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sexta-feira, 19 abril, 2024

Reforma da Previdência: o que pode mudar?

Debate sobre a proposta põe em campos opostos os que priorizam as contas públicas e os que consideram a mudança prejudicial para os trabalhadores

*Por Ana Lucia Ayub

A proposta da reforma da Previdência tem gerado polêmicas desde que foi apresentada pelo governo federal, em dezembro. De um lado, os que a consideram essencial para as contas públicas; de outro, os que a julgam prejudicial para os direitos dos trabalhadores. Diante da resistência de diversos setores nos últimos meses, o projeto original do Executivo acabou sendo alterado de forma a tentar facilitar sua aprovação no Congresso.
O texto vai ser analisado pela Câmara e pelo Senado e deve entrar em vigor ainda em 2017.

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Diante da crise política do governo Temer e das denúncias que foram apresentadas contra ele, o projeto está paralisado e teve o seu trâmite suspenso no Congresso Nacional. Mas, caso a análise do texto seja retomada, o texto aprovado até agora estabelece que a idade mínima para se aposentar será de 62 anos para as mulheres e de 65 anos para os homens. Mas, na prática, para receber 100% do valor, será preciso contribuir por 40 anos, mesmo que tenha atingido a faixa etária. O projeto original igualava 65 anos para ambos os gêneros. O mínimo de contribuição continua, no entanto, em 25 anos. Nesse caso, o profissional só receberia 70% do benefício.

Mas a idade não será estabelecida de imediato. Por enquanto, a mínima será de 53 anos para mulheres e aumentará progressivamente (um ano a cada biênio) até chegar aos 62 anos de idade em 2036. Para os homens, fica definida idade mínima de 55 anos no momento, com aumentos progressivos (também de um ano a cada dois) até chegar aos 65 em 2038.

As mudanças valem para trabalhadores de empresas privadas, servidores públicos federais e políticos. A reforma não inclui os militares, que têm e continuarão tendo regras próprias para a inatividade, cujas mudanças estarão definidas em projeto à parte. Os policiais federais e policiais legislativos federais terão idade mínima de 55 anos e regras de transição específicas. O estimado são 30 anos de contribuição, sendo 25 em atividade policial. Para mulheres, 25 anos de contribuição, sendo 20 em atividade policial. Os professores de instituições federais também terão normas de transição diferenciadas e poderão se aposentar com 60 anos de idade (homens e mulheres), com um tempo mínimo de contribuição de 25 anos.

Reforma da Previdência: o que pode mudar?
Marcos Lisboa, presidente do Instituto de Estudo e Pesquisa (Insper)

Pela proposta, a reforma só vai valer para os servidores públicos da União. Os estados e municípios terão seis meses para aprovar suas próprias leis previdenciárias, inclusive para os professores de suas redes de ensino. Se isso não for feito dentro do prazo, terão que se adaptar ao regramento nacional.

Quem já tiver tempo prestes a se aposentar pelas regras atuais não será prejudicado, mesmo que não tenha dado entrada nos papéis.

Rombo da Previdência: polêmicas

O principal argumento utilizado pelo governo federal sobre a necessidade de aprovar a reforma passa pela contenção dos gastos e pelo equilíbrio das contas públicas. De acordo com o Executivo, o déficit do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em 2016 foi de cerca de R$ 150 bilhões e deve passar dos R$ 180 bilhões em 2017. Se forem incluídos os regimes da União, dos estados e do INSS, o rombo em 2016 chega a R$ 316 bilhões, segundo dados do Ministério do Planejamento. Após as mudanças realizadas na proposta original do Planalto, o relator Arthur Maia afirmou que a economia com a reformulação das regras foi reavaliada em R$ 630 bilhões em 10 anos.

Apesar desses números, entidades e analistas têm argumentado que a situação não é tão preocupante, pois a Seguridade Social (que, além da Previdência, considera as receitas e despesas vinculadas às ações de saúde e assistência social) teria um superávit, e não um déficit. A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e representantes da sociedade civil e entidades de Direito Previdenciário, além de especialistas no tema, foram convidados a participar de audiências na Câmara dos Deputados para debater as mudanças promovidas pela reforma da Previdência.

