Vitória do republicano à Presidência dos Estados Unidos pode ampliar mercado para as exportações capixabas no cenário de competição tarifária para prejudicar economia chinesa, mas há pontos que pedem cautela, alertam especialistas
Por Kikina Sessa
O retorno de Donald Trump à Casa Branca, em janeiro de 2025, pode favorecer o comércio exterior com o Brasil e, principalmente, com o Espírito Santo, que tem a América do Norte como principal destino das exportações capixabas, como rochas, celulose, ferro, aço e minérios.
“Sem dúvida, com a vitória do Trump, a indústria brasileira passa a ter um potencial ainda maior de fornecimento para os Estados Unidos. Primeiro, porque já sabemos que existe um interesse do novo presidente em sobretarifar vários produtos chineses; segundo, que os Estados Unidos já vêm intensificando a iniciativa de Nearshoring, ou seja, transferir operações ou fornecimento para países próximos ou relativamente próximos da América do Norte”, comenta Fábio Cruz, vice-presidente do Centrorochas.
Exemplo disso é que no primeiro governo Trump (2017-2021), as tarifas sobre motores, geradores, transformadores elétricos e componentes chineses subiram 25%. O efeito desse aumento tarifário fez com que a dependência da China nas importações para o país americano caísse, beneficiando países como México, Alemanha e Brasil. Como retaliação, a China também aumentou as tarifas a importações dos EUA.
Já Luiz Carlos Bastianello, presidente da Cooabriel, cooperativa de cafeicultores, é mais cauteloso. “Na minha visão, ainda seria prematuro fazer avaliações, considerando que pode haver variações entre o discurso de campanha e as medidas adotadas durante a gestão. Acredito que o governo de Donald Trump deve priorizar o que tem dentro de casa, a produção interna. Isso é natural em qualquer país que deseja fortalecer sua economia doméstica, especialmente considerando a visão empreendedora do presidente eleito. No entanto, em muitos setores, o país não é autossuficiente, devendo haver um equilíbrio em relação a importações. No caso específico das exportações do café capixaba, acredito que devem continuar fluindo normalmente, mantendo-se o bom relacionamento atual”.
Tarifas
O economista Eduardo Araújo avalia que esse cenário traz nuances importantes. “A reeleição de Trump e a potencial intensificação de tarifas sobre produtos chineses podem, à primeira vista, beneficiar alguns setores do comércio exterior capixaba. Historicamente, medidas protecionistas americanas que penalizam a China abriram espaço para países alternativos suprirem essa demanda. O Brasil, sendo um grande exportador de commodities e produtos semiacabados como o aço, pode se beneficiar marginalmente, se conseguir preencher lacunas deixadas pela China em certos segmentos”.
No entanto, há pontos de cautela, alerta o economista. As tarifas de Trump no passado foram amplamente indiscriminadas, afetando inclusive produtos brasileiros, como o aço e o alumínio. Caso isso se repita, setores estratégicos para o Espírito Santo, como o siderúrgico, podem enfrentar novos entraves. Além disso, a volatilidade cambial, com um possível fortalecimento do dólar e desvalorização do real, pode beneficiar exportadores locais, mas ao custo de pressões inflacionárias internas.
“Resumindo, embora possa haver oportunidades pontuais para o Espírito Santo em setores que competem com a China, o impacto líquido dependerá de como a nova administração Trump calibrará suas políticas comerciais. Diversificação de mercados e competitividade local continuarão sendo elementos essenciais para mitigar esses riscos”, conclui o economista.
Exportações
Balanço das exportações capixabas em setembro de 2024 mostra a importância do mercado americano para o Espírito Santo. Os Estados Unidos mantiveram-se na liderança dos destinos das exportações capixabas, com 27,26% do valor total, sendo o principal destino a puxar o crescimento entre agosto e setembro de 2024, com +5,49 p.p. de contribuição relativa. Países Baixos (Holanda), ficaram na segunda posição, com 7,21% do valor e +4,43 p.p. de contribuição relativa, seguido pela Argentina, com 5,89% de participação no valor e +4,11 p.p. de contribuição relativa. Por fim, na quarta posição, a China respondeu por 5,04% do valor e +3,92 p.p. de contribuição relativa.
Rochas ornamentais trabalhadas (25,58%), celulose (21,42%), produtos semimanufaturados de ferro ou aço não ligado (18,98%) e minérios de ferro e seus concentrados (13,91%) foram os principais produtos exportados para os Estados Unidos, em setembro de 2024, enquanto para os Países Baixos foram vendidos, sobretudo, óleos brutos de petróleo (54,95%), minérios de ferro e seus concentrados (24,81%), café em grãos ou outras formas brutas (8,02%) e especiarias (5,11%). Para a Argentina foram destinados, principalmente, minérios de ferro e seus concentrados (57,37%), produtos semimanufaturados de ferro ou aço não ligado (30,21%) e café em grãos ou outras formas brutas (7,79%). Por fim, para a China, o estado vendeu, maiormente, celulose (68,19%), granito bruto, em blocos ou placas (12,77%), quartzo bruto, em blocos ou placas (5,79%) e carne bovina (5,29%).
Por outro lado, cenário pode exigir cautela do comércio exterior capixaba
Análise do coordenador do curso de Relações Internacionais da UVV, Daniel Carvalho
“O Trump implementando as políticas que ele diz querer implementar é um cenário de cautela para o comércio exterior capixaba porque os Estados Unidos ainda são o principal destino das exportações capixabas, mas não é mais a principal origem das importações.
Qual o motivo da preocupação? O Trump já vem anunciando uma guerra comercial com a China, o que não afeta diretamente o exportador capixaba, mas junto dessa guerra comercial ele vem anunciando um governo mais protecionista, não apenas contra produtos chineses, mas de todo o mundo.
Ele disse que pretende colocar tarifas de até 60% para produtos chineses e de até 25% para produtos de outros países, e aí entra o Brasil. Isso vai exigir do exportador capixaba uma análise de suas estratégias, buscando outros parceiros. Não que seja abandonar o mercado americano, mas estar atento ao potencial de perda de competitividade do produto.
E nessa ideia de procurar outros mercados, temos um outro motivo importante a considerar, que é a desdolarização do comércio exterior, pretendida pelo governo federal. O que isso significa? Não é que não vamos mais usar o dólar de maneira alguma, não é isso. Mas diminuir a importância relativa do dólar no comércio exterior brasileiro. O país fica muito vulnerável à alta do dólar, o que pode ser bom para o exportador, tem um impacto na economia brasileira. Isso abre caminho para o exportador capixaba pensar em outras alternativas que não usem o dólar e que facilitem portanto o comércio e o torne mais barato e desburocratizado, porque reduz os custos das transações.”