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sexta-feira, 29 março, 2024

Mundo sem Deus

A transcendência revela alternativas à exaustão da imanência

Por Sidemberg Rodrigues

Quando eu atuava como executivo, o filósofo holandês Karel van den Bergen me questionou sobre a dimensão “espiritual” no modelo de sustentabilidade que usávamos, pois na versão original esta se chamava “interacional”. Ele não entendia a mudança. Mas depois de explicar-lhe que aquela dimensão representava o sujeito individualmente, suas peculiaridades e angústias, seus valores, ética, compaixão e autoconhecimento para se evoluir no senso moral – a alma de cada um – ele se apaixonou pela ideia.

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Disse que sua pergunta era movida pela curiosidade, vez que ele achava que o maior erro da filosofia era ter abandonado a transcendência no exercício do pensamento filosófico, limitado à imanência. Isso impediu reflexões continuamente mais profundas e amplas. Além disso, retirando-se os ideais do espírito das perspectivas, sem a busca de um sentido mais pleno para a vida, algo deveria ter sido posto no lugar; mas não foi. E um grande vazio se instalou. Lacuna que nenhuma satisfação parece preencher. Fatos atuais confirmam que sem considerar a transcendência, patina-se na qualidade de vida. A natureza deixa de ser cultuada como algo divino que é e daí advêm desrespeito e desequilíbrios.

A desvalorização do sagrado tem trazido infelicidade. Que nunca se confunda espiritualidade com religiosidade, mas crenças e práticas religiosas, quando legítimas, também favorecem a estabilidade espiritual e a paz. Os mesmos países que fecham templos por falta de público estão entre os que encabeçam os rankings de depressão, drogas e suicídio.

O afastamento da sacralidade da vida tem feito mães ignorarem a tortura dos filhos em troca de alpinismo social. Fora as carnificinas em que pais matam os próprios filhos; falta de diálogo, além de feminicídios, estupros e outros crimes domésticos. Nem nas escolas as crianças estão a salvo da desordem espiritual dos que se perderam da razão ou da ternura visceral. Parece faltar Deus em tudo. Ele é o amor incondicional em todas as suas formas de manifestação. Países em guerras insanas por poder e territórios; psicopatas em posições de estadistas. Política imersa em corrupção, lucro massacrando vidas e justiça cínica tanto quanto política.

Refugiados são os novos êxodos; populações de rua reafirmam a dura face da exclusão e o velho desequilíbrio econômico nutrindo farta assimetria social. Colocar Deus nesse imbróglio é no mínimo injusto, pois a causa disso é humana. Mas a imanência depara-se com a beira de um abismo. E cá no meio de tanto egoísmo racional; tanto “cancelamento” e nenhum perdão, uma dose de transcendência e altruísmo talvez inspirasse o resgate das raízes emocionais da responsabilidade, para que novos horizontes se revelem.

Com propósitos coletivos e de maior amplitude, a empatia pode ser a lição primeira e o precedente para a revolução positiva que as coisas genuínas do espírito oferecem. Se as dimensões da vida interagirem a contento, na utópica busca do equilíbrio, aí sim, ter-se-á no planeta a melhor tradução de sustentabilidade: Deus.

Sidemberg Rodrigues é membro da Academia Brasileira de Direitos Humanos, professor e palestrante.

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