Ação civil pública questiona veiculação de campanhas publicitárias sobre rompimento de barragens no ES e MG
Por Otávio Gomes*
A Fundação Renova, instituição mantida pelas empresas Vale, BHP Billiton e Samarco, foi condenada pela veiculação de material publicitário a respeito do rompimento das barragens de Fundão e Mariana, em Minas Gerais (MG). Ação ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DP/MG), Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo (DP/ES) e Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que atuam no caso Samarco, questiona informações veiculadas pela Fundação sobre o desastre ambiental protagonizado pela mineradora em 2015.
Ajuizada em 2021, a Ação Civil Pública (ACP) n.º 1023835-46.2021.4.01.3800 demonstrou que a Renova veiculou peças publicitárias com “informações imprecisas, dúbias, incompletas ou equivocadas” sobre o incidente e as ações de recuperação ambiental e econômica realizadas pela Samarco. A 4ª Vara Federal Cível e Agrária de Belo Horizonte, que julgou a ação, determinou multa de R$ 56.302.564,60 e veiculação de contrapropaganda pela empresa.
Entre 2018 e 2021, a fundação empregou R$ 28,1 milhões em publicidade, sendo 861 inserções em TVs e 756 em emissoras de rádio, além de divulgação em veículos impressos e portais on-line. As peças tratavam sobre a toxicidade dos rejeitos, qualidade do ambiente aquático, recuperação de nascentes e bioengenharia, recuperação econômica, indenização e reassentamento.
A decisão proferida pela Justiça destaca que “é evidente o desvio de finalidade da fundação que se prestou a uma campanha publicitária e de marketing para criação de uma narrativa fantasiosa a favor da própria fundação. A situação, além de demonstrar o desrespeito da Renova ao seu próprio estatuto, demonstra claramente uma falta de respeito em relação às vítimas e à sociedade brasileira”.
Após a análise, o o Juízo da 4ª Vara Federal Cível e Agrária de Belo Horizonte afirmou que “esta tentativa de controle da narrativa para criar uma campanha orquestrada de desinformação não é apenas imoral, como ilegal”, visando “minimizar, omitir e até contradizer a realidade dos fatos”.
‘Desvio de finalidade, autopromoção e má-fé’
Segundo o MPF, as peças publicitárias produzidas pela Renova ignoraram propositadamente estudos contratados pelo MPF que apontaram a contaminação por metais em tecido muscular de exemplares de pescado em toda a área atingida pelo desastre, assim como a existência de substâncias químicas que poderiam causar danos à saúde humana. Ao tratar sobre o pagamento de indenizações, municípios atingidos e reassentamento, a instituição alega que o número divulgado de indenizações pagas incluiu indevidamente valores pagos a título de auxílio financeiro
Já a peça publicitária sobre obras de infraestrutura e reassentamento, continua o MPF, omitiu a insatisfação, inadequação e ineficiência do programa de reassentamento das famílias de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira. Em 2021, a fundação somente havia construído cinco casas das 235 previstas, e ainda desobedecendo o último prazo para entrega das obras estabelecido pela Justiça, com apenas 1,7% das famílias reassentadas. A propaganda também não mostrava que, das 239 famílias envolvidas no reassentamento coletivo de Bento Rodrigues, 58 registravam insatisfação com o lote ou projeto, novos núcleos cedidos, inquilinos ou herdeiros, divergências de área, entre outros motivos.
O magistrado que julgou a ação também considerou que a entidade agiu de má-fé, “sem qualquer pudor ou autocrítica, ao defender teses em juízo baseadas em informações falsas”. A reclamação de dano coletivo foi considerado procedente, pois, diz a decisão, “o dano moral coletivo é evidente e decorre da ofensa aos direitos das vítimas do desastre e de toda sociedade”. A decisão ainda considera que as ações de publicidade da Renova minimizam o impacto da tragédia ao incorrer em “tentativa de romantizar a reparação”.
Por fim, a sentença afirma que “é fato inédito no contexto brasileiro que uma fundação assistencial sem fins lucrativos, de intuito reparatório e compensatório, tenha recursos desse montante para propaganda e promoção da imagem de suas mantenedoras. Mais absurdo é constatar que os recursos foram disponibilizados por suas mantenedoras apenas para veiculação de informações unilaterais, incompletas, descontextualizadas e sem a adequada perspectiva dos atingidos, que são a sua finalidade estatutária”.
Condenação
Na sentença, além de determinar que a entidade produza novas peças publicitárias sobre os mesmos assuntos tratados nas propagandas originais, mas corrigindo as inverdades, distorções e omissões, o magistrado também condenou a Renova ao pagamento de indenização por danos materiais e morais. A quantia a ser paga soma R$ 56.302.564,60, em valor a ser atualizado e corrigido monetariamente por ocasião de sua quitação. (Com informações do MPF-MG)
*Sob supervisão de Erik Oakes