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terça-feira, 23 abril, 2024

Meia década de crise

Meia década de crise

Impactos nas finanças e na economia mundial completam cinco anos – e não há previsão de quando devem terminar

* Por Nadia Baptista

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Cinco anos atrás, a quebra do tradicional banco norte-americano Lehman Brothers despertou no mercado financeiro incertezas sobre o que estaria por vir na economia mundial. Eternizado pelo pedido de falência do banco de investimentos, que possuía carteiras repletas de títulos de hipotecas de alto risco, o dia 15 de setembro de 2008 é tido como marco inicial de uma crise que abalaria as economias tradicionais, impactando fortemente, também, os países em desenvolvimento. Desde a crise de 1929, não havia sido registrado nada parecido em Wall Street e nos demais grandes centros financeiros.

Para entender como teve origem essa crise, segundo o economista Arlindo Villaschi, é preciso compreender a dinâmica do mercado financeiro. “Sempre houve uma equivalência entre o que chamamos de mundo da produção com o mundo financeiro. A partir da chamada ‘crise do petróleo’, na década de 1970, tivemos um descolamento entre esses mundos. Com o excedente gerado pelo aumento do preço do petróleo, os produtores procuraram mecanismos que fizessem esse dinheiro circular. Foi criado, então, um sistema de financeirização mundializada, ou seja, independente de onde você estivesse, teria recursos financeiros para aplicar em diferentes projetos. Essa financeirização se acelerou muito com a modernização tecnológica das telecomunicações. As finanças passaram a ter uma velocidade própria”, destaca.

Villaschi lembra que, desde então, sucederam-se diversas crises, centradas nos países em desenvolvimento. “A crise de 2008 possui uma característica distinta, porque deixou de ocorrer no chamado mundo não-industrializado e ocorreu no coração dos países desenvolvidos. As crises são um problema de expectativas não preenchidas, gerado pela descolamento entre o mundo da produção e o mundo das finanças. Paralelamente a isso, criou-se um arcabouço político que garantisse essa especulação. Isso gerou a desregulamentação do sistema financeiro, que passou a atuar fora do controle de autoridades nacionais”, esclarece o economista.

O também economista Orlando Caliman acredita que a quebra do Lehman Brothers carrega o simbolismo mais nítido da crise, que já vinha se instalando desde 2007, quando vieram à tona os problemas com os financiamentos imobiliários nos Estados Unidos. “Os investidores em ativos imobiliários não estavam conseguindo honrar seus compromissos de dívidas. Alguns bancos norte-americanos, entre eles o Lehman, alavancaram tremendamente as suas operações, expondo-se a riscos. Havia um mercado enorme de títulos do tipo subprime, que se caracterizavam como hipotecas de segunda categoria, a maioria sem garantia de retorno. Esses títulos acabaram sendo negociados em mercados de derivativos, ganhando inclusive o mundo. O simples fato de alguém deixar de pagar as parcelas da hipoteca original deflagraria uma sequência de comprometimentos para os bancos. A questão é a quantidade de pessoas que acabaram não conseguindo honrar seus compromissos cresceu exponencialmente. E o desastre aconteceu”, elucida.

Arlindo Villaschi concorda que a crise já era prevista. “A crise desencadeada em 2008 já estava desenhada há muito tempo. Isso porque sabia-se que a bolha imobiliária, em algum momento, ia murchar. Quando isso aconteceu, existia uma grande ausência de informação. Não se sabia quem e quanto devia. Houve aí a necessidade de intervenção governamental”, relembra.

De acordo com Orlando Caliman, os elementos deflagradores da crise já estavam presentes até antes mesmo de 2007, porém não foram detectados. “O boom econômico que vinha acontecendo inebriava, de certa forma, os agentes econômicos, levando-os cada vez mais a situações que fugiam à normalidade. Fabricava-se riquezas sob a forma fictícia através de negociação de títulos em mercados de derivativos. Nesse aspecto a riqueza fictícia descolou-se fortemente da economia real. Vivia-se num mundo de riquezas de fantasia. E esse mundo de fantasia que acontecia na esfera financeira alimentava também um consumo que ia além do mundo real, situação que era reforçada pelo acesso fácil ao crédito ao também crédito facilitado, muitas vezes sem a devida preocupação em relação à capacidade de honrá-lo”, esclarece Orlando.

Com o estouro da bolha o circuito financeiro foi travado, indo além do comprometimento da parcela da riqueza que flutuava – riqueza fictícia -, e afetando também o circuito produtivo através do bloqueio do crédito. Foi assim que a crise financeira se transformou em crise econômica, chegando às ruas, às fábricas e ao comércio, e sendo sentida por toda a população. “O Lehman pode ser caracterizado como o marco divisório da crise, um acontecimento que alertou os países sobre a gravidade da situação. Foi a partir daí que os bancos centrais, em especial o americano e em seguida o europeu, iniciaram um trabalho forte de recuperação da confiança, injetando liquidez para que a economia global não caísse num precipício”, recorda Caliman.

Mesmo afetando a maior economia do planeta, a crise não poderia ser considerada mundial se não se expandisse também para outros países. Essa expansão se concretizou com um importante episódio que aconteceu na Europa. Lá, os ajustes para combater os efeitos imediatos da crise de liquidez em 2008 acabaram provocando um endividamento ainda maior das administrações públicas e também dos bancos. Paralelo a isso, a reação de retorno do crescimento foi bastante retardada – e até hoje ainda não vem acontecendo – o que somou ao endividamento uma baixa capacidade de pagamento. Como consequência, veio a necessidade de socorro a países como Grécia, Portugal, Irlanda e Itália. “Na verdade, essa situação pode ser caracterizada como de rescaldos da crise, mas que acaba também retardando a estabilidade do sistema econômico global”, acredita Orlando Caliman.

