Projeções apontam tendência de aumento dos eventos extremos e problemas causados pelas mudanças climáticas, como baixa disponibilidade hídrica
Por Daniel Hirschmann
Os impactos negativos provocados pelas mudanças climáticas, que já são percebidos não só no Brasil, mas no mundo todo, tendem a crescer com o passar do tempo, agravando os problemas sentidos hoje. Desde o aumento do nível do mar e uma maior frequência e intensidade de inundações até secas prolongadas e intensas, com fortes ondas de calor e escassez de recursos hídricos, o quadro que especialistas desenham para o futuro do Brasil e do Espírito Santo, em particular, exige atenção e medidas urgentes.
Um dos problemas esperados é o aumento do nível do mar nos municípios costeiros, que hoje já é uma realidade, mas deve piorar. Ondas de calor também são previstas, aumentando o risco para a saúde humana, com maior ocorrência de doenças como a dengue, além de mais inundações e deslizamentos de terras. Somam-se a isso a escassez de água e de alimentos e limitações no fornecimento de água potável. “Tudo isso é potencializado por essas vulnerabilidades que a gente identifica nas nossas cidades”, justifica o coordenador de Mudanças Climáticas da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), Saulo Aires de Souza.
Segundo ele, no caso das cheias, aquelas mais intensas vão ocorrer em praticamente todo o Brasil, mas principalmente nas regiões mais vulneráveis e que, naturalmente, já sofrem com enchentes. Por outro lado, a disponibilidade hídrica (a quantidade de água disponível em uma determinada região em um determinado período de tempo; refere-se à quantidade de água doce que está disponível para uso humano, seja para consumo, agricultura, indústria ou outros fins) tende a diminuir em boa parte do país. “À exceção da Região Sul, devemos descobrir que todas as regiões do Brasil vão ter uma diminuição drástica na disponibilidade hídrica. Há cenários que mostram isso”, ressalta o coordenador, citando um estudo da própria ANA, que “acabou identificando quadros bastante preocupantes, principalmente para um futuro breve”.
Impacto na Grande Vitória
Com três horizontes traçados no estudo, o mais próximo deles, que vai até 2040, tem projeções com diminuição de 40% na disponibilidade hídrica em algumas regiões. O problema deve afetar, inclusive, o Espírito Santo. “No Espírito Santo, a gente observa mais de 600 cenários e, em praticamente todos os trechos, para esse futuro mais próximo, já vai haver algum tipo de diminuição da disponibilidade hídrica”, diz Saulo de Souza, ressaltando que tratam-se de projeções.
Ele cita os rios Jucu e Santa Maria, que abastecem a Região Metropolitana de Vitória. “Nós vemos cenários em que há essa diminuição de 35% a 40% já agora, no futuro próximo. Isso com certeza irá impactar bastante a disponibilidade hídrica da região”, ressalta.
Lembrando que a região de Vitória ainda tem grandes vulnerabilidades no atendimento de água potável, ele indica que esses cenários mais críticos se tornarão mais frequentes, comprometendo ainda mais o atendimento à população. “Alguns afluentes do rio Jucu tenderão a aumentar muito a sua intermitência. Isso também irá comprometer muito a disponibilidade hídrica”, acrescenta. “É uma situação bastante preocupante no Espírito Santo, mas também se estenda a boa parte do nosso país.”
A projeção da ANA é confirmada por outro observador, o chefe do Departamento de Engenharia Ambiental da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Diogo Costa Buarque. “Isso já é um fato. Nós já temos essas evidências. Há, de fato, problemas reais, no curto e até médio e longo prazos, de redução desses recursos hídricos”, afirma, mencionando também as bacias do Santa Maria da Vitória e do Jucu, que “tendem a ter uma redução de suas vazões”.
Risco de apagões
Diante desse cenário em todo o país, outro risco apontado pela ANA é de não atendimento pleno da geração de energia hidroelétrica. A baixa disponibilidade hídrica deve impactar e diminuir a afluência das águas para os reservatórios, com dois impactos principais, segundo a Agência. Um deles, com essa escassez, é o próprio aumento do risco de déficit hídrico e de não se atender à demanda energética.
Outro é o aumento dos custos. “À medida que percebemos uma menor geração hidroelétrica devido a diminuição dos recursos hídricos disponíveis, começamos a utilizar outras fontes de energia, que muitas vezes são até mais caras. Isso acaba por impactar diretamente tanto as nossas contas, quanto o setor produtivo brasileiro, que tem na energia elétrica um insumo fundamental”, comenta Saulo de Souza. “O risco é alto”, diz.
Ondas de calor
Para o climatologista Carlos Nobre, um problema que precisa de mais atenção, porque ainda é menos discutido, são as ondas de calor. “A Organização Mundial da Saúde (OMS) prevê 250 mil mortes por ano em todo o mundo, principalmente de idosos, devido à maior frequência das ondas de calor, batendo todos os recordes”, afirma o especialista. De acordo com ele, essas ondas de calor “resultam em mais de 50 vezes o número de mortes por chuvas intensas”.
Nobre salienta que o grau de risco é maior agora, pois em 2023 a temperatura global chegou próxima a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. “Os oceanos nunca estiveram tão quentes. O risco é muito grande, não tem mais volta. Essa frequência de eventos que já vem sendo observada, principalmente nos últimos dois anos, não volta atrás”, ele alerta. “Não dá para prever quando um evento extremo desses vai acontecer, nem onde, mas eles vão acontecer no mundo inteiro, no Brasil e, também, no Espírito Santo.”
Para o climatologista, as mudanças no clima indicam que em alguns lugares, como no sul do Brasil e no sul do Nordeste, as chuvas vão aumentar anualmente, mas em grande parte do país, como na Amazônia, no Cerrado, em grande parte do norte do Sudeste e no Nordeste, o clima vai ficar mais seco, com menos chuvas anuais. “Mas as secas intensas acontecem no mundo inteiro”, destaca.
Estado preparado
Diante de riscos de baixa disponibilidade hídrica apontados por especialistas, o diretor-presidente do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), Pablo Lira, acredita que o Espírito Santo está preparado. “A situação do estado é de controle da segurança hídrica. Não temos um problema de insegurança hídrica, mas um trabalho integrado que garante uma condição, digamos, controlada da segurança hídrica”, garante.
Lira cita medidas já adotadas que devem ser intensificadas, considerando os eventos climáticos extremos. Entre elas, destaca que o Espírito Santo foi protagonista na criação da Agência de Recursos Hídricos (Agerh), que tem ações integradas com a Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag).
Ele destaca também o Programa Reflorestar de recuperação da cobertura vegetal. “Quando você tem um investimento no reflorestamento, plantando árvores, acaba lá na frente colhendo água, melhorando o fluxo hídrico dos mananciais”, afirma o presidente do IJSN.
Lira acrescenta, ainda, medidas voltadas à recuperação de nascentes e melhorias de saneamento básico. “É necessário prevenir. Uma vez que você se encontra em uma situação de escassez, de estiagem prolongada, se não teve prevenção, fica mais difícil alcançar respostas para melhorar os índices e a característica da segurança hídrica”, comenta. Ele reforça que “o Espírito Santo vem dando bons exemplos, com essas políticas, para ter um ambiente mais favorável à segurança hídrica”.
*Matéria publicada originalmente na revista ES Brasil 222, de julho de 2024. Leia a edição completa especial do Anuário Verde aqui.