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quinta-feira, 24 DE abril DE 2025

ES produz duas de cada três sacas de conilon no Brasil, diz Enio Bergoli

Secretário de Estado de Agricultura explica que indicadores de dinamismo no agro capixaba são muito superiores à média brasileira

Por Kikina Sessa

Ocupando o cargo de secretário de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca pela segunda vez, Enio Bergoli conhece o Espírito Santo como poucos e é uma referência na área da agricultura. Gaúcho de Cruz Alta, engenheiro agrônomo formado em 1984 pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e pós-graduado em Administração Rural pela Universidade Federal de Viçosa (UFV-MG), ele é servidor de carreira do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) desde 1986.

Bergoli comemora o bom momento do agronegócio capixaba, que registrou crescimento de 83% nas exportações nos seis primeiros meses de 2024 e acredita que esse cenário promissor vai continuar, com o Espírito Santo se consolidando cada vez mais no mercado de cafés do mundo.

Nesta entrevista para a ES Brasil, Enio Bergoli destacou a força que tem a cafeicultura no Espírito Santo, cultivo presente em 70% das propriedades rurais.

Secretário, vamos começar traçando um panorama do agro no Espírito Santo.
O momento é muito favorável ao agronegócio, que inclui a agropecuária e seus negócios associados. A indústria ligada ao agro faz parte do agro. Tanto aquela indústria para fornecer máquinas, equipamentos e insumos necessários à produção agrícola, quanto aquela indústria que processa as matérias-primas da agricultura, envolvendo depois a logística e a distribuição. O café só estará disponível moído, embalado e na gôndola de um supermercado, ou em uma cafeteria, se passar por todo esse processo.

Nesse contexto, o nosso agro vivencia um ótimo momento. Faz alguns anos que não se calcula o PIB (Produto Interno Bruto) do agronegócio. A Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag) está fazendo uma parceria com o Instituto Jones Santos Neves (IJSN) para recalcular. Não é algo simples, é complexo. O último publicado, em 2011, apontava que algo em torno de 26% do PIB do Espírito Santo eram devidos ao agronegócio.

O agronegócio é diferente da agricultura. A agricultura é somente um dos segmentos dos vários elos de uma cadeia produtiva. É uma visão distorcida que calcula o PIB da agricultura na economia do Espírito Santo porque ela não existe dissociada de todo esse arranjo de uma cadeia produtiva.

ES produz duas de cada três sacas de conilon no Brasil, diz Enio BergoliÉ uma atividade muito representativa na pauta de exportações capixaba?
Os últimos dados apontam que quase 30% de tudo que o Espírito Santo exporta provêm do agronegócio. É um dado fantástico. Historicamente, está entre 16% e 19%. Evoluímos muito no café, na celulose, na pimenta-do-reino, no gengibre, no mamão, nos chocolates e derivados, no álcool, na carne bovina.

Hoje, é um setor extremamente relevante e cresce a taxas muito superiores às do Brasil. Por exemplo, quando a gente mede o valor gerado em divisas pelo agronegócio capixaba, nas exportações do agro capixaba no primeiro semestre deste ano nós crescemos 83% em relação ao primeiro semestre do ano passado. São cerca de R$ 8,3 bilhões com exportações no primeiro semestre de 2024.

No Brasil, o crescimento em divisas foi negativo. Enquanto nós crescemos 83%, o Brasil foi 0,35% negativo. E quando olhamos o volume exportado, nós exportamos 12% a mais, comparando igual período do ano passado: chegamos a 1,3 milhão de toneladas de produtos do agronegócio exportadas, enