Superquadras e Cidades de 15 Minutos estão entre as soluções para melhorar os deslocamentos
Por Daniel Hirschmann
Na busca de soluções por uma mobilidade urbana sustentável, alguns modelos estão ganhando destaque em todo o mundo. O primeiro é o das Superquadras de Barcelona, na Espanha; o outro, o da Cidade de 15 Minutos, criado em Paris, na França. “Esses são dois modelos de urbanismo e de planejamento urbano que resultam diretamente em uma melhor mobilidade urbana sustentável”, explica o doutor em Engenharia de Transportes pela Universidad Politécnica de Cataluña (UPC), Emílio Merino Dominguez. Segundo ele, diversas cidades da América Latina já começaram o debate em torno desses modelos, “para a sua vinculação entre a parte urbanística e a parte de transporte e de mobilidade urbana”.
As “Supermanzanas”, ou Superquadras, foram desenvolvidas pela Agência de Ecologia Urbana de Barcelona (BCNecologia). São “células urbanas” de 400 metros por 400 metros, que funcionam como bairros de cerca de nove quarteirões, formando um polígono (área interna) com ruas fechadas para carros e transporte público. O trânsito desses veículos ocorre só na parte externa e as superquadras são utilizadas para comércio, serviços, pedestres e ciclistas.
“Barcelona está sendo transformada com estas Superquadras, que estão tirando grande parte do fluxo de trânsito do centro para fora, com um perímetro interno para valorizar o pedestre e os espaços públicos. É uma melhor vivência das pessoas no seu espaço público”, comenta Dominguez, que é natural do Peru, mas mora há 25 anos em Porto Alegre e é conselheiro do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul (CAU-RS).
Ele defende que o Brasil também realize um “debate forte” sobre esse tipo de opção. “É algo que a gente tem que começar a ver até que ponto é possível. Até que ponto é só por bairro que podemos fazer, ou para toda a cidade?”, incentiva.

Tudo logo ali
Já a Cidade de 15 Minutos – idealizada pelo pesquisador franco-colombiano e professor da Universidade Paris 1 – Panthéon Sorbonne, Carlos Moreno – busca diminuir os tempos de deslocamentos e o uso de carros, promovendo localidades inclusivas, dinâmicas e sustentáveis. A ideia é que se tenha moradia, trabalho, lazer, comércio, áreas verdes e serviços disponíveis a uma distância que pode ser percorrida em até um quarto de hora, a pé ou pedalando.
“Não necessariamente tem que ter 15 minutos. Pode ter Cidade de 45 minutos”, salienta Emilio Domiguez. O importante é que não seja necessário “viajar uma hora e meia, como em São Paulo, ou perder duas horas de viagem entre a residência e os postos de trabalho”. Ele destaca que esse modelo, ao contrário das Superquadras, ainda não foi implantado, mas está sendo debatido em congressos do setor e que “São Paulo já está olhando para ele”.


Serviços ao usuário
Outro modelo que ganha força é conhecido como Mobility as a Service (MaaS), ou Mobilidade como Serviço, já implementado em Goiânia e outras cidades brasileiras. Ele se baseia na integração entre os modos de transporte de uma determinada área, sejam eles públicos ou privados, individuais ou coletivos.
Com um aplicativo de celular, o passageiro pode compor o itinerário multimodal mais favorável, conforme suas necessidades e condições. “É um grande servidor, que vai prestar seu serviço de acordo com sua demanda. Isso muda muito como vai ser a oferta do serviço de transporte coletivo”, explica Domiguez.
Esse modelo permite a reserva e o pagamento de tarifas de forma única, com benefícios aos usuários rotineiros, como pagamentos semanais ou mensais. Também é possível acumular créditos para serem usados em outros modos ou serviços, como lojas de conveniência. O objetivo é atrair usuários ao transporte coletivo e reduzir o uso do transporte individual.

Estratégia para bicicletas
Além dos debates sobre essas soluções, o Brasil já conta, desde maio de 2023, com uma Estratégia Nacional de Promoção da Mobilidade por Bicicleta (Enabici), uma iniciativa da União de Ciclistas do Brasil (UCB) com outras organizações. A Enabici aponta ações para transformar a realidade da mobilidade por bicicleta no país, garantindo mais segurança e conforto aos ciclistas. “A Enabici tem um objetivo de que, até 2030, 25% de todos os deslocamentos feitos no país sejam realizados de bicicleta”, destaca o pesquisador e consultor em mobilidade urbana sustentável Yuriê Baptista César, que é coordenador da Enabici.
A estratégia tem cinco eixos temáticos. O primeiro abrange a legislação e fala do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), plano diretor, planos urbanos e de como inserir a bicicleta no contexto intersetorial do governo. “A bicicleta não precisa ser objeto somente de uma Secretaria de Transportes, de uma Secretaria de Esportes, de Turismo ou de Lazer, mas precisa ser incorporada na saúde, na educação, no esporte, no lazer, em várias áreas em que ela tem a contribuir, porque é uma ferramenta com uma potencialidade gigantesca para promover transformações sociais”, afirma Baptista César.
Mais bicicletas e menos automóveis
A Enabici também aborda infraestrutura viária, ciclovias e bicicletários, integração com transporte coletivo, aluguel e sistemas compartilhados, entre outras questões de infraestrutura urbana e planejamento das cidades. Outro foco é no potencial da bicicleta como geradora de renda, incluindo cicloturismo, logística urbana, entregas com bicicleta e serviços realizados com a própria bicicleta.
“Tem ali o afiador de faca, o feirante que leva produtos na bicicleta e várias outras questões”, cita o coordenador.
O eixo seguinte trabalha a educação, para a inserção da bicicleta em escolas e cursos superiores, até a formação de condutores, para que “o motorista de fato seja educado para respeitar os ciclistas”.
Já no eixo do orçamento e financiamento, o que se discute é que existe dinheiro disponível, mas ele precisa ser melhor aplicado. “A gente está falando de todo esse sistema que alimenta o automóvel, que faz novas vias, novos viadutos, novos alargamentos de vias e coisas afins, e esse dinheiro poderia ser investido na infraestrutura da bicicleta, para valorizar e potencializar o seu uso”, afirma.
Baptista César reforça que é preciso desestimular o uso do automóvel e elevar o status da bicicleta na mobilidade urbana. “É uma solução que combate mudanças climáticas, que contribui para combater desigualdades e tudo mais”, finaliza o pesquisador.
*Matéria publicada originalmente na revista ES Brasil 217, de outubro de 2023. Leia a edição completa de Mobilidade Urbana aqui.