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quarta-feira, 24 abril, 2024

O novo capixaba

O novo capixabaTrês décadas depois de uma explosão migratória ocorrida principalmente devido ao ciclo industrial pelo qual passava o Estado, a população do Espírito Santo dá indícios de que começa a se estabilizar. No entanto, ainda chegam ao Estado mais pessoas do que saem. Baianos, mineiros, paulistas e fluminenses continuam acrescentando ritmos ao sotaque dos capixabas e fazendo com que o Estado seja a área de maior atração de migrantes no país.

Para o autor do estudo “A identidade capixaba em questão: uma análise Psicossocial”, Ademir Luiz Garcia, com o desenvolvimento político-econômico do Estado, articularam-se elementos que possibilitaram a criação de uma imagem que define o Espírito Santo, suas peculiaridades empreendedoras e sua população. Trata-se de uma identidade característica, que nos diferencia dos outros estados, principalmente dos vizinhos do Sudeste.

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“Este processo de constituição de identidades está em constante gestão, tanto dentro, quanto fora do Estado, numa associação de elementos, valorativos e também depreciativos, que nos definem como pertencentes a determinado grupo ou grupos sociais, nos caracterizando ou não como capixabas. Afinal, com o avanço do processo de globalização e todas as suas consequências transformadoras da realidade social, para ser capixaba não basta, apenas, nascer no Espírito Santo, faz-se necessário partilhar da vida cotidiana e dos sentidos locais”, explica Ademir no estudo.

E para auxiliar no fortalecimento da real identidade e da imagem do Estado, o Espírito Santo em Ação criou o Comitê Temático de Fortalecimento da Identidade Capixaba e Imagem do Estado. Com a proposta de promover o conhecimento do Espírito Santo no Brasil e no mundo, o comitê analisa ações que disseminem uma imagem positiva do Estado e enfatizem os atributos que caracterizam a identidade capixaba.

O coordenador do Comitê Temático, Américo Buaiz Filho, acredita que é natural o Espírito Santo agregar tantas pessoas de outros estados. “A motivação para a imigração é grande, porque o Espírito Santo tem se desenvolvido sistematicamente, acima da média nacional. É natural que, além do próprio crescimento vegetativo, agreguem-se mais pessoas ao Estado. Como o crescimento vegetativo do Espírito Santo se dá abaixo do crescimento econômico, então, o saldo de pessoas que nascem e morrem aqui não é suficiente para suprir a demanda gerada pela economia; tem que ter pessoas de fora para supri-la”, explica.

E a demanda da economia tem sido bastante considerável neste segundo ciclo industrial pelo qual passa o Espírito Santo. Os investimentos da Petrobras no norte e Vale, Samarco e Ferrous no sul requerem ainda mais gente para trabalhar nas novas plantas industriais ou nas ampliações que estão sendo realizadas. Daí o fato de virem para o Espírito Santo muitas pessoas nascidas principalmente nos estados vizinhos do Sudeste.

Imigrantes: 52,7 mil em 2009
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2004/2009 (PNAD 2004/2009), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, em 2009, o saldo líquido de pessoas que vieram para o Espírito Santo foi de 52.747 pessoas – 107.421 pessoas migraram para o Espírito Santo, enquanto 54.674 capixabas se mudaram para outros estados. O índice de eficácia migratória do Estado em 2009 foi de 0,33 – o maior do Brasil -, o que classifica o Espírito Santo como uma área de média absorção migratória. O segundo maior índice foi registrado no estado de Goiás, com 0,32, e o terceiro no Amapá, com 0,29.

Os dados da PNAD 2004/2009 indicam ainda que, no período entre 2004 e 2009, o ano em que os imigrantes representaram um maior percentual da população do Espírito Santo foi 2006, quando 20,09% da população era proveniente de outros estados – um total de 679 mil pessoas.

Novos habitantes
Atualmente, ainda de acordo com os dados da PNAD 2004/2009, a população capixaba é formada em 81% por pessoas que nasceram no Estado e 19% que vieram de outros locais. A maioria dos imigrantes brasileiros residente em terras capixabas veio, respectivamente, de Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo.

