Após anos de estudo, um grupo de cientistas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) identificou que o transplante de células-tronco pode ser eficaz no tratamento e na cura da esclerose sistêmica. A pesquisa foi realizada pelo doutorando Lucas Coelho Marlière Arruda, sob a orientação da professora Maria Carolina de Oliveira Rodrigues, com apoio da FAPESP.
O estudo investigou como o transplante é capaz de produzir um novo sistema imunológico na resposta terapêutica de pacientes com esclerose sistêmica ao transplante autólogo de células-tronco hematopoiéticas. E por que a maioria dos pacientes responde positivamente ao procedimento, mas alguns não.
A esclerose sistêmica é uma doença autoimune caracterizada pelo ataque do sistema imunológico ao tecido conjuntivo. O sintoma mais evidente é a perda de elasticidade e o enrijecimento da pele. Porém, nas formas mais graves, pode ocorrer também a falência das funções renal, pulmonar e cardíaca, levando o paciente a óbito.
A esclerose sistêmica acomete principalmente mulheres, na faixa dos 30 aos 55 anos. Trata-se de uma doença multifatorial, cujas causas envolvem tanto fatores genéticos quanto ambientais, como estilo de vida, atividade profissional, alimentação, uso de medicamentos, dentre outros.
Segundo o doutorando Lucas Coelho Marlière Arruda “o objetivo do estudo foi compreender como o timo e a medula óssea são reativados, ou reiniciados, após o transplante. E como isso se relaciona com o êxito ou não da terapia. Para tanto, colhemos sangue periférico dos pacientes e avaliamos marcadores moleculares de última geração: os TRECs (T-Cell Receptor Excision Circles), que informam sobre a atividade do timo; e os KRECs (Kappa Deleting Recombination Excision Circles), que informam sobre a atividade da medula”, descreveu.
De acordo com o doutorando, o tratamento convencional com drogas imunossupressoras apresenta alta incidência de efeitos colaterais e baixo índice de êxito. A maioria dos pacientes não responde bem, e nos casos mais graves a mortalidade cinco anos após o diagnóstico pode chegar a 50%. Daí, o interesse no desenvolvimento de terapias alternativas, como o transplante autólogo de células-tronco hematopoiéticas. Usando o vocabulário da informática, os estudiosos caracterizam esse procedimento alternativo como um resetting. O sistema imunológico é inteiramente “desligado” e, depois, “religado”, para que passe a funcionar adequadamente.
O estudo foi apresentado em várias instituições e em congressos nacionais e internacionais, recebendo quatro prêmios em 2016: Posters of Merit, das Federations of Clinical Immunology Societies (Boston, EUA); Primeiro Lugar no Concurso de Temas Livres do XXXIII Congresso Brasileiro de Reumatologia, da Sociedade Brasileira de Reumatologia (Brasília-DF); Thereza Kipnis Award (maior prêmio de imunologia da América Latina para jovens pesquisadores), da Sociedade Brasileira de Imunologia (Campos do Jordão-SP); e ASH Abstract Achievement Award, da American Society of Hematology (San Diego, EUA).
A teoria aplica-se em quatro etapas. A primeira consiste em mobilizar essas células, por meio de diversas medicações, trazendo-as do interior dos ossos para a circulação sanguínea. Na segunda etapa, as células-tronco, que se distinguem pelo fenótipo, são identificadas, coletadas e congeladas. O procedimento é relativamente simples: o paciente fica acoplado à máquina coletora, sem sedação, como em uma transfusão de sangue comum.
Já a terceira etapa é bem mais delicada. Pois, nela, são administradas substâncias imunossupressoras em doses extremamente elevadas, visando deletar por completo todo o sistema imunológico. Para isso, na vigência da imunossupressão, o paciente precisa ficar confinado em um ambiente rigorosamente livre de patógenos, de modo que não haja o menor risco de infecção oportunista, que poderia levá-lo a óbito.
Na quarta etapa, finalmente, as células-tronco hematopoiéticas, previamente congeladas, são reinfundidas no paciente, para que possam voltar a migrar para os ossos e recriar um sistema imunológico saudável. O período total de internação para o transplante é da ordem de 20 dias.
De acordo com a orientadora Maria Carolina de Oliveira Rodrigues, o estudo conduzido por Arruda se insere no programa de transplantes para doenças autoimunes do Hospital das Clínicas da FMRP-USP. “Esse tratamento alternativo, adotado também nos Estados Unidos e na Europa, já foi aplicado por nós em cerca de 80 pacientes. Mas, embora tivéssemos muita clareza sobre o procedimento clínico, ainda não possuíamos uma explicação satisfatória para os mecanismos imunológicos envolvidos. Encontrar essa explicação foi o objetivo do estudo”, contou.
Fonte: Agência Fapesp
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