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terça-feira, 16 abril, 2024

Retomada Estratégica

Em meio às incertezas de Brasília, mercado financeiro busca se distanciar da política

*Por Luciene Araújo

“Nas favelas, no Senado, sujeira pra todo lado. Ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da nação”, dizem os versos iniciais da canção “Que País é Este?”, de 1978, antes mesmo de Renato Russo criar a banda Legião Urbana, em Brasília.

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Nesses quase 40 anos, muitos foram os fatos que mudaram o rumo da História. Mas a essência da música, uma das primeiras da chamada “linha politizada” do rock brasileiro, possui uma atualidade latente.

Qual será o próximo líder político preso? E o novo presidente? Que outro esquema será revelado? Teremos algum embargo comercial? A inflação vai se manter em queda? Quando, de fato, vamos ter o crescimento da economia? Tudo vai acabar em pizza novamente?

Nos últimos dois anos, a “descoberta” cada vez maior da corrupção e a amplitude de envolvimento dos “escolhidos” para representarem o povo em Brasília praticamente acabaram com qualquer expectativa positiva em relação à classe política.

Até a primeira quinzena de maio, os sinais iniciais de recuperação da economia vinham gerando, ao menos nos mais otimistas, um aumento na expectativa de que o Brasil seria capaz de sair da crise, ainda este ano. A desinflação e a queda nos juros impactaram de forma positiva o grau de confiança de empresários, mesmo do mercado internacional.

Mas as revelações da noite de 17 de maio, com a divulgação dos áudios envolvendo o presidente da República, Michel Temer (PMDB), em suposta aprovação da compra do silêncio do ex-presidente da Câmara, o deputado cassado e preso Eduardo Cunha (PMDB/RJ), poderiam ter desencadeado uma nova recessão.

A Bolsa de Valores abriu em queda aguda, chegando a acionar o circuit breaker, interrompendo as negociações, para evitar que o mercado se desintegrasse. A volatilidade alcançou o dólar, elevando a moeda. E, mesmo com o recuo da inflação, a baixa nos juros ficou aquém do desejado. Mas, depois do alvoroço inicial, os desdobramentos negativos foram absorvidos com um pouco mais de facilidade.

“No contexto atual, a profunda deterioração do cenário político convive ao lado de um descolamento cada vez mais perceptível do econômico, mostrando que no Brasil existem pequenas coisas mudando para melhor a cara do país”, destaca Clóvis Vieira, economista e sócio da Vieira & Rosenberg Consultores Associados.

“Claro que as mudanças não são tão rápidas, mas pelo menos o PIB sai do terreno negativo para algo como 0,7%, ao fim de 2017. À medida que se aproxima o fim do ano, há uma sensação generalizada de melhora, e a confiança volta a prevalecer, não no sentido de que iremos crescer a taxas de 10% ao ano, mas que, de uma forma lenta e gradual, iremos retomar o crescimento”, aponta Vieira.

Economia

Toda essa incerteza parece mesmo ter provocado um movimento de tentativa de distanciamento da política. “Não é que a economia real esteja conseguindo caminhar com as próprias pernas, independente da política. Isso não existe. Mas as notícias do front político não surtem mais picos de estresse no mercado financeiro”, aponta a economista-chefe da Reag Investimentos, Simone Pasianotto.

Para ilustrar esse entendimento, ela cita o recebimento, na Câmara dos Deputados, da denúncia de corrupção passiva contra Temer, encaminhada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pede que Temer perca o mandato e pague multa de R$ 10 milhões. “Um exemplo de fato que, em outro momento, poderia ter causado um desastre no mercado financeiro, que agora não reagiu bruscamente.”

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Amâncio Oliveira – professor da USP

Para a economista, há duas razões para isso. “Eu diria que 80% são em consequência das sistemáticas notícias negativas que temos recebido ao longo dos últimos dois anos; e 20% são resultantes da confiança na equipe econômica. Os investidores ainda confiam no Ilan (Ilan Goldfajn, presidente do BC) e no Meirelles (Henrique Meirelles, ministro da Fazenda).”

Segundo ela, para que a política possa impactar de forma significativa o mercado, somente se houver uma notícia muito bombástica, do nível da JBS, que não seja esperada por ninguém. O fator surpresa sim, é capaz de mexer muito com o mercado financeiro e também com a economia real.”

Estrategista-chefe da Eleven Financial Research, Adeodato Volpi Netto tem projeções ainda mais otimistas, seguindo os indicadores. O IPCA de abril abaixo do esperado resultou em uma inflação acumulada de 4,08%, nos últimos 12 meses, e o IGP-M de maio acumulou variação de 1,57%; o PIB cresceu 1,0% no primeiro trimestre, depois de oito trimestres de queda; e o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) reportou a criação de mais de 59 mil postos de empregos em abril. “Nesse contexto, estamos mantendo nossa projeção de crescimento econômico de 1,5% para 2017. Para a inflação, em razão do forte movimento de queda dos preços dos últimos meses, estamos atualizando nossa estimativa para 4,3% em 2017. Em relação à política monetária, mantemos nossa projeção de Selic em 8,75% para o final do ano. Quanto ao real, trabalhamos com uma taxa de câmbio de R$ 3,35/US$ para o final do ano.”

