Assim como ocorre nas favelas, a densidade populacional elevada da cidade resulta em uma infraestrutura sobrecarregada
Por André Gomyde
A verticalização urbana na orla de Balneário Camboriú é uma cópia do crescimento desordenado que ocorre também nas favelas brasileiras. No entanto, em vez de uma ocupação precária, trata-se de uma “favelização de ricos”, onde o luxo aparente esconde uma urbanização caótica. Assim como as favelas surgem sem planejamento, com moradias empilhadas em áreas de risco e sem infraestrutura adequada, os prédios altíssimos de Balneário Camboriú crescem à beira-mar sem consideração pelos impactos sociais, ambientais e urbanos.
Um dos aspectos mais alarmantes dessa ocupação é a sombra permanente projetada sobre a praia, privando a população do sol a partir do meio da tarde. Esse efeito destrói o principal atrativo da cidade – o lazer à beira-mar –, além de comprometer o turismo e a qualidade de vida de todos os frequentadores. A praia, que deveria ser um espaço democrático e acessível a todos, está se tornando uma área “privatizada”, dominada pelos moradores dos arranha-céus e os interesses imobiliários. Com a construção desses edifícios luxuosos, a praia não só perde o sol, mas também a sua natureza aberta, excluindo parte da sociedade do seu acesso.
Assim como ocorre nas favelas, onde o crescimento não acompanha as necessidades de saneamento básico, transporte e outros serviços públicos, em Balneário Camboriú a densidade populacional elevada resulta em infraestrutura sobrecarregada. O trânsito se torna caótico, as redes de esgoto não suportam o aumento de moradores e turistas, e a cidade, que deveria ser acolhedora, vira um labirinto de concreto.
O paralelo com as favelas brasileiras não para aí: ambos os cenários revelam a incapacidade de um planejamento urbano eficiente que considere a cidade como um todo. No caso de Balneário Camboriú, a especulação imobiliária promove um crescimento desordenado, no qual o interesse privado sobrepõe-se ao bem coletivo. O que está em jogo não é apenas a ocupação do solo, mas a privatização do espaço público, onde os “novos ricos” tomam conta da praia e as camadas mais amplas da sociedade são relegadas a assistir de longe.
Essa lógica de concentração de riqueza e exclusão não é sustentável. Cidades que valorizam a qualidade de vida e o equilíbrio entre natureza e urbanização adotam outro tipo de abordagem. Exemplos ao redor do mundo mostram que a construção de edifícios altos deve ser feita de maneira planejada, com os arranha-céus localizados mais afastados da orla e a altura dos prédios diminuindo à medida que se aproximam da praia.
Em cidades como Barcelona, na Espanha, ou Miami, nos Estados Unidos, a legislação urbana busca limitar a altura das construções nas áreas mais próximas ao mar, preservando o acesso ao sol e à paisagem natural. Em Barcelona, a região costeira foi revitalizada com espaços públicos amplos e edifícios que respeitam a escala da praia, permitindo que todos desfrutem da área. Já em Miami, a orla é caracterizada por parques e avenidas largas, com construções altas posicionadas mais ao fundo, evitando o bloqueio da luz solar e o acesso ao mar.
Esses exemplos mostram que é possível desenvolver cidades que crescem verticalmente sem sacrificar o bem-estar coletivo ou o meio ambiente. Balneário Camboriú pode seguir esse caminho se houver uma mudança no planejamento urbano, priorizando a sociedade como um todo. A solução está em reverter a privatização implícita da praia, promovendo um desenvolvimento equilibrado e acessível.
De nada adianta erguer arranha-céus de luxo se o resultado é uma cidade sombria, congestionada e excludente. O verdadeiro valor de uma cidade está em como ela integra seus espaços públicos e naturais ao bem-estar de todos os seus cidadãos, e não apenas no lucro imediato da especulação imobiliária.
André Gomyde é presidente do Instituto Brasileiro de Cidades Humanas, Inteligentes, Criativas e Sustentáveis e mestre em administração pela FCU-EUA