Segundo a diretora-presidente do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), Ana Paula Vescovi, os números da PNAD permitem a formação de hipóteses sobre o perfil da população, que serão confrontadas com o resultado do Censo, que deve ser divulgado ainda neste ano. Entretanto, de acordo com Ana Paula, os dados já foram mais expressivos. “O fluxo migratório tem reduzido desde o pico, que chegou a um saldo de 200 mil imigrantes na década de 80. Nos anos 90 e 2000 essa quantidade diminuiu”, explica.

Para ela, a questão etária pode ajudar a explicar o fenômeno, visto que a população envelheceu e que os jovens são quem tem o hábito de migrar mais. O estágio de desenvolvimento também tem um papel decisivo. “Na década de 50 cerca de 40% da população era urbana. Agora, são cerca de 80%. Quando falamos em urbanização, falamos também em industrialização. Na década de 60 e 70 o Espírito Santo se industrializou”, lembra.

Ana Paula também acredita que a migração se aproxime das taxas de natalidade e, aos poucos, alcance a estabilidade. “Talvez a natalidade já seja maior do que o crescimento causado pela migração. Acredito que o Espírito Santo atinja em 25 ou 30 anos a estabilidade populacional com 4 milhões ou 4,2 milhões de pessoas”, estima.

Mas essa nova onda de industrialização pode atrair ainda mais pessoas ao Espírito Santo? Sim, de acordo com a diretora-presidente do IJSN, mas em proporções menores. “A industrialização não ocorre só no Espírito Santo. Acredito que a migração será muito menor do que ocorreu nos anos 70 e 80”, justifica.

Outra novidade apontada pelos dados é que o perfil do imigrante mudou. Segundo a diretora-presidente do IJSN, há indícios de que a migração para o mercado de trabalho esteja atraindo mão de obra mais qualificada. Talvez até mais qualificada do que a dos nativos do Estado, o que não era observado há 30 anos.

Passado de migrantes
Se hoje os Estados vizinhos são os que enviam mais pessoas para o Espírito Santo, no passado foram os europeus que ajudaram a construir a identidade capixaba. A professora universitária e doutora em Ciências Sociais Maria Cristina Dadalto realizou uma pesquisa com o objetivo de constatar o peso da migração italiana no Espírito Santo.

Ela identificou que até meados do século XIX e início do século XX a migração era majoritariamente de italianos. Mas eles não foram os únicos a chegarem nessas terras. “Vieram imigrantes árabes e sírios, mas também vieram muitos brasileiros – mineiros, fluminenses e cearenses. E a partir dos anos 60 há um novo movimento migratório, este tendo principalmente migrantes japoneses e, sobretudo, mineiros e baianos”, afirma.

Maria Cristina ressalta que também não é possível pensar em Espírito Santo sem a contribuição dos negros, índios e portugueses. “São eles os personagens que iniciam o mosaico multiétnico que forma o Espírito Santo. Os demais imigrantes estrangeiros somente chegam em massa no século XIX”, diz.

Identidade capixaba
Para o coordenador do Comitê Temático de Fortalecimento da Identidade Capixaba e Imagem do Estado, do Espírito Santo em Ação, Américo Buaiz Filho, “o Estado ainda hoje é muito pouco conhecido pelos atributos que tem”. E acrescenta: “A característica do nosso povo, que teve uma forte influência de imigrantes de algumas nacionalidades, como italianos, alemães e libaneses, foi forjada em exemplos e em culturas bastante fortes, que fazem do nosso estado um privilegiado”, comenta.

Ainda segundo o coordenador do Comitê, esses imigrantes influenciaram no perfil atual dos capixabas. “Aqui, nós temos pessoas empreendedoras, criativas, que com facilidade se integraram ao mundo globalizado. Podemos definir o perfil do capixaba, que é fruto dessa miscigenação, como um perfil muito interessante, porque traduz tudo isso que é a sua própria origem”, defende.

Américo acredita que aqueles que atualmente migram para o Espírito Santo não são capazes de modificar a identidade já formada do capixaba. “Através dos nossos antepassados, foi construída essa estrutura caracterológica que define o capixaba. Mais recentemente, temos o caso do imigrante que se interessa pelo estado por conta das oportunidades que ele oferece e das necessidades que passou a ter. Esse imigrante já encontra no estado uma identidade formada, com a qual ele pode até contribuir, mas não é capaz de modificá-la profundamente”, explica.