Retração do desenvolvimento

Tanto Estados Unidos quanto Europa presenciaram, a partir desse contexto de crise, um forte recuo do consumo. Orlando Caliman lembra que os gastos com consumo no pico do boom da economia americana, em 2006, por exemplo, chegaram a representar em torno de 72% do PIB, bem acima da média histórica de equilíbrio de 65%. Esse recuo se deu principalmente por conta da redução do crédito, mas também pelo aumento do desemprego. “Naturalmente, a queda no consumo acaba afetando a produção e os investimentos privados. Cai a demanda efetiva geral e a economia perde dinamismo. A reação nos Estados Unidos se deu por conta de liquidez alta e baixa taxa de juro assistidos por programas de incentivos a setores estratégicos da economia. No caso da Europa o caminho foi parecido, só que lá o alto endividamento público acabou limitando a capacidade de acionamento da demanda efetiva a partir de ações de governo”, afirma o economista.

A diminuição do consumo por norte-americanos e europeus não demorou a impactar a economia dos países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, que inicialmente sofreu os efeitos do trancamento do crédito internacional. Entretanto, o que de fato abalou a economia brasileira foi a queda da demanda global, principalmente por commodities – setor em que o Brasil, até então, navegava em “águas tranquilas”. “A crise desarrumou a economia brasileira, com o maior impacto especialmente em 2009. A saída aconteceu tendo como base o crédito que por sua vez fez ativar o consumo e na sequência a produção. Ou seja, o Brasil voltou-se para dentro, ativando o seu mercado interno. O problema é que a liquidez internacional – que fez entrar mais dólares no país – acabou afetando o câmbio, fazendo-o cair e facilitando importações e de certa forma inibindo reações da indústria nacional. O que podemos dizer é que o Brasil ainda não conseguiu encontrar um novo caminho de crescimento em consequência da crise”, alerta Orlando Caliman.

Para Arlindo Villaschi, porém, as consequências da crise no Brasil são poucas, se comparadas aos impactos sofridos por europeus e norte-americanos, por exemplo. “Se compararmos a situação brasileira com o cenário mundial, a crise aqui realmente não se abateu. Para comprovar isso, basta acompanhar estatísticas de emprego e rumores industriais de expectativas de desenvolvimento. Sentimos os impactos de uma redução no crescimento do produto interno bruto (PIB), mas o Brasil ainda tem absorvido os impactos dessa crise. Felizmente, não vemos o desemprego crescer, as empresas continuam investindo, mesmo que num ritmo menor, e as pessoas continuam consumindo, porque agregou-se novos contingentes populacionais para o consumo”, afirma o economista.

Caliman acredita que as consequências da crise ainda persistem, principalmente porque a economia mundial encontra dificuldades em retomar ao seu trajeto de normalidade. “Estamos ainda em pleno processo de ajustes, e sem definição clara de quando efetivamente estaremos fora do alcance das consequências da crise. Podemos perceber através da redução do comércio internacional, especialmente nas exportações de algumas commodities, como as metálicas”, explica.

Futuro incerto

Essa redução afeta particularmente o Espírito Santo, Estado cuja economia sempre apresentou alta sensibilidade ao que acontece na economia internacional. “Temos uma estrutura produtiva fortemente ligada à produção de produtos exportáveis, predominantemente de commodities e mais fortemente sujeitos às intempéries externas. Foi por carregar essa característica que o PIB caiu 6,7 % em 2009 e ainda vem se mantendo frágil, à exceção de 2010, quando o PIB chegou a crescer 13,8%, por conta do retorno rápido das commodities. Muito provavelmente teremos um crescimento muito baixo nos anos de 2011 e 2012, até abaixo da média nacional. Também, a indústria de transformação, tanto capixaba quanto nacional, vem apresentando desempenho abaixo do esperado. E a explicação para isso está de um lado na própria redução do crescimento da demanda interna e também pela perda de competitividade em relação ao exterior”, esclarece Orlando Caliman.

O economista acredita que não é possível prever uma data para o fim desta crise internacional. “A crise não acabou e não sabemos quando acabará ou mesmo se teremos outra daqui a dez ou 20 anos. Estamos em pleno processo de ajustes. Isso é um aprendizado. Aprendemos, por exemplo com a maior crise do capitalismo que aconteceu nos anos 1930. Esse aprendizado nos ajudou a tratar a atual. Podemos dizer que já passamos pelo seu pior momento. Mesmo assim vamos ter turbulências como tivemos no ano passado e continuou neste anos, no caso da crise europeia. Mas, de uma coisa podemos estar certos: teremos um crescimento mais lento daqui para a frente”, comenta Caliman.

Villaschi, por sua vez, é otimista e enxerga sinais que podem ser indicativos de um término para a crise. “Os Estados Unidos já começaram a sair da crise. A China, que teve seu crescimento econômico desacelerado por conta da queda da demanda nos mercados desenvolvidos, está mudando a forma como busca crescer, ampliando o mercado interno. O Brasil hoje ainda não tem um problema crucial da questão do emprego, então isso é um ponto positivo. Gostaríamos que a China continuasse a crescer, para que aumentasse novamente a demanda por nossas commodities. Porém, devemos também aproveitar esses momentos para pensar outro modelo de desenvolvimento, voltado a fortalecer as competências do parque industrial brasileiro, e ao mesmo tempo criar outras competências, aumentando a produtividade e a competitividade, de modo a não só vender lá fora, mas também vender no mercado interno brasileiro”, defende.

Porém, Arlindo alerta: enquanto não houver um processo mais intenso de regulamentação das transações financeiras, estaremos sempre sujeitos às crises. “Elas vão mudar de local e de setor, mas vão continuar existindo”.

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