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sexta-feira, 28 DE março DE 2025

O Tempo e a Muralha da China: lições para o Brasil

Falta ao Brasil uma visão de longo prazo e isso prejudica o progresso do país

Por André Gomyde 

Imagine o dia em que o Imperador disse ao pedreiro: Coloque o primeiro tijolo, porque daqui a mil anos haverá aqui um muro enorme, que protegerá a nossa nação. E o pedreiro, com uma fé inabalável, assenta o primeiro tijolo. Quase mil anos depois, lá estava a Muralha da China, pronta. Um monumento à perseverança, ao planejamento e ao entendimento de que grandes obras, sejam de pedra ou de ideias, exigem tempo e dedicação.

Agora, voltemos os olhos para o Brasil. Aqui, o que deveria ser um muro robusto de gestão e progresso frequentemente se parece mais com um amontoado de tijolos largados no chão. Planejamento? Há. Os famosos PPAs – Planos Plurianuais – são criados com pompa e circunstância, recheados de metas e promessas. Mas, como um romance começado e nunca terminado, eles ficam esquecidos nas gavetas dos gabinetes.

O problema não está na ausência de planos, mas na falta de respeito por eles. O pedreiro brasileiro até coloca o primeiro tijolo, mas o político, que deveria ser o mestre de obras, olha para o relógio, calcula quanto tempo resta para a próxima eleição e decide que a prioridade não é o muro, mas o palanque.

E assim seguimos, com estradas que começam e não terminam, escolas sem professores, hospitais que parecem mais uma sala de espera do que um lugar de cura. Enquanto isso, há dinheiro parado, recursos que poderiam transformar o cenário, mas que se perdem na burocracia, na procrastinação e, em alguns casos, na má-fé.

É curioso – e trágico – como a incompetência brasileira consegue ser criativa. Não é só o “não fazer”, mas o “fingir que está fazendo” que torna tudo ainda mais vergonhoso. Há uma palavra que poucos têm coragem de usar: vergonha. Ela deveria estar estampada no rosto de quem tem o poder e não age, de quem tem os recursos e não os usa, de quem vê a necessidade e finge não enxergar.

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Se o Imperador chinês dependesse desse tipo de gestão, a Muralha talvez fosse uma fileira de tijolos tortos, interrompida por buracos e coberta por mato. É duro admitir, mas falta ao Brasil uma visão de longo prazo, uma fé inabalável no tijolo inicial, na persistência que transforma um sonho em realidade.

O que aprendemos com a Muralha da China é que grandes obras não se fazem em um mandato, nem em dois. Elas exigem continuidade, compromisso e a capacidade de olhar para o futuro sem os olhos turvos pelas disputas do presente. No Brasil, nossos líderes precisam parar de pensar em seus próprios muros – aqueles que erguem para proteger seus interesses – e começar a pensar na muralha que deveria proteger e servir a todos nós.

Mas, por enquanto, seguimos assim, presos no ciclo do improviso, com o tijolo na mão e o muro ainda no papel. E o tempo, implacável como sempre, vai passando, enquanto nós ficamos aqui, imaginando como seria viver em um país que tivesse fé no primeiro tijolo.

André Gomyde é presidente do Instituto Brasileiro de Cidades Humanas, Inteligentes, Criativas e Sustentáveis e Mestre em Administração pela FCU, nos Estados Unidos. Instagram: @andre.gomyde

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