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quinta-feira, 28 março, 2024

Vale a pena ser prefeito?

Mais desafios: é o que devem esperar os vencedores das eleições municipais de outubro para os próximos anos

 * por Luciene Araújo

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No próximo dia 2 de outubro, os brasileiros irão às urnas eleger os prefeitos dos 5.564 municípios, além de mais de 56 mil vereadores. E, independente da dimensão da cidade, os mandatários escolhidos têm de enfrentar a complexa tarefa de conciliar demandas sociais cada vez maiores com estreitos orçamentos, a maioria já com as contas no “vermelho”. Tudo isso, sem desrespeitar a lei.

Em um cenário de grave recessão econômica, as receitas locais diminuem, ao mesmo tempo que crescem as demandas sociais por serviços de saúde, assistência social e educação, devido à queda do poder aquisitivo da população e ao aumento do desemprego. “O atual quadro recessivo nacional tem imposto às administrações públicas uma perda de receitas numa velocidade e intensidade difícil de ser acompanhadas por medidas de ajustes nas despesas. Além disso, a maior despesa pública, que é o gasto com pessoal, possui uma margem muito pequena para ajustes no curto prazo, uma vez que a legislação garante a estabilidade no emprego público, benefícios, vantagens e progressões salariais, sem citar os crescentes déficits previdenciários dos municípios que dispõem de regime próprio de previdência”, explica a economista Tânia Villela, editora do anuário Multi Cidades (veja no box).
Vale a pena ser prefeito?
Outro fato que complica de forma significativa a vida dos prefeitos é atual divisão dos recursos e de responsabilidades entre os entes da federação (União, estados e municípios). “Os prefeitos reclamam muito, e com razão, de possuir responsabilidades de mais e recursos de menos. Atualmente, o conjunto dos municípios no Brasil fica com um pouco menos de 20% do total da receita disponível¹ no país. Esse percentual já foi menor.

No entanto, as responsabilidades dos entes municipais não param de crescer em todas as áreas”, enfatiza. Para se ter uma ideia, em 2013, os municípios foram responsáveis por cerca de 39% de toda a despesa empenhada em saúde e educação dos três níveis de governos juntos, enquanto que os estados comprometeram 31%, e a União, 30%, aproximadamente. “Essa repartição já foi diferente: em 2002 os municípios realizavam, aproximadamente, 33% das despesas nessas duas funções.” Outro exemplo de responsabilidade crescente para as prefeituras é a universalização do ensino infantil para as crianças entre 4 e 5 anos, a partir de 2016, imposta pela Lei Federal nº 12.796/2013.

A forma como os recursos são distribuídos entre as prefeituras do país é outra grave preocupação dos gestores locais, especialmente dos que recebem bem menos que a média, quando observamos o volume de verbas em relação ao número de habitantes. “Os critérios de distribuição das maiores transferências que vêm da União e dos estados estão defasados e em muito perderam sua função sistêmica, gerando casos de verdadeira marginalização entre os municípios. Imagine ser prefeito de cidades que possuem
uma receita corrente per capita que é menos da metade da média dos municípios do país, como é o caso de vários da Baixada Fluminense e de outros situados em regiões metropolitanas?”, questiona Tânia.

No Espírito Santo, há um motivo a mais para se preocupar: a arrecadação estadual de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), cuja parcela de 25% pertence aos municípios e representa uma de suas maiores entradas, tem caído desde 2013. Os demais estados ainda obtiveram um alta no ICMS em 2013, houve uma estagnação em 2014, e em 2015 é que ocorreram retrações em quase todos eles. O Espírito Santo foi o único que registrou três anos de quedas consecutivas no tributo (-10,6%, -4,9% e -5%, já descontada a inflação), o que se deve àquela Resolução do Senado que diminuiu as alíquotas nas operações interestaduais de produtos importados e acabou porafetar de forma muito intensa o nosso Estado e municípios, desde o início de 2013.

Das 78 cidades capixabas, 69 possuem mais de 70% das receitas oriundas da União e do Estado, por meio de transferências do FPM (Fundo de Participação dos Municípios) e do ICMS. Segundo dados do anuário Finanças dos Municípios Capixabas, nos seis primeiros meses de 2015, o repasse de royalties e participações especiais despenca 26,3% em relação a igual período de 2014, totalizando R$ 484,5 milhões.

E os tributos arrecadados diretamente pelas cidades integram a lista das notícias negativas. Após 12 anos de crescimento contínuo, a receita de ISS (Imposto sobre Serviços) deverá registrar declínio em 2015 e em 2016. E a previsão da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) é de que haja aumento na inadimplência no IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana) e retrocesso no ITBI (Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos), uma vez que a comercialização dessas unidades também sofre com a crise.

