Ser escritor tem a ver com dom, com vontade de contar histórias reais, fantasias, contos e ter a capacidade de fazer os leitores serem transportados para universos únicos, usando a literatura como instrumento
Por Manoel Goes
Diante de todas as adversidades que a arte e a literatura têm encontrado nos últimos tempos neste país, como censura, corte de incentivos, tudo baseado num conjunto de crenças violento, a que chamam de desconstrução, de guerra cultural. O escritor aceita ser
homenageado como forma de garantia de um território. Mas, ocupar esse espaço, sempre
lembrando de que não se trata de uma homenagem isolada. Claro, tem a ver com o
reconhecimento da sua obra e isso o deixa feliz, mas tem a ver também com manter viva a luta de uma geração, de escritores e escritoras antes alijados dos processos decisórios, e tratados à margem pelo poder. Esse foi, portanto, o modo como essa geração se estabeleceu: encontrando espaços onde não havia. Essa literatura de resistência é a que mais interessa, a que forma o cidadão, torna experiente o artista, cria uma identidade.
Então, o dia Nacional do Escritor tem que ser uma homenagem a tantos e tantas, que ficaram pelo caminho, com sua literatura. Tudo começou em 25 de julho 1960, quando a UBE União Brasileira dos Escritores realizou o 1º Festival do Escritor Brasileiro. Na ocasião, o presidente da UBE, João Peregrino Júnior, e seu vice, Jorge Amado, decidem que a partir dali aquela seria a data para comemorar o dia Nacional do Escritor.
Ser escritor tem a ver com dom, com vontade de contar histórias reais, fantasias, contos e ter a capacidade de fazer os leitores serem transportados para universos únicos, usando a
literatura como instrumento, em uma verdadeira alquimia de palavras. No Brasil, temos
grandes nomes, como o próprio Jorge Amado, que ostenta clássicos consagrados, como ‘Dona Flor e seus dois maridos’; Machado de Assis, o meu preferido, com os famosos ‘Dom
Casmurro’ e ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’; Clarice Lispector, com sua ‘Macabéia, em A Hora da Estrela’; Bernadette Lyra com a ‘A Capitoa e Guananira’ e Sergio Blank com ‘Safira’, dentro muitos outros tantos, que precisam ser lembrados e homenageados todos os dias.
Sergio Blank, um amigo querido, nosso poeta maior. A sua partida prematura rendeu e rende ainda muitas homenagens, mostrando o peso de seu trabalho como escritor e sua incansável militância em favor da leitura. Com apenas um ano de proclamado imortal pela Academia Espírito-santense de Letras, quis a “indesejada” leva-lo para a eternidade, aos 56 anos, em 23 de julho de 2020, há dois dias do dia Nacional do Escritor. Nascido em Cariacica-ES, Sérgio lançou o primeiro livro aos 20 anos, e teve uma produção intensa entre os anos 80 e 90, publicando seis livros em 12 anos, em obras que se destacavam por serem bastante diferentes entre si, em sua busca de construção de uma linguagem.
“Os anos 80, foram um período em que eu era uma criatura apaixonada pela vida, pelas coisas e pelas pessoas. Então essa paixão pela vida me levou a escrever, escrever muito. A palavra é tão maltratada por todos nós no cotidiano”, apontou mais como uma constatação do que como uma crítica. "A partir do momento em que eu coloco que meu maior oficio é trabalhar a palavra, tudo que eu publiquei, que eu levei ao público, que eu levei a ser transformado em literatura, essa responsabilidade com a palavra eu mantive. Eu tenho essa segurança. Meu compromisso com a palavra se manteve até no silêncio. Tenho por hábito colecionar gentilezas colhidas no cotidiano.
Guardo no bolso da camisa um punhado de poemas para cada susto que a vida oferta. Esse é o meu maior e mais caro segredo. E talvez meu pecado de estimação” – afirmava Sergio Blank.
Manoel Goes é escritor e subsecretário de Cultura de Vila Velha