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terça-feira, 23 abril, 2024

Moda: uma indústria forte e de agregação de valor

Moda: uma indústria forte e de agregação de valorUm setor que somente em 2011 deve movimentar cerca de R$ 11 bilhões no Espírito Santo tem sido responsável por uma parcela importante dos empregos gerados de norte a sul do Estado. A indústria do vestuário, que compreende a produção de roupas, calçados, acessórios e tecidos, engloba cerca de 1.300 empresas em solo capixaba, de acordo com dados da Secretaria de Desenvolvimento do Espírito Santo (Sedes), e é destaque em municípios como Colatina, no noroeste do Estado, e Vila Velha.

Segundo informações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), na Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2009, as empresas capixabas do setor de vestuário geram algo em torno de 17 mil empregos diretos, além dos indiretos. Se forem levados em conta os prestadores de serviços para essa indústria, o número de empregos gerados chega a 30 mil. Outra característica do setor é a sua composição: a indústria do vestuário no Espírito Santo é constituída, predominantemente, por micro e pequenas empresas, que geram uma receita anual de aproximadamente R$ 500 milhões, de acordo com a Pesquisa Industrial Anual (PIA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2008.

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Para o presidente da Câmara Setorial da Indústria do Vestuário da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), Paulo Vieira, o sucesso do setor no Estado pode ser justificado pela tradição. “A tradição acabou criando uma cultura industrial no Estado. Isso não acontece de um dia para o outro. Com o tempo, ocorreu a consolidação do setor, mas há a necessidade de empresas que puxam esse desenvolvimento. Em todo processo de criação de um polo, sempre há empresas líderes e, depois, outras empresas vêm seguindo. Isso aconteceu no Espírito Santo”, explica.

Ao mesmo tempo, a facilidade de se abrir uma indústria de confecções fez com que o setor se expandisse por todo o Estado. “O investimento para montar pequenas fábricas é muito baixo, e isso favorece bastante o surgimento dessas empresas. Praticamente todo o Espírito Santo está bem propício ao desenvolvimento da indústria do vestuário”, afirma.

Ao mesmo tempo, o baixo custo de investimento inicial ajuda no desenvolvimento do setor, de acordo com a presidente do Sindicato da Indústria de Alfaiataria e Confecções de Roupas em Geral (Sinconfec), Clara Orlandi. “A indústria de confecção é uma das mais baratas para instalação, em comparação a outras indústrias. O maquinário para abrir uma microindústria, com dez máquinas, é de cerca de R$ 30 mil, e é infinitamente menor do que se compararmos com outros segmentos”, explica.

Apesar do baixo custo, essas indústrias geram muito emprego. “É uma indústria de custo de instalação baixo, mas com um papel social muito importante. Muitas donas de casa migram para a indústria e passam a ajudar na renda familiar. Esse quadro está mudando, porque hoje há uma exigência maior de formação de mão de obra”, lembra Clara.

Desafios
A concorrência internacional hoje é um dos principais desafios enfrentados pela indústria de vestuário, tanto em âmbito nacional, quanto local. “A concorrência no mercado internacional afeta todos os estados brasileiros. Vivemos uma economia globalizada e temos produtos importados entrando com muita facilidade no Brasil, em uma situação cambial totalmente favorável à importação. Os produtos conseguem entrar com um preço muito forte, e nós temos que trabalhar com diferencial no mercado”, explica Paulo Vieira.

Outro desafio para as indústrias capixabas é o que Paulo chama de “Custo Brasil”. “Temos uma infraesturura deficiente de estradas e portos, enfrentamos muita burocracia em nosso país, além do custo administrativo altíssimo, impostos em cascata e carga tributária altíssima. Todos são grandes empecilhos para o crescimento da indústria do vestuário. Além disso tudo, é difícil conseguir crédito no Brasil, pois os juros são extremamente elevados. Hoje financiar clientes é um negócio absurdo”, critica.

