Perdi meu pai e minha mãe num curto intervalo de tempo. Eu tinha meus 20 e poucos anos quando mamãe se foi e, poucos anos depois, papai também partiu. As duas perdas precoces e toda a luta que travamos quando os dois estavam batalhando pela vida, certamente, fizeram a pessoa que sou hoje e a mãe que eu viria a me tornar algum tempo depois.
Uma das minhas grandes descobertas com a dor é que a forma como a enfrentamos faz toda a diferença na vida que teremos mais adiante. Então, durante a batalha na minha família, fiz uma escolha: manter, o máximo que pudesse, a serenidade e o equilíbrio. Não foi fácil, mas exercitei. Em alguns momentos, titubeei, é verdade, mas não desisti. Entender que nossa existência tem ciclos foi o meu primeiro passo para a superação. A partir daí, depois que eles se foram, passei a me alimentar das memórias doces e afetuosas, até mesmo da fase mais dolorosa que passamos.
Aprendendo com a dor
A dor tem sua beleza. Eu realmente acredito nisso. Tenho fortes lembranças do amor que nos sustentou durante os anos que meus pais lutaram contra o câncer. Não faltaram afeto e parceria na batalha. Costumo dizer que nos tornamos melhores após tudo o que vivemos. Ficamos mais generosos, mais pacientes, mais compreensivos, menos ansiosos e também mais fortes… Fomos aprendendo que há situações em que o que se pode fazer é ter paciência e manter a esperança. A fé, independentemente de crença, nos ajuda a levantar nos dias mais duros. Se tem uma herança que minha mãe me deixou, foi a fé. Olhar sempre otimista, sorriso no rosto e força no combate. É assim que me lembro dela. E essa recordação hoje, nos dias mais difíceis, me fortalece.
A dor traz sabedoria
Veja que a forma como enfrentamos o sofrimento impacta todo o restante da nossa vida. A paciência e a resignação que desenvolvi nos anos de lutas em família me ajudam hoje na criação dos meus filhos e em todos os outros aspectos do cotidiano. Num mundo cada vez mais imediatista, vou remando firme contra essa ansiedade e angústia generalizadas. Simplesmente porque, na época de toda aquela dor, precisei aprender a esperar e a aceitar o que não poderia mudar.
Resignação
Num dos ápices do meu sofrimento, quando minha mãe já estava na fase terminal, lembro-me de ter ido à varanda do hospital, olhado as pessoas na rua seguindo suas vidas (enquanto a minha parecia ter parado em meio à dor), e pensado: “O mundo não vai parar para que a gente sofra nem para que a gente se recupere”. Entendi ali que teria de reencontrar meu caminho quando mamãe partisse. Quando se diz que é preciso seguir em frente, é fato. Porque ou você segue ou a vida o atropela. Mas eu sabia que o seguir adiante aconteceria dia após dia. Teria de esperar o sofrimento ir se diluindo para então buscar novos rumos. Cada pessoa tem seu tempo. E também é preciso aceitar isso.
A fé, independentemente de crença, nos ajuda a levantar nos dias mais duros
Entendendo nossos limites
Meus pais eram nossa fortaleza. Vê-los fragilizados pela doença me trouxe uma intensa lição de humanidade, de humildade e de aceitação. Quando a gente consegue compreender as nossas limitações e as do outro, abre-se um mundo de descobertas positivas à nossa frente. A gente passa a caminhar mais leve. Somos, sim, limitados, perecíveis, frágeis. A nossa força está justamente em entender nossas fraquezas, respeitar os limites, mas mantendo a fé. E o bom é que, compreendendo que somos todos vulneráveis, podemos ser extremamente generosos uns com os outros. Temos todos os dias essa oportunidade. A empatia faz milagres, acalma corações, impulsiona para a luta, traz conforto e esperança.