A combinação entre tecnologia e parceria institucional qualificada é chave para promover justiça fiscal e aumentar receitas de forma sustentável
Por Eduardo Araújo e Marcos Bragatto
Se a reforma tributária desafia os municípios a reverem seus modelos de arrecadação, a resposta não pode ser apenas lamentar perdas esperadas. É preciso agir. A nova realidade federativa exige inovação fiscal, com foco na ampliação da base arrecadatória, no uso inteligente dos instrumentos urbanos e na exploração de fontes alternativas de financiamento. A boa notícia é que soluções eficazes já estão sendo implementadas por municípios de diferentes portes e podem ser adaptadas à realidade local com criatividade e cooperação institucional.
Um dos caminhos mais promissores – e frequentemente negligenciado – é o da atualização cadastral. A experiência de Chapecó (SC) mostra como o uso de geotecnologias pode revelar um universo de inconsistências nos registros imobiliários. O mapeamento realizado por lá identificou alterações em 28 mil imóveis que não estavam registradas nos cadastros municipais, o que permitiu ampliar significativamente a base do IPTU sem aumentar alíquotas. No Espírito Santo, prefeituras podem estabelecer parcerias com a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), que oferece serviços técnicos de georreferenciamento e recadastramento com qualidade acadêmica e custos reduzidos. A combinação entre tecnologia e parceria institucional qualificada é chave para promover justiça fiscal e aumentar receitas de forma sustentável.
Outra frente estratégica é a melhoria do ambiente de negócios. A perda de eficácia dos incentivos fiscais obriga os municípios a se diferenciarem por sua capacidade de oferecer condições estruturais favoráveis ao investimento privado. Fatores como agilidade nos licenciamentos, infraestrutura de qualidade, mão de obra qualificada e estabilidade normativa passaram a ser mais determinantes do que benefícios tributários.
A experiência de Aracruz, com políticas integradas de apoio ao empreendedorismo e participação ativa no programa Cidade Empreendedora, evidencia o potencial dessa abordagem. Municípios com limitações territoriais, como Vitória, podem se inspirar em modelos internacionais – como o de Seul, que investiu em infraestrutura digital e zonas de inovação para atrair negócios de alto valor agregado e baixo impacto espacial.
Fontes não convencionais de receita também começam a ganhar protagonismo. Em São Paulo, a outorga onerosa do direito de construir permite à prefeitura arrecadar recursos adicionais ao autorizar edificações acima dos limites padrão de aproveitamento do solo. A previsão é de R$ 3 bilhões arrecadados com este instrumento, destinados a investimentos em infraestrutura urbana.


No Pará, a negociação de créditos de carbono no mercado internacional rendeu quase R$ 1 bilhão, abrindo uma nova fronteira para municípios com áreas de preservação ou projetos de restauração ambiental. Com a regulamentação recente do mercado de carbono, estima-se um potencial de R$ 35 bilhões até 2027. Mesmo municípios menores podem estruturar projetos com apoio técnico e buscar sua inserção neste mercado em crescimento.
Por fim, não se pode negligenciar as transferências intergovernamentais e as operações de crédito. As chamadas “emendas Pix”, por sua previsibilidade e agilidade, passaram a representar uma fonte expressiva de recursos. No entanto, seu acesso bem-sucedido depende de capacidade técnica para elaborar planos de trabalho consistentes e cumprir as exigências legais.
Municípios que estruturam núcleos de captação de recursos têm obtido resultados significativamente superiores. Já as operações de crédito com organismos internacionais, como BID e Banco Mundial, oferecem condições diferenciadas, desde que direcionadas a projetos que ampliem a capacidade fiscal futura, e não para despesas correntes.
No próximo artigo da série, analisaremos o outro lado da equação: como otimizar os gastos públicos e estruturar uma gestão fiscal verdadeiramente eficiente, capaz de garantir serviços de qualidade com responsabilidade e visão de longo prazo.
Eduardo Araújo é economista, consultor do Tesouro Estadual e mestre em políticas públicas pela Universidade de Oxford
Marcos Bragatto é economista, especialista em gestão de finanças públicas, ex-secretário de finanças de Vitória e ex-secretário de ações e estratégias de Aracruz