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quinta-feira, 25 abril, 2024

Responda rápido: Beethoven ou Molejo?

As ciências modernas trataram de criar modelos de pensamento baseados na hierarquização, serialidade, ordenamento, dicotomização e relações de causa e efeito

Por Cláudio Rabelo

Tudo certo. Talvez eu tenha ativado o seu modo “preconceito” do cérebro com a questão enunciada no título. Quem diz que é Beethoven talvez parta de uma lógica classista, rígida, metódica e meritocrática. E provavelmente também levou o trabalho, a métrica, o ritmo, a música ou o esforço intelectual criativo em consideração. Para aqueles que votaram no Molejo, talvez tenha sido evocado o pertencimento, a revolta, o sentimento de classe, o espírito de fora da lei, a popularidade e a brasilidade. Mas a minha intenção com a pergunta não se foca em uma resposta rápida, mas reflexiva: comparar “Zezé di Camargo” com “Mozart” é o mesmo que comparar feijão com estetoscópio.

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As ciências modernas trataram de criar modelos de pensamento baseados na hierarquização, serialidade, ordenamento, dicotomização e relações de causa e efeito. Mas a realidade é muito mais complexa do que isso. Música não deveria ser encerrada na ontologia do objeto, como uma única coisa, como algo que possa ser classificado em critérios de zero a dez. Procure a cena clássica de “Sociedade dos Poetas Mortos” para entender o que quero dizer.

Existem músicas fúnebres, algumas românticas e outras recheadas de humor. As infantis ativam os neurotransmissores responsáveis pela felicidade, curiosidade e a aprendizagem. Não será bem quisto aquele que tocar Vivaldi em um churrasco na turma da faculdade, assim como a conexão estética-corporal de um forró é impensável sob o som do rock´n roll ou punk rock, com suas cadências e letras focadas no discurso crítico e de revolta. A energia de uma roda de samba é unicamente catártica no imaginário coletivo daqueles que passaram a semana inteira entregando suas vidas ao trabalho. De forma parecida os tambores, atabaques, flautas, violinos ou pianos nutrem de energia as diferentes formas de conexão religiosas existentes.

Vinho não é melhor que café, tampouco o suco de laranja pode ser comparado com o chimarrão. Não podem ser, as bebidas, classificadas em hierarquias rígidas. O café é consumido em reuniões de negócios, ou como estimulante na madrugada para aqueles que precisam concluir suas teses de doutorado. O vinho amplia a experiência dos jantares românticos, assim como o Gatorade se propõe a repor a energia após os esportes. Mas não se tratam de funções rígidas, mas contextuais.

Com isso quero dizer que é besteira classificar uma música como melhor ou pior. E o mesmo vale para a culinária e até mesmo para as teorias ou perspectivas políticas. Seu candidato às eleições parece um Beethoven aos seus olhos, mas para os outros não passa de um chato arrogante, elitista e que atende a poucos, nascido para estragar a felicidade do evento. O outro candidato pode, por outro lado, parecer um Molejo cheio de felicidade, mas não deixa de ser apenas um clichê populista e sem talento.

Convido então para o exercício do pensamento complexo, na compreensão de que o cinema, a Netflix e a TV aberta são interfaces distintas, incomparáveis. O mesmo vale para o gato e o cachorro; o Kindle e o livro impresso; matemática ou a história; e até mesmo o amor. Ignorância comparar amor entre pais, filhos, cônjuges, amigos e animais de estimação. Linguisticamente, embora seja utilizado o mesmo paradigma, “amor”, para representar coisas distintas, esquecemos por vezes a complexidade da vida e dos sentidos. Em resumo, sugiro que pare de comparar, classificar e principalmente desclassificar algo que não gosta. Veja a potência que há em torno de cada coisa. E se não te servir, tudo bem. Seja feliz com suas escolhas e negocie a produção dos sentidos e estéticas de existência de forma respeitosa, empática, responsável e coletiva.

Cláudio Rabelo é professor da Ufes, TedX Speaker, pós-doutor em Estudos Culturais pela UFRJ e autor do Livro “Faixa preta em publicidade e propaganda”

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