizer que \u00e9 besteira classificar uma m\u00fasica como melhor ou pior. E o mesmo vale para a culin\u00e1ria e at\u00e9 mesmo para as teorias ou perspectivas pol\u00edticas. Seu candidato \u00e0s elei\u00e7\u00f5es parece um Beethoven aos seus olhos, mas para os outros n\u00e3o passa de um chato arrogante, elitista e que atende a poucos, nascido para estragar a felicidade do evento. O outro candidato pode, por outro lado, parecer um Molejo cheio de felicidade, mas n\u00e3o deixa de ser apenas um clich\u00ea populista e sem talento.<\/p>\n

Convido ent\u00e3o para o exerc\u00edcio do pensamento complexo, na compreens\u00e3o de que o cinema, a Netflix e a TV aberta s\u00e3o interfaces distintas, incompar\u00e1veis. O mesmo vale para o gato e o cachorro; o Kindle e o livro impresso; matem\u00e1tica ou a hist\u00f3ria; e at\u00e9 mesmo o amor. Ignor\u00e2ncia comparar amor entre pais, filhos, c\u00f4njuges, amigos e animais de estima\u00e7\u00e3o. Linguisticamente, embora seja utilizado o mesmo paradigma, \u201camor\u201d, para representar coisas distintas, esquecemos por vezes a complexidade da vida e dos sentidos. Em resumo, sugiro que pare de comparar, classificar e principalmente desclassificar algo que n\u00e3o gosta. Veja a pot\u00eancia que h\u00e1 em torno de cada coisa. E se n\u00e3o te servir, tudo bem. Seja feliz com suas escolhas e negocie a produ\u00e7\u00e3o dos sentidos e est\u00e9ticas de exist\u00eancia de forma respeitosa, emp\u00e1tica, respons\u00e1vel e coletiva.<\/p>\n

Cl\u00e1udio Rabelo<\/strong>\u00a0\u00e9 professor da Ufes, TedX Speaker, p\u00f3s-doutor em Estudos Culturais pela UFRJ e autor do Livro \u201cFaixa preta em publicidade e propaganda\u201d<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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