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sábado, 20 abril, 2024

O mito dos BDRs de tecnologia

BDRs são companhias de alto crescimento, com marcas admiradas, histórico de sucesso, muitas delas bastante lucrativas, e cujas ações fizeram milionários no mundo todo

Por Bernardo Carneiro

Muito se fala sobre as ações de tecnologia norte-americanas, que batem recordes na bolsa a cada ano e expandem seus lucros e atividades em diversas áreas de atuação. Afinal, nunca se viu tamanha concentração de poder: juntas, Apple, Microsoft, Amazon, Facebook, Google e Tesla representam mais de 24% do índice S&P 500 e somam trilhões de dólares em valor de mercado.

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E no Brasil não é diferente. Mais da metade do volume negociado diariamente nos 735 BDRs listados está em apenas seis deles, todos de “tecnologia”: Mercado Livre, Tesla, Apple, Alibaba, Microsoft e Facebook.

São companhias de alto crescimento, com marcas admiradas, histórico de sucesso, muitas delas bastante lucrativas, e cujas ações fizeram milionários no mundo todo. Mas quais delas podemos realmente chamar de “ações de tecnologia”? O que define esse termo?

A verdade é que não se pode agrupar sob o mesmo termo empresas como Uber, Spotify, Apple, Facebook e Netflix. Algumas delas são companhia de tecnologia, entendidas como fornecedoras de produtos ou serviços de disruptura, com crescimento vertiginoso de receita, desafiando o status quo em seus segmentos e longe de dar lucros. São companhias cujo propósito é apenas um: crescer, crescer e crescer.

Para ganhar mercado, elas investem maciçamente o capital levantado com acionistas, cobrando abaixo da concorrência, incentivando fornecedores e gastando fortunas em marketing. Dessa forma, são negócios que demorarão a dar lucro, possuem balanço frágil e muitas vezes não geram caixa. Não possuem histórico comprovado de resultados e assim são investimentos de alto risco, tanto do ponto de vista operacional quanto de crédito.

O Uber e o Spotify estão nessa categoria, podem ser chamados de empresas de tecnologia. O Mercado Livre também. Mas a Apple e o Facebook, que integram a Carteira Recomendada de BDRs do BTG Pactual digital, não. Ambas são companhias que no Brasil seriam chamadas de value, ou valor: balanços incrivelmente fortes, pagadoras de dividendo ou compradoras de suas ações, altamente lucrativas e já bastante estabelecidas em seus nichos.

A Apple, só no último trimestre, gastou US$23 bilhões recomprando suas próprias ações. É uma companhia com US$72 bilhões de caixa líquido – o montante de caixa que excede o endividamento. O consenso de mercado projeta um retorno sobre o patrimônio, ou ROE, de 144% para este ano. E o seu P/L na bolsa, o indicador preço sobre lucro, é de 26 vezes para este ano, segundo a média das projeções de mercado. São todos indicadores típicos de uma companhia de bens de consumo, de produtos de marca, e não de uma companhia de tecnologia.

Em 2024 a Apple deverá começar a produzir o iCar, o seu veículo elétrico autônomo. A companhia inclusive já está negociando com companhias chinesas a construção de uma fábrica de baterias exclusiva dentro dos EUA. É bastante provável que em 2026 o automóvel da Apple, completamente integrado ao iPhone e ao iWatch, seja um dos produtos mais desejados e admirados do mundo.

E o caso do Facebook não é diferente. Praticamente toda a receita da companhia é proveniente de anúncios e merchandising. O Facebook é hoje o que as grandes redes de TV eram nos anos 90: um grande veículo disseminador de notícias e entretenimento que sobrevive com anúncios, seja da cafeteria da esquina, do post patrocinado da modelo ou dos anúncios das maiores fabricantes de veículos do planeta.

O Facebook tem US$52 bilhões de caixa a mais do que tem em dívidas e, nos últimos 12 meses, recomprou US$18 bilhões em ações no mercado. A companhia é um dos negócios mais lucrativos do mundo, com margem de lucro esperada para este ano de aproximadamente 35%. A ação negocia a apenas 22x o seu lucro projetado para o ano que vem, de acordo com o consenso de mercado. Neste 2021, o Facebook deverá gerar US$37 bilhões de fluxo de caixa ao acionista.

Todos esses dados são típicos de companhias maduras, estabelecidas, de alta reputação de marca e de baixo risco operacional e de crédito. Empresas de tecnologia têm outro perfil, outros indicadores, geradores de receita ainda em fase de teste e ameaças muito mais sérias aos seus negócios. E mais, dependem de recursos externos para financiarem seus projetos – emissões de ações (os chamados “follow-ons”) ou tomadas de empréstimos.

Portanto, quando alguém lhe falar sobre as grandes companhias de tecnologia, lembre-se de que o termo é muito genérico, vago, e que algumas delas já se transformaram em poderosas máquinas de ganhar dinheiro nos setores de bens de consumo e mídia, como são o caso da Apple e do Facebook.

Bernardo Carneiro, CFA, é analista de BDRs e ações internacionais do BTG Pactual digital.

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