Por isso, buscando aumentar a competitividade da indústria brasileira frente ao mercado internacional, o Governo Federal lançou o “Plano Brasil Maior” que, entre outras medidas, propõe desonerações na folha de pagamentos da indústria de confecções e calçados. “Nossa indústria é refém das altas taxas de juros e câmbio sobrevalorizadas. No setor do vestuário, mudanças são positivas. O governo enfim está enxergando um setor que emprega mais de 1,5 milhão de trabalhadores no Brasil”, afirma Paulo Vieira.

Segundo ele, entretanto, as mudanças econômicas decorrentes das desonerações propostas serão pouco significativas para o setor, já que a grande maioria das indústrias é de micro e pequenas empresas, e se encaixa no Simples Nacional. “Mas existem outros benefícios, como o aumento de recursos para inovação e desoneração das exportações, entre outros, que são interessantes”, destaca.

Produção capixaba
A produção capixaba de confecções está concentrada em dois grandes polos: um na Região Noroeste, com destaque para o município de Colatina, e o outro na Região Metropolitana, onde o destaque é Vila Velha. Além disso, há diversas outras indústrias de confecções espalhadas pelo Estado, desde Linhares até Cachoeiro de Itapemirim.

Paulo Vieira diferencia os polos de Colatina e Vila Velha. “A principal diferença é o estilo de produto. Por Vila Velha ser uma cidade litorânea, lá se fabrica bastante moda praia, roupas mais leves, roupas de malha e lingerie. Já no noroeste, criou-se a tradição de trabalhar muito o jeanswear”, esclarece.

Com sua empresa instalada em Vila Velha, o empresário Lucas Izoton, da marca jovem Cobra D’água, há 23 anos produz peças de surfwear. “Nossa marca, apesar de ter um foco voltado para jovens, também atua com o público-alvo juvenil e adulto. Hoje, temos cerca de 12 mil pontos de venda no Brasil. Na nossa fábrica em Vila Velha, que é uma das 13 licenciadas da marca, geramos cerca de 200 empregos diretos e 500 indiretos”, explica Izoton.

Já o empresário Marcos Guerra escolheu o noroeste capixaba para instalar o Grupo Guermar, quando o polo de Colatina estava se formando, 33 anos atrás. Guerra conta que hoje, além de produzir peças para três marcas (entre elas a Presidium), o grupo também presta serviços para outras empresas do setor de vestuário. “Na década de 70, a confecção começou a se instalar muito fortemente em Colatina, e nosso grupo foi um dos precursores nesse contexto”, lembra Guerra. Hoje, o grupo Guermar produz cerca de 80 mil peças por mês e gera 480 empregos diretos, além de terceirizar 40% da sua produção.

No norte do Estado, o município de Linhares também tem aumentado sua produção de confecções. “Linhares tem hoje em torno de 60 empresas bem desenvolvidas. Mesmo que a cidade tenha muita necessidade de mão de obra em outros setores, são indústrias pesadas, e o chão de fábrica é quase todo de homens. Por isso, sobra mão de obra feminina. Hoje, 85% da mão de obra na indústria de confecções é feminina. A indústria do vestuário ajuda a compor um quadro de renda familiar muito boa, e Linhares fica privilegiada numa situação dessas”, declara Paulo Vieira.

O presidente do Sindicato da Indústria do Vestuário de Linhares (Sinvel), Atílio Guidini, contextualiza o setor na região. “Além de Linhares, são destaque na produção de vestuário na região os municípios de Rio Bananal, São Mateus e Nova Venécia. As 98 empresas instaladas nessas cidades no norte do estado geram aproximadamente 1.600 empregos diretos, com carteira assinada, e têm um faturamento mensal estimado em R$ 12 milhões. Além disso, são, em sua maioria, micro e pequenas empresas, que produzem suas marcas e também atendem a grandes magazines”, define.