Netto reitera a importância, “hoje ainda mais evidente”, de Temer ter escolhido uma equipe econômica com inegável capacidade técnica e ter dado autonomia a ela para construir um projeto de longo prazo. “Quando Temer assumiu, tinha a maioria nas duas Casas. Hoje não mais. Essa deteriorização da estabilidade institucional abala, sim, o trabalho da equipe econômica, mas de forma alguma a credibilidade dela.”

Para ele, o momento exige uma avaliação cautelosa. “Em momentos de crise, seja institucional, seja econômica, a capacidade de compreender os principais movimentos e criar estratégias sólidas separa os investidores de sucesso dos que enfrentam traumas por decisões intempestivas. Michel Temer não tem saída. O Brasil tem.”

Eduardo Araújo, vice-presidente do Conselho Regional de Economia do Espírito Santo (Corecon-ES), enfatiza que, nesse ambiente incerto, com escassez de capital de giro, os empreendedores do setor produtivo “têm se desdobrado para garantir a sobrevivência das empresas”.

Segundo ele, o elevado estoque de reservas cambiais do país ajudou a conter a volatilidade do mercado financeiro. “A crise política tornou muito ruim o ambiente. Os investidores começaram a perceber que, além de prejuízos para o setor público, os escândalos de corrupção oferecem riscos para acionistas. Por exemplo, quem investiu recursos numa debênture da Odebrecht Transportes está com muitas dúvidas se conseguirá receber seu recurso de volta no futuro.”

Araújo diz que esse tipo de incerteza é prejudicial a toda a economia e que não se pode descartar por completo a possibilidade de um cenário pior novamente. “Muitos avaliam que a situação pode ficar ainda mais crítica, em caso de envolvimento de instituições financeiras nas delações.”

Em carta a seus clientes, a Eleven Financial resume o momento atual: “Não dá para esperar que o clima em Brasília acalme rapidamente ou que um cenário seja desenhado de forma suave (…) O sistema apodreceu. Os partidos, de forma geral, não são mais do que aglomerados de políticos de carreira lutando por seus próprios interesses, e neste momento, pela sobrevivência ou, em última análise, liberdade”.

Política

Após a divulgação da conversa entre o presidente Michel Temer e o empresário Joesley Batista, da JBS, em delação premiada, o cenário político nacional “despencou” mais uma vez. As divergências internas dos partidos aumentam a cada dia e enfraquecem a base de apoio ao governo.

O cenário desejado é o de estabilização política, que possibilite planejamento. “O que configuraria essa estabilidade política, basicamente, é saber quem governará até 2018. Trabalho na área internacional, e os investidores perguntam: quem vai ser o presidente em setembro, em outubro? Não posso assegurar quem será. E aí a possibilidade de trocas do ponto de vista de economia é muito grande. Podemos ter a entrada de um presidente com orientação muito distinta, o que preocupa os investidores. Soma-se a isso a necessidade de aprovar as reformas”, avalia o professor titular da Universidade de São Paulo e vice-diretor do Instituto de Relações Internacionais, Amâncio Oliveira.

Em meio ao caos político, além de interferências indevidas de um Poder em outro, já não tão raras, a população observa fatos de mesmo teor avaliados com pesos e medidas diferentes. “Em uma situação de crise política como a de hoje, essa competição por atuar como estabilizador do cenário tem sido muito ruim. E o Executivo, fragilizado demais, leva o Judiciário a se apresentar como garantidor da ordem. Esse é o grande problema”, aponta Oliveira.

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Simone Pasianotto – economista

Para chegar a essa estabilidade, há quem defenda que Temer permaneça no poder até outubro de 2018, e quem queira a saída dele da Presidência, por renúncia ou por impeachment. E esse segundo grupo ainda se divide entre quem considere mais propícia a eleição indireta do sucessor feita pelos parlamentares e quem prefira antecipar as eleições diretas, para que as urnas decidam o novo presidente.

Amâncio avalia como bom indicador de que o presidente ainda encontra forças para comandar o país até 2018 o fato de o relatório do senador Romero Jucá (PMDB/PE), favorável à proposta do governo, ter sido aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Antes disso, o relator Ricardo Ferraço (PMDB/ES) também conseguiu emplacar um relatório na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), mas não na Comissão de Assuntos Sociais.

O Palácio do Planalto entende ter os votos suficientes para passar a reforma no Senado, já aprovada no Plenário da Câmara dos Deputados. Mas essa segurança não se reflete em “calmaria”; ao contrário, o argumento de que o crescimento da taxa de emprego e a consequente retomada da economia não serão possíveis sem a “modernização das leis trabalhistas” tem sido repetido como um mantra pelos líderes do governo e pela base aliada.