Levantamento realizado pelo anuário Multi Cidades – Finanças dos Municípios do Brasil, da Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e da Aequus Consultoria, com base em dados dos balanços municipais, apontou que, em 2015, as prefeituras brasileiras receberam R$ 2,1 bilhões a menos de transferência do ICMS em 2014, somando R$ 93,5 bilhões.
O anuário faz também um estudo preliminar, com sustento em Relatórios Resumidos da Execução Orçamentária (RREOs) das capitais e dos estados, mostrando que o rombo nos cofres públicos municipais em 2015 foi ainda mais severo. Dentre as capitais do Brasil, Vitória foi a que teve o pior desempenho, com baixa de 23%, uma diminuição de R$ 106,5 milhões da sua quota-parte do ICMS.

As demais capitais do Sudeste também tiveram perdas: São Paulo, cujo repasse regrediu 7,9%, com retração de R$ 581,1 milhões; Rio de Janeiro (-4,5% e R$ -105,7 milhões); e Belo Horizonte (-3,7% e R$ -33,4 milhões). “O ICMS é um imposto que depende da evolução da economia e, a partir de meados de 2014, a trajetória do nível de atividade desacelerou fortemente. As transferências aos municípios refletiram as condições econômicas, e a tendência é de piora devido ao agravamento da crise em 2015 e 2016”, disse o economista Alberto Borges, da Aequus Consultoria.

Vale a pena ser prefeito?
Vale a pena ser prefeito?Foto 1 e 2: Município de Vitória

O desempenho da maior transferência da União aos municípios, o FPM, também tem sido muito negativo. Nesse indicador, houve uma queda total de 2,2%, em 2015, mantendo-se em recuo nos três primeiros meses de 2016, quando ficou 14% abaixo do valor repassado no mesmo período de 2015, já descontada a inflação. “Somente nesses três meses, a perda foi algo em torno de R$ 2,7 bilhões para os municípios de todo o país, e ela é brutal para as pequenas cidades, que são muito dependentes do FPM. E não há perspectiva de melhora no desempenho no FPM, uma vez que ele é formado por parte da arrecadação federal do IR (Imposto de Renda) e do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), tributos em retração devido à forte recessão econômica deste ano”, explica Tânia Villela.

Vale a pena ser prefeito?Tal cenário tornou a gestão de uma prefeitura ainda mais complexa. Em novembro de 2015, durante o ES Brasil Debate “A gestão municipal e seus desafios”, os prefeitos da Grande Vitória já enfatizaram a possibilidade de 2016 ser um ano ainda pior e que poderia chegar ao caos na administração de muitas cidades. À época, foram unânimes em destacar que os problemas são ainda maiores diante de demandas que só podem se resolvidas de forma integrada. “Diferentes realidades propiciam uma troca de informações e experiências que é fundamental para os melhores resultados. Questões como equilíbrio fiscal e mobilidade urbana, por exemplo, não se resolvem de forma isolada”, destacou Luciano Rezende, prefeito de Vitória.  “O principal desafio de uma política administrativa conjunta das cidades da região metropolitana é ampliar o conhecimento sobre demandas comuns, encontrando soluções à burocracia e barateando o acesso a todos. Para aplicarmos de maneira mais eficaz, será necessária a criação de um instrumento jurídico que dê legalidade às intervenções intermunicipais”, analisou Geraldo Luzia Junior, prefeito de Cariacica.

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Vale a pena ser prefeito?Foto 1 e 2: Município de Cariacica

O presidente da Associação dos Municípios do Espírito Santo (Amunes) e prefeito de Venda Nova do Imigrante, Danton Perim, explica que a economia desaquecida gerou queda na produção e, por isso, no pagamento de impostos, o que levou as administrações locais a receber menos recursos, impactando diretamente na atuação do serviço público. “Foram necessários muitos cortes e adiamento de programas e projetos para minimizar os impactos no caixa das prefeituras em 2015”, frisou Dalton Perim, que também já havia adiantado, à ES Brasil, as expectativas para 2016 em dezembro do ano passado, quando afirmou que seria preciso que a população e os municípios se convencessem de que a crise econômica estava instalada e que momentos mais difíceis viriam pela frente. “Diante dessa instabilidade política e econômica, da seca e do maior acidente ambiental do país, a melhor maneira é se reorganizar de forma mais cautelosa para fazer o enfrentamento da crise, que demonstra ser ainda mais desafiadora para 2016”, alertou.