Outro município em que a produção de confecções deve se desenvolver é Cachoeiro de Itapemirim. “Cachoeiro teve uma indústria de calçados muito forte, e tem tudo para se desenvolver”, acrescenta Paulo. De acordo com ele, o Estado se adequou às necessidades das indústrias, que investiram em tecnologia. “Hoje temos fábricas muito bem montadas no Espírito Santo. Mas, se compararmos com o mercado internacional, o Brasil todo está defasado significativamente em relação à tecnologia. As indústrias do Espírito Santo seguem esse mesmo padrão, mas não são tão defasadas assim. Temos nos estado instalações muito bem organizadas. Outra realidade das indústrias no Estado é que elas oferecem condições sociais muito boas, e a grande maioria dos empregos é com carteira assinada”, afirma.

Região Noroeste
O presidente da Câmara Setorial do Vestuário, Paulo Vieira, elenca os motivos pelos quais a região noroeste se destaca na fabricação de confecções. “A região noroeste se desenvolveu muito por conta da mão de obra qualificada e de mais oportunidade para as pessoas. Quase todos os municípios dessa região têm fábricas hoje”, esclarece. Atualmente, as 12 cidades que fazem parte da região do polo produzem cerca dois milhões de peças por mês, o que equivale a um valor movimentado de R$ 720 milhões por ano. Das 620 indústrias existentes na região, 402 delas estão instaladas em Colatina.

O presidente do Sindicato das Indústrias do Vestuário de Colatina (Sinvesco), Edvaldo Vieira, acredita que a indústria de vestuário de Colatina e região ainda tem que avançar muito na distribuição. “Temos que avançar muito no canal de distribuição, principalmente da pronta-entrega. Estamos procurando vencer esse desafio através do Shopping Moda Brasil, que foi inaugurado em setembro, e é o primeiro shopping atacadista de moda do Espírito Santo. Outros canais estão bem evoluídos e, inclusive, temos empresas que realizam vendas pela internet para lojistas”, afirma. Também tem sido um desafio a questão da infraestrutura urbana na região. “É preciso melhorar um pouco as vias de acesso e a disponibilidade dos hotéis”, acrescenta.

Fora os desafios, a região oferece produtos de excelente qualidade, garante Edvaldo. “O polo de Colatina é maduro, com mais de 40 anos de existência, e muito consolidado. Sempre trabalhamos com uma vertente de produtos com grande valor agregado. Desde o princípio, esse polo é qualificado em questão de mão de obra”, declara.

Têxtil
A cadeia da produção de confecções capixaba começa na importação dos tecidos. “Os tecidos, em sua grande maioria, vêm de outros estados brasileiros ou de outros países. A nossa indústria têxtil é quase insignificante”, explica Paulo Vieira.

A presidente do Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem, Estamparia e Beneficiamento de Fibras Artificiais e Sintéticas e do Vestuário (Sindutex), Mariluce Polido, explica que realmente existem poucas fábricas têxteis no Estado. “A produção têxtil capixaba está concentrada na Serra, quando se fala em tecelagem e tinturaria, e em Ibiraçu, em relação à fiação. Além disso, existe também uma fábrica de meias no município de Bom Jesus do Norte e uma fábrica de cinta para cargas pesadas no município de Colatina”, diz.

O setor movimenta aproximadamente 800 toneladas de tecidos de malharia (viscose, algodão e algodão com elastano), destinados à moda feminina e roupa íntima. Mas a pequena quantidade de indústrias acaba atrapalhando o desenvolvimento do setor têxtil no Estado. “Enfrentamos problemas como a falta de mão de obra qualificada, pois não existem outras indústrias deste segmento no Estado que poderiam fomentar a capacitação de pessoas. Outra dificuldade é a oscilação nos preços dos insumos e a concorrência com os produtos importados, que têm ganhado cada dia mais espaço, chegando em alguns casos a ocupar 40% das compras dos principais magazines e rede de lojas”, lamenta Mariluce. Hoje, quase toda a produção é destinada à exportação. “Vendemos quase 100% da produção para outros Estados, tendo como principal destino o Estado de São Paulo”, acrescenta.

