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terça-feira, 16 abril, 2024

Trump: um ponto de mutação?

Trump: um ponto de mutação?
(Foto: Julien de Rosa)

Trump hoje representa milhares de eleitores, e faz muito tempo que não se via a face de uma América do Norte tão claramente dividida e ousada

Por Antonio Marcus Machado

No momento em que o mundo acompanha as eleições norte-americanas – um duelo impressionante entre Joe Binden, democrata, e Donald Trump, republicano – aquele país torna-se o centro das atenções de milhões de pessoas. Há um certo fascínio por tudo que lá acontece a partir da segunda grande guerra mundial e o surgimento do “american way of life” da década de 1950, principalmente. De lá para cá, coube aos Estados Unidos um estratégico papel de regente tácito de grande parte das decisões globais. E conquistou esse status com uma maestria impressionante, muitas vezes questionável em sua forma e conteúdo.

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A década de 1950 presenciou a organização de um padrão de vida norte-americano extremamente conservador e regulador. Basta assistir ao excelente filme “Stepford Wives”, em que Johana Eberhart se muda para a pacata cidade de Stepford, Connecticut. Há um padrão moral que se baseia no tripé família, trabalho e comunidade. Boa parte do mundo queria ser assim. Aqui incluindo-se muitos brasileiros. A Europa, o centro das atenções antes da Segunda Guerra, tinha em Londres seu grande expoente irradiante. O mundo acertava o relógio pelo glorioso Big Ben e sua imponente torre. A BBC era uma rádio de aceitação global.

A década de 1960 registra a poderosa influência desse continente no mundo ocidental. Vale lembrar, por exemplo, a realização da Copa do Mundo de futebol na Inglaterra em 1966, lá realizada para celebrar em agosto de 1960 o centenário da The Football Association. E os súditos da Rainha foram campeões. Nessa mesma década, uma grande parte do mundo ouvia música europeia. Jane Birkin e Serge Gainsbourg, em 1969, incendiaram o mundo conservador com a música “Je t’aime…moi non plus”, que foi banida em várias rádios do mundo e proibida no Brasil. Os Beatles quebraram todos os paradigmas existentes, assim como os Rolling Stones e outros também notáveis. Havia música na América do Norte, mas muitos iam beber na fonte europeia, como Jimmy Hendrix e James Taylor. A turma do Jazz também ia bastante, como Chet Baker.

Françoise Hardy, ícone do “Yé-Yé francês”, chegou a merecer uma menção de Bob Dylan na contra capa de seu disco “Another side of Bob Dylan” e o cinema irradiava Brigitte Bardot, um dos maiores símbolos sexuais dos anos 1950 e 1960, e Alain Delon, com o título de mais belo homem do mundo. Fellini, Truffaut e Godard abasteciam os eruditos críticos de cinema em todo o mundo ocidental. Hitchcock fazia o melhor suspense do mundo e Grace Kelly abandonou Hollywood pelo Príncipe de Mônaco. Os festivais de música fervilhavam em San Remo e os de cinema em Cannes. O mundo queria ser europeu, então.  Foi a partir da década de 1970 que os Estados Unidos assumiram essa vanguarda. E não mais a deixaram. Mas isso só aconteceu porque romperam aquela barreira do conservadorismo, muitas vezes hipócrita, e deram ao mundo o festival de Woodstock.

Foi um contraponto a esse crescente movimento de vanguarda, como se fosse necessário e possível um novo ponto de mutação, que fez surgir o fenômeno Trump. Sim, uso esse adjetivo porque apesar de todas as falas e atitudes dele em seu governo, ainda se fez extremamente competitivo no seu propósito de reeleição. Trump hoje representa milhares de eleitores, e faz muito tempo que não se via a face de uma América do Norte tão claramente dividida e ousada. Trump quis tratar a pandemia como se fosse um John Wayne enfrentando vaqueiros desordeiros em uma cidade do interior. Priorizou a manutenção da atividade econômica, tentando deixá-la livre enquanto também tentava manter a ciência encarcerada. Sem usar a máscara de Zorro e com a estrela de Sheriff de Wyatt Earp no peito, foi para o campo de batalha. O que hoje os noticiários norte-americanos chamam de “battlegrounds” eleitorais. E lutou vigorosamente, à seu estilo. Quase um High Noon contemporâneo.

Antônio Marcus Carvalho Machado é economista (Ufes) e mestre em Administração (UFMG)

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