Para José Luiz Niemeyer, cientista político e professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) do Rio de Janeiro, é impossível tratar de conjuntura, já que o cenário muda a cada dois dias. Ele indica cautela para não se buscarem medidas de curto prazo que não resolvam as situações política e econômica. “A discussão hoje é sobre como governar o país. Na minha perspectiva, está um pouco exagerada essa intenção de querer mudar o chefe do Executivo a todo momento, me parece complicado. Temos que pensar um pouco melhor. As denúncias são graves, bem substanciadas, mas vamos aguardar o processo legal, porque estaremos sempre buscando soluções de muito curto prazo, e não as que resolvem de maneira mais estrutural o país. Era fundamental, por exemplo, uma reforma política, mas feita com profundidade”, aponta Niemeyer.

Retomada Estratégica

Quanto à Lava Jato e seus desdobramentos, os analistas políticos defendem como fator positivo o amadurecimento político. “Já existem condenações pesadas e virão outras pela frente. A ideia de acabar em pizza é altamente improvável. Temos de modificar verdadeiramente a forma de contribuição de campanha, modificar mecanismos que são indutores dessa corrupção. E aí vem um longo debate pela frente. Mas podemos, sim, falar de amadurecimento político da população e também institucional. Nesse jogo, se há algo de bom, são essas duas coisas”, acredita Amâncio Oliveira.

Espirito Santo

Geração de emprego, aumento na produção industrial e melhoria no comércio varejista são indicadores que demonstram um crescimento econômico nos últimos meses. O que leva à avaliação positiva da economista-chefe da Rosenberg & Associados, Thaís Zara, que esteve em Vitória para a reunião trimestral do Grupo Permanente de Acompanhamento Empresarial do Estado do Espírito Santo (GPAEES). “Sabe-se da importância da austeridade fiscal, da queda dos juros e da inflação, mas ainda há otimismo no campo econômico, diante da percepção de descolamento da política econômica com a crise política.”

Para ela, a direção correta de política econômica pode auxiliar na recuperação do país, e as novas articulações dos empresários capixabas são importantes. “Há muitas dúvidas hoje quanto à capacidade do Governo Federal em conseguir liderar a aprovação das reformas. Vejo como sendo positivo o fato de alguns movimentos empresariais no Espírito Santo estarem se mobilizando, de forma independente, na busca de apoio parlamentar para aprovar projetos que visam ao equilíbrio das contas públicas e à melhoria do ambiente de negócios. É um exemplo de mobilização que serve de inspiração para todos”.

Os empresários locais confirmam essa melhoria. “O ano de 2016 foi difícil para todos. Por isso foi importante buscar novos mercados e expandir ainda mais as exportações, para entrar em 2017 com novas perspectivas”, afirma Carlos Peganini, diretor de Operações da Itapuã Calçados.

A rede Extrabom investiu R$ 27 milhões em novas lojas e encerrou 2016 com alta de 4,5% nas vendas. “Inauguramos uma loja na Serra e outra em Colatina e, sobretudo, mantivemos o controle sobre as finanças, permitindo um crescimento sustentável do negócio e a geração de empregos”, relata o gerente de Marketing da rede, Yuri Correia.

Fabrícia Vieira Moreira, diretora de Administração e Finanças da Bori Serviços Elétricos e Automação, avalia a necessidade de cautela. “A crise impactou bastante,
os serviços diminuíram muito e tivemos de enxugar os custos para sobreviver. Parece que as coisas estão querendo melhorar, mas temos que ficar atentos.”

Para o diretor da Car Line Motors, Carlyle Pimentel Martins, a insegurança é o principal fator de impacto nas vendas. “As pessoas estão muito inseguras, têm receio de fazer dívidas e de não conseguir honrar com os compromissos. Hoje, 90% dos carros que comercializamos são financiados, e dependemos muito da aprovação dos bancos e financeiras para efetivar as vendas”, destacou. Mesmo assim, houve melhoria: “Acredito que a liberação do FGTS ajudou nas vendas e nos financiamentos. Muitas pessoas garantiram a compra dos veículos”.

Comércio exterior

O aumento do preço de commodities no mercado internacional resultou no crescimento de 26% nas exportações e de 17% nas importações do Espírito Santo, no período comparativo entre janeiro e maio deste ano, com os resultados de igual período em 2016. Segundo dados do Sindicato do Comércio de Exportação e Importação do Espírito Santo (Sindiex), o minério de ferro e os produtos siderúrgicos, que representam metade da pauta exportadora do Estado, registram crescimento nas operações de 42% e 56%, respectivamente, no período analisado.

O petróleo também obteve significativa alta de 174% nas vendas e tem uma participação de, aproximadamente, 14% no total exportado pelo Espírito Santo.

As exportações de maio deste ano cresceram 21% em relação a igual período de 2017, totalizando US$ 681 milhões, o que representa, no acumulado do ano, um montante da ordem de US$ 2,6 bilhões.

De janeiro a maio deste ano, as importações tiveram alta de 17%, se comparado com mesmo intervalo de 2016, totalizando US$ 1,7 bilhão.

“Acredito que os empresários estão se conscientizando da necessidade de descolar os seus negócios da política e de políticos. A sociedade brasileira, os homens e as mulheres de negócios precisam assumir, cada vez mais, a liderança em nosso país”, defende o presidente do Sindiex, Marcilio Machado.

 A matéria acima é uma republicação da Revista ES Brasil. Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi escrita.

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