Américo Buaiz Filho acredita que são diversas as motivações que trazem as pessoas para o estado. “O Espírito Santo é destino de migrantes por conta de muitas motivações. Uma delas é de pessoas que vieram para cá porque aqui há oportunidades e porque aqui conseguiram emprego. Há outros que vieram por conta de investimentos que suas empresas fizeram aqui. Também há vários outros que migram porque buscam uma melhor qualidade de vida. Dentro dessas estatísticas, há aposentados de vários outros estados que se mudam para cá para aproveitar um estado pequeno geograficamente, mas com uma boa qualidade de vida”, comenta.

Nova identidade capixaba: boa ou controversa?
O escritor e artista plástico Kléber Galvêas concorda que o Espírito Santo tem muitos aspectos positivos. Autor do livro “Demolindo a Identidade Capixaba”, Kléber acredita, porém, que o Espírito Santo está indo de encontro às suas verdadeiras vocações. “O Espírito Santo tem, por força de suas características, uma identidade que seria mais plausível para o desenvolvimento do terceiro setor. Então, essas siderúrgicas que estão sendo implantadas a cada 30 km do nosso litoral não deveriam estar acontecendo aqui, de modo a preservar a possibilidade de um desenvolvimento turístico, mais relacionado à nossa realidade, e também aproveitar a natureza do povo, que é receptivo. Ao invés de estar surgindo uma boa nova identidade, estamos demolindo as nossas características. Estamos demolindo a nossa identidade”, critica.

Kléber é contra a política de desenvolvimento do estado que vem sendo implementada nos últimos anos. “As indústrias que o mundo inteiro recusa hoje se instalam aqui. O capixaba está perdendo a sua identidade. Esses investimentos trazem muita gente para cá, e de repente. Um bom exemplo é a região de Terra Vermelha, criada há 20 anos e que tem 100 mil pessoas, agregado a uma comunidade de 400 anos”, afirma.

Grande parte dos capixabas ainda comemora a vinda de pessoas de outros estados para o Espírito Santo, que é um indicativo de que o estado está crescendo cada vez mais. Américo Buaiz Filho está entre elas. “Os motivos para os quais essas pessoas passam a residir no Espírito Santo são muitos, sejam de caráter estrutural ou circunstancial, profissional ou pessoal. O Estado é capaz de motivar muitas pessoas a se interessarem a vir para cá, se radicarem aqui e tem-se até um entendimento de que quem para cá vem daqui não quer sair. O Espírito Santo é um estado que cativa as pessoas. Várias delas vieram para cá motivadas por determinada situação, e não quiseram ir embora. É uma diversidade de motivos, e todos eles bastante positivos”, defende.

Mas, como acredita Kléber Galvêas, é necessário um planejamento no Espírito Santo, para que esses migrantes possam ser melhor recebidos pelos capixabas. “Estamos viciados em não nos preparar para as mudanças. É preciso conscientizar os nossos governantes da importância de receber essas pessoas bem, nos preparar para isso, sem causar transtornos para quem já está aqui”, defende o escritor.

“A vinda desses migrantes acaba modificando a identidade do capixaba, porque não estamos nos preparando para receber essas pessoas. Ainda não consolidamos a nossa identidade e estamos recebendo, de uma hora para outra, um fluxo muito grande de pessoas que esperam chegar aqui e serem bem recebidas. Não cuidamos de reforçar a nossa identidade, e esse fluxo migratório vai causar uma dissolução na identidade capixaba. Eu acho ótimo que essas pessoas venham. Mas nós ainda não temos nenhuma estrutura para absorvê-las. Não é a primeira vez que estamos vivendo essa experiência. São todos bem vindos, mas temos que nos preparar”, reitera Kléber.

O novo capixaba, fruto das tradições do Espírito Santo e das características dos migrantes que se instalam aqui, está desenhando, de fato, uma nova identidade para o povo capixaba. E esse povo tem grandes desafios pela frente, principalmente por conta do atual momento de desenvolvimento pelo qual passa o Estado. Além de capacitação profissional, o novo capixaba precisa ser capaz de se adaptar às mudanças por que o Estado passa e passará. E, se levarmos em conta toda a abundância de origens, características e culturas, podemos certamente deduzir que isso não será uma tarefa impossível para os capixabas.

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