Calçados
Atualmente, o setor de calçados emprega 2.500 pessoas diretamente no Estado e gera 1.500 empregos indiretos. A produção é de 30 mil pares por dia, sendo 11 mil deles produzidos na região de Cachoeiro do Itapemirim. Boa parte desses calçados destina-se ao mercado interno, mas o setor também exporta seus produtos. “As exportações das indústrias capixabas estão subindo a cada ano. No último trimestre, as exportações tiveram um acréscimo de 22%, foi ótimo”, comemora o presidente do Sindicato da Indústria de Calçados do Espírito Santo (Sindicalçados-ES), Altamir Martins.

Assim como outras indústrias do vestuário, o setor calçadista é bastante afetado pela situação desfavorável no mercado externo. “As pequenas indústrias estão sofrendo muito com a concorrência das grandes fábricas, que estão no mercado doméstico por conta da falta de exportação. Hoje, nosso maior desafio é enfrentar os prazos e preços, já que os fabricantes que antes exportavam agora estão no mercado nacional, competindo com preços mais acessíveis e grandes prazos”, garante.

Desenvolvimento de produtos e design
O principal fator de competitividade e agregação de valor na cadeia têxtil e de confecções é a diferenciação do produto. Quando aliada à produção com baixo custo e à capacidade de inovação, ela pode ampliar a competitividade das empresas. O curto tempo de vida das linhas de produtos exige que as empresas adquiram tecnologia de informação, permitindo acesso dinâmico às informações de mercado para uma rápida adaptação de suas linhas de produtos às tendências de mercado.

Por isso, a customização de produtos passou a ser adotada como estratégia por empresas que não possuem capacidade para competir com os preços e volumes praticados pelas empresas asiáticas. Essa estratégia é considerada mais dispendiosa, pois exige o uso de novas tecnologias e, consequentemente, maior rapidez no desenvolvimento de produtos, além de maior agilidade e flexibilidade no processo produtivo.

Mas essa diferenciação traz vantagens para as indústrias capixabas. “Toda a indústria brasileira tem que fazer produtos procurando nichos de mercado, pois existem alguns em que nós não somos competitivos. Por isso, é necessário que se faça uma moda mais rápida, mais passageira e a customização, que são coisas difíceis de serem copiadas. Lançar moda muito rápida e procurar a diferenciação são os caminhos a se seguir. As commodities têm pouca chance no mercado”, explica Paulo Vieira.

“A tendência é lançar várias minicoleções durante o ano. Existem indústrias que lançam até seis coleções anuais. Hoje, no mínimo, se trabalha com quatro coleções. Só as indústrias que têm marcas e lançam coleções é que se destacam no mercado. A chave de sucesso dessas coleções é a rapidez de lançamento e a rapidez dessa coleção”, esclarece Paulo Vieira.

Por causa da customização, o conceito de indústria criativa tem sido bastante relacionado à produção de confecções. “Moda tem tudo a ver com indústria criativa. Mesmo sem entenderem bastante o conceito, as pessoas, intuitivamente, já sabem que para a sua sobrevivência no mercado têm que trabalhar dentro do conceito de indústria criativa. A indústria do vestuário tem muito a ver com a indústria criativa. A indústria criativa, a sustentabilidade e a inovação são conceitos que têm que andar juntos, desde o projeto até a sua execução”, afirma.

A busca constante pela diferenciação dos produtos mostra que a indústria de confecções capixaba está se adequando muito bem às necessidades do mercado e sabe lidar com a constante ameaça da concorrência internacional. Esse perfil inovador, aliado às políticas públicas de fomento à indústria, pode fazer com que o setor alcance ainda mais mercados, mostrando para o Brasil e o mundo o que o Espírito Santo pode fazer de bom, aliando tradição e modernidade.

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