23.8 C
Vitória
sexta-feira, 19 abril, 2024

A face oculta das cores

Por Victor Mazzei

O meu fracasso cromático começou pela manhã. Minha casa estava em reforma e eu desejava pintar todas as paredes de branco. Imaginava que assim poderia criar histórias e imagens ao contemplar suas faces alvas. Quando estava indo para a loja de material de construção, fui alertado pelo responsável pela obra lá em casa:

- Continua após a publicidade -
  • Chefia, branco gelo, tá.

Aham, nem dei ouvidos. Chegando à loja pedi 3 galões de 18 litros de tinta branca. Logo fui interpelado pelo vendedor:

  • Mas qual branco? Neve, gelo, cristal, inspiração, sopro do pólen?

O QUÊ? Ué, branco é branco. Não é não? Respirei fundo para manter a mente equilibrada e lembrei de que fui avisado sobre algum tipo de branco Polo Norte; algo meio sorvete, frio.

  • Pode ser esse gelo, neve, Sibéria… manda ver.

Precavido, o vendedor explicou:

  • Senhor, há muita diferença entre o branco gelo e neve. A propósito, o branco Sibéria ainda não existe, mas se o senhor preferir podemos combinar alguns tons de branco e criar esse produto com exclusividade para sua residência.
  • Amigo, qual o branco mais branco que você tem?
  • Então, senhor, atualmente os fabricantes de tintas dispõem de um moderno equipamento que combina as cores de uma forma incrível, resultando em soluções bárbaras. O que o senhor sonhar em termos de cor nós podemos tornar real.

O papo começava a ficar meio irritante..

  • Beleza, então pede para essa máquina me dar aí o branco branco. Se não tiver, tenta branco fantasma, branco farinha de rosca, branco bunda de neném, branco de susto.

Educadamente, o vendedor se esquivou:

  • He he he, vejo que o senhor é muito espirituoso. E criativo também. No entanto, lamento informar que não dispomos desses tons. O senhor quer ver nosso mostruário?
  • Me dá logo essa joça. – já injuriado com a situação.

Realmente, eram quase 1000 cores, muitas bem semelhantes, diga-se de passagem, e com nomes bem curiosos: azul sulfúrico, verde egípcio, lilás nupcial… Folheei o catálogo e encontrei as alternativas que me atenderiam.

  • Pode ser uma desses 3.
  • Mas senhor, há muita diferença entre esses 3 tons de branco. Olhe bem.

Impaciente, respondi:

  • Pra mim, é tudo igual. Ao invés de me ajudar, você só cria dúvidas.
  • Mas, senhor, pense no seu ambiente. Pense na satisfação de sua esposa ao ver sua casa com a cor dos sonhos, pense nos móveis, na combinação, no feng shui…

Senti que ele jogou baixo. Contrariar a mulher, nem pensar. Decidi encarar aquele problema com mais carinho. Pedi então um tempo para analisar os 3 tons de branco para decidir qual compraria.

Não sei se foi o efeito alucinógeno de ficar olhando fixamente para aqueles 3 quadradinhos brancos durante horas, mas comecei a perceber diferenças, sim. Estavam saindo bolinhas e cavalos marinhos de dentro das opções. Comecei a gostar da sensação.

Após muito tempo olhando cada centímetro branco, sentindo a textura do mostruário, visualizando como seria a minha casa com cada tom de branco ali exposto, enfim, tomei a decisão definitiva e, certamente, a mais adequada. Chamei novamente o vendedor:

  • Decidi!
  • Enfim, qual o tom de branco o senhor vai levar?

Senti que dentro da loja as atenções se voltaram para mim. Eu era o cara naquele momento, o CR7 da decoração. Enchi o pulmão, fiz pose de vitorioso e disse assertivamente ao vendedor e a quem mais quisesse ouvir:

  • Por gentileza, me traga o branco que for mais barato.

Victor Mazzei, é publicitário, escritor, professor universitário, mestre em História e doutor em EducaçÃo física (UFES).

Mais Artigos

RÁDIO ES BRASIL

Continua após publicidade

Fique por dentro

ECONOMIA

Vida Capixaba