Os municípios capixabas estão tendo mesmo de redimensionar o caixa. Na capital, de acordo com o secretário de Fazenda local, Davi Diniz, a análise do orçamento foi refeita e para o ano de 2016 foram reduzidas bastante as contas, já prevendo o não repasse do Estado e da União. Segundo ele, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) está sendo cumprida na íntegra em Vitória. Para 2017, a perspectiva econômica é de declínio contínuo na receita, com expectativa de encolhimento de mais de 10%. “Há uma necessidade de continuar controlando as saídas, principalmente o custeio, melhorando a eficiência do gasto público, fazendo mais com menos. Estas são as expectativas: 2017 com menos recursos, mas continuaremos fazendo um trabalho de controle pra gente conseguir cumprir todos os requisitos legais previstos no dia a dia, mantendo a qualidade dos serviços prestados à população”, afirmou Diniz.

Em relação às melhorias conquistadas, o secretário destacou a segurança. “Saímos do patamar de cidade mais violenta em 2012 para a capital mais segura do Brasil em três anos e meio. Tínhamos pouco mais de 30 câmeras de videomonitoramento em 2013; atualmente são mais de 200. Há previsão de melhorias na iluminação, o que aumenta a sensação de segurança dos moradores, e também na mobilidade urbana, com a chegada das bicicletas compartilhadas, entre outras tantas coisas”, observou Davi Diniz.

Em relação às grandes demandas que ainda precisam ser vencidas, ele enfatizou que a maior delas para a próxima gestão é “manter a oferta dos serviços na qualidade e na quantidade da atual, mesmo com a restrição de recursos”. Diniz reforçou a importância de dar continuidade aos projetos iniciados. “A atual gestão continuou todas as obras que foram deixadas pela administração anterior, quase 80, e algumas delas não tinham sequer projeto executivo. É comum no Brasil, e no Espírito Santo, os governos iniciarem obras e deixarem para o seu sucessor. Muitas dessas obras acabam deixadas de lado e ficando sem conclusão por governos sem compromisso verdadeiro com a população. Nenhum projeto foi ou será iniciado por esta administração para ficar para o próximo mandato”, garantiu.

Em Vila Velha, os cortes e a revisão de contratos foram adotados na busca pelo equilíbrio. “Quando assumimos a administração municipal, herdamos uma dívida de R$ 67,1
milhões dentro de um contexto de queda de arrecadação de R$ 103,5 milhões. Diante desse cenário, desde novembro de 2014, adotamos medidas de austeridade, pautadas em reorganização administrativa, desligamento de aproximadamente mil servidores (DTs e comissionados) e revisão de contratos. Iniciativas fundamentais que permitem, em meio a uma crise econômica, realizarmos entregas importantes em educação, saúde, segurança, macrodrenagem, mobilidade, entre outras obras e serviços em áreas fundamentais à população”, disse o prefeito Rodney Miranda.

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Vale a pena ser prefeito?Foto 1 e 2: Município de Vila Velha

Em Cariacica, os debates são semanais. “Desde 2013 algumas medidas têm sido essenciais para passarmos pelas turbulências da melhor forma e, no futuro, estarmos prontos para o fim da crise. Com o comitê de gestão econômica, adequamos, semanalmente, as ações necessárias para manutenção da saúde financeira da cidade. Para este ano, trabalhamos com contingenciamento de 20% do orçamento, prorrogamos o decreto que cria medidas para economia de energia, água, combustível e outros”, citou o prefeito Geraldo Luzia Junior.

Segundo ele, para manter as contas no eixo, foi preciso realizar uma série de cortes. “Cariacica possui a menor renda per capita do Estado, mas atualmente mantemos o pagamento de servidores e fornecedores em dia e, ainda assim, entregamos mais de 480 obras. Claro que temos desafios pela frente. Modernizamos a estrutura administrativa da prefeitura, extinguindo, por lei, 82 cargos comissionados, entre outras medidas que mantiveram Cariacica nos trilhos mesmo com a crise, colocando-a como cidade das oportunidades, a bola da vez no crescimento e no desenvolvimento da Grande Vitória. Porém, esse processo não pode ser parado, e a prefeitura precisa trabalhar estrategicamente para isso”, enfatizou. Para 2017, o desafio é finalizar importantes obras, como “a UPA de Flexal II, prevista para ser concluída ao final do ano; as parcerias com as obras do Hospital Geral, da Leste Oeste e da José Sete, do Governo do Estado, além do polo empresarial e residencial Parque Leste-Oeste e do Hotel Bristol, da iniciativa privada”.