Nesse contexto, alega a Anfip, não se justificaria uma reforma previdenciária tão dura, como a definida pela administração federal. “O governo analisa apenas a contribuição do trabalhador e da empresa. Há outras fontes de recursos, como a contribuição sobre a renda bruta das empresas (Cofins), a Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL) e parte da arrecadação de loterias”, comenta o presidente do Conselho Executivo da associação, Vilson Romero.

Reforma da Previdência: o que pode mudar?Os “céticos do déficit” não chegam a falar em superávit. O que eles defendem é que não se pode olhar isoladamente para as contas previdenciárias. O correto, dizem, é analisar o orçamento de toda a Seguridade Social – que engloba, além das aposentadorias e pensões, as áreas da saúde e da assistência social, conforme estabelecido na Constituição de 1988.

O saldo dessa contabilidade é positivo, ao menos por enquanto. Em 2015, a Seguridade Social teve um superávit de R$ 20 bilhões, pelas contas da economista Denise Lobato Gentil, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que apresentou uma tese de doutorado sobre o assunto, intitulada “A política fiscal e a falsa crise da Seguridade Social brasileira”. Ela também foi convidada a debater o tema na comissão especial que analisa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, no plenário da Câmara.

Reforma da Previdência: o que pode mudar?Denise afirma que, se a reforma tivesse relacionada ao ajuste fiscal, o governo tentaria aumentar as receitas da Seguridade Social. “Ao invés disso, busca comprimir os gastos. O governo poderia, por exemplo, abrir mão das renúncias fiscais em favor de empresas que não dão nada em contrapartida ou cobrar a dívida dos sonegadores da Previdência. Ou seja, a União não cobra das empresas sonegadoras e ainda entrega a elas a possibilidade de pagarem menos tributos legalmente. Então, é o próprio governo que provoca o déficit. Não é o aumento dos gastos”, observa.

Reforma da Previdência: o que pode mudar?
Denise Lobato Gentil, economista da UFRJ

O Executivo, naturalmente, discorda dessa análise. Um dos principais nós é o envelhecimento da população. O governo alega que hoje uma em cada 10 pessoas é idosa. Em 2060, uma em cada três será idosa. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ao longo dos anos, portanto, a Previdência vai contar com menos pessoas jovens para contribuir e sustentar os aposentados. Em artigo recente, o secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida Júnior, frisa que a reforma da Previdência é uma necessidade aritmética. “Sem ela, o gasto com aposentadorias e pensões, daqui a 10 anos, será R$ 113 bilhões maior que o atual – um montante superior a tudo que o governo federal gasta em saúde pública, por exemplo.”
E acrescenta: “Se nada for feito, o governo federal vai se transformar em mero pagador de aposentadorias e pensões”.

Mas, assim como o déficit da Previdência registra trajetória crescente, o superávit da Seguridade vem diminuindo. Em 2012, por exemplo, o saldo positivo beirava os R$ 80 bilhões, segundo Denise Gentil. Embora parte desse movimento se deva à piora do mercado de trabalho, que reduziu as contribuições previdenciárias e elevou gastos com o seguro-desemprego, especialistas veem na trajetória cadente um indicativo de que os problemas da Previdência e o envelhecimento da população cedo ou tarde levarão para o vermelho também os números hoje em “azul” da Seguridade.

O economista Marcos Lisboa, presidente do Instituto de Estudo e Pesquisa (Insper), que também debateu o tema na Câmara dos Deputados, salienta que o problema da Previdência brasileira não é o déficit atual nas contas, mas o crescimento da população idosa e a diminuição da população que trabalha.

“Nós vamos ter muitos aposentados para poucos jovens.A população em idade de trabalhar vai diminuir 6,7% até 2060. A população acima de 65 anos vai aumentar 262% no mesmo período. O total de pessoas com mais de 80 anos vai ser multiplicado por 10. Uma reforma da Previdência é sempre longa, e nós já estamos atrasados”, alerta.

 A matéria acima é uma republicação da Revista ES Brasil. Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi escrita.

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