Se os ETs realmente forem inteligentes, talvez percebam logo que o maior sinal de vida na Terra está na nossa capacidade de rir da nossa própria ineficiência
Por André Gomyde
Os cientistas anunciaram: o telescópio James Webb detectou sinais de vida biológica em um exoplaneta. Uma notícia histórica, claro. Mas a pergunta que realmente importa é: eles têm CPF?
Porque, antes de qualquer contato oficial, a primeira exigência da nossa galáxia será a burocracia. Se os ETs quiserem visitar o Brasil, por exemplo, terão que preencher o Formulário 48B, reconhecer firma em cartório intergaláctico e apresentar o comprovante de vacinação contra febre amarela. E isso tudo antes de saberem o que é um pão de queijo.
A tia Dirce, claro, não acredita em nada disso. Segundo ela, “se tivesse ET, já tinha vindo no programa da Fátima Bernardes”. Mas enquanto ela reza o terço reforçado — um para cada planeta habitável — os cientistas seguem animados. O problema é o choque cultural. Imagine um projeto conjunto com os alienígenas. Eles chegam com tecnologias de dobra espacial, e a gente responde com: “o projeto está em tramitação no setor de análise”. E assim segue por três luas.
A comunicação também será difícil. Eles talvez se expressem por telepatia, ou por luzes piscantes na testa. Nós responderemos com uma reunião no Zoom que começa atrasada porque o estagiário esqueceu de enviar o link. A primeira conversa interplanetária corre o risco de ser: “Vocês estão me ouvindo? Acho que seu microfone tá no mudo”.
Agora, pense na reação deles ao primeiro contato com o setor público. Uma civilização que sobreviveu a buracos negros e tempestades de radiação pode não resistir à fila do Detran. O pedido de parceria científica levará oito anos-luz para sair da gaveta, isso se não extraviarem no protocolo. Talvez desistam e invadam o Uruguai, só pela praticidade.


Ainda há a questão da malemolência. Eles chegam pontuais, com tudo planejado, e a gente responde: “Vamos marcar de resolver isso semana que vem, pode ser?” Só que “semana que vem” aqui é uma unidade de tempo indefinida, como o tempo que dura uma obra pública ou um amor de carnaval.
Mesmo assim, há esperança. A tia Dirce segue orando, não pelos ETs, mas por nós. E talvez, só talvez, a fé dela funcione melhor que nosso sistema de vistos. Porque, se eles realmente forem inteligentes, talvez percebam logo que o maior sinal de vida na Terra não está nas descobertas científicas, mas na nossa capacidade de rir da nossa própria ineficiência — e de ainda achar que dá pra melhorar.
Talvez seja isso que nos torne únicos no universo: essa mistura de caos, cafezinho e esperança.
André Gomyde é presidente do Instituto Brasileiro de Cidades Humanas, Inteligentes, Criativas e Sustentáveis e Mestre em Administração pela FCU, nos Estados Unidos. Instagram: @andre.gomyde