Em Viana, os cortes precisaram ser profundos. Em 2015, o orçamento previsto de arrecadação era de R$ 224 milhões, mas somente R$ 154 milhões foram recolhidos, ou seja, R$ 70 milhões a menos, quase um terço do orçamento ficou de fora dos caixas municipais. “Isso exigiu diminuição no ritmo de obras, redução da folha, e tivemos muitos contratos rescindidos,como o de limpeza pública. Esse contrato girava em torno de R$ 4 milhões/ano. Fizemos uma parceria com a Secretaria de Justiça, e hoje quem limpa a cidade são os internos, que trocam trabalho por diminuição do tempo de pena. E um custo que era de mais de R$ 380 mil por mês passou para R$ 80 mil”, explicou
o prefeito Gilson Daniel Batista.

A fim de minimizar o déficit no equilíbrio financeiro da cidade, foi preciso ainda reduzir o horário de funcionamento do Administrativo da prefeitura – e com isso também o valor da gratificação – e promover cortes de cargos comissionados. “Chamamos os fornecedores e mostramos a inviabilidade de continuar com aquela dimensão de gastos e, diante da crise, como todo mundo está sentindo a pressão da falta de dinheiro, quase todos adequaram os contratos para não perdê-los. Por exemplo, na locação de imóveis, conseguimos reduzir os valores em até 60%”, acrescentou o gestor.Ainda entre as medidas houve reestruturação do setor tributário, para melhor executar as cobranças de impostos municipais e a captação de financiamento junto ao Bandes. “Fizemos também uma parceria junto ao Ministério Público do Trabalho com a unidade de saúde de Biriricas e passamos a ter fornecimento de serviço de uma empresa que tinha dívidas com os órgãos. Outra empresa que devia impostos doou um terreno de 3.000 m² para a construção de uma praça que a comunidade reivindicava havia anos. A gente buscou diferentes formas de parceria para realizar melhorias sem a dependência de dinheiro público”, enfatizou Gilson Daniel.

Vale a pena ser prefeito?Ainda assim, não foi possível fechar 2015 no azul. “Conseguimos equipar nossas escolas, comprar carteiras novas, uniformizar as crianças, reformar prédios e comprar material didáticos. Na Saúde, tínhamos 29 médicos; atualmente são mais de 100. Hoje executamos o maior plano de obras que a cidade já teve, são 426 obras em andamento. Mas 2015 fechou com déficit de R$ 5 milhões e, se não fossem as medidas de economia, seria mais que o dobro desse valor. Por isso estamos tendo de efetuar uma nova reorganização, com continuidade de cortes, para cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal”, destacou.

Mesmo em municípios fortes economicamente, como Linhares, os problemas são bastante graves. Em 2015, a arrecadação caiu R$ 20 milhões em comparação ao ano anterior, em consequência de sucessivas quedas de repasses de royalties do petróleo e receita própria. Para se ter uma ideia da gravidade que isso representa, só este ano a baixa acumulada no primeiro bimestre já chegou a R$ 9 milhões. “É um cenário preocupante que levou o município a adotar uma série de medidas, como bloqueio de dotações orçamentárias de todas as secretarias, além de redução na execução de contratos. Serão suspensos novos projetos de obras, investimentos que contenham contrapartidas do município e serviços não essenciais e considerados não prioritários no atendimento à população, como poda de árvores e jardinagem.

Também iniciamos a realocação de várias secretarias com o propósito de economizar cerca de R$ 800 mil até o final do ano. São setores que funcionam em imóveis alugados e que irão para prédios próprios. E ainda fizemos profundos cortes na folha de pagamento de servidores como forma de adequar o município às exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal”, mencionou o secretário de Comunicação do município, Fabrício Marvila.

Especialista em gestão pública, a economista Tânia Villela aponta quais são as principais demandas para 2017: “Manter os serviços básicos em funcionamento; determinar a melhoria do gasto público, reavaliando todos os programas e ações e promovendo uma reforma administrativa; combater a sonegação, a inadimplência, aprimorar a eficiência da fiscalização e da arrecadação; usar de criatividade e da capacidade de liderança para estimular os servidores e os cidadãos na busca de soluções para os problemas da cidade; e manter relações com organismos internacionais, organizações não governamentais e instituições de representação dos municípios”. As eleições estão chegando e, nesse contexto, as equipes de comando, tanto as atuais quanto as do próximo mandato, deverão estar voltadas para o enfrentamento desses grandes desafios.

 

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