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sexta-feira, 29 março, 2024

Segurança pública: o papel da imprensa

Reduzir o distanciamento entre a imprensa e seu dever de informar e a polícia e seu dever de proteger é uma equação que pode ser resolvida

Durante a minha carreira na Polícia Militar, sempre percebi certo distanciamento da instituição para com os órgãos de imprensa. Tenho a convicção de que isso tenha sido causado especialmente durante o regime de exceção no qual, entre outras coisas, censura e patrulhamento ideológico criaram e potencializaram esse distanciamento.

Durante os 11 anos que fiquei no Gate, tendo em vista a repercussão que as ocorrências causavam, tive de encontrar uma forma para diminuir esse distanciamento e civilizar a relação. A fórmula que encontrei foi por meio de uma frase que norteou o meu trabalho durante toda a minha gestão: “O direito à vida das pessoas transcende o dever de informar da imprensa e o direito de saber do público”. Nessa simples frase afirma-se que o primeiro aspecto a ser observado são os cuidados que o gerente da crise deve adotar para não aumentar a gravidade da situação, em particular o risco às vidas dos policiais e dos reféns; por outro lado, reconhece-se o dever de informar da imprensa e o direito que as pessoas possuem de serem informadas sobre o que está acontecendo.

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“O direito à vida das pessoas transcende o dever de informar da imprensa e o direito de
saber do público”

Fazer os ajustes para harmonizar esses interesses requer apenas um pouco de compreensão sobre o conteúdo da frase, uma boa dose de boa vontade e disciplina para cumprir o que foi combinado. Em geral, eu acomodava todos os representantes da imprensa em um local seguro e adequado para o trabalho deles e, de tempos em tempos, designava um porta-voz para dar uma coletiva sobre o andamento da operação.

Esse simples método evitava a dispersão dos profissionais, colaborava com a segurança da operação e, principalmente, eliminava a possibilidade do grande desejo do jornalista que é o “furo de reportagem”. Isso tranquilizava não só o profissional no local, mas também os editores, as chefias e as redações, pois, para o repórter, pior do que não ter o “furo” é o concorrente ter. Ninguém tinha o “furo”, mas todos tinham as informações.

A aproximação das instituições policiais com a imprensa tem melhorado sensivelmente, e as redes sociais têm colaborado sobremaneira para isso, pois passaram a servir de contrabalanço, utilizado largamente pelas instituições policiais ou mesmo por seus integrantes. Quase não há custo nisso, e a repercussão é muito rápida.

Entretanto, ainda há muito espaço para melhorar. Vou citar apenas dois exemplos, os quais considero os mais importantes. Da parte das instituições policiais, um pouco mais de atitude: quando diante de um flagrante erro, evitar a resposta por meio de nota de imprensa e jamais tentar justificar uma flagrante irregularidade com as inúmeras boas ações que acontecem. Da parte da imprensa, continuar apontando as falhas, denunciando maus comportamentos e crimes, para o aperfeiçoamento dos processos e a responsabilização dos autores, mas também ter a coragem moral de enaltecer aquelas ações que se destacaram pela amplitude, risco, planejamento ou qualquer outra questão meritória que fuja da normalidade. Um bom policial, como qualquer outro profissional, gosta de ser reconhecido, e isso, além de estimulá-lo a continuar nos caminhos da virtude, incentiva os demais a imitá-lo nas boas condutas.

Diógenes Lucca é tenente-coronel veterano da Polícia Militar, especialista em Gerenciamento de Crises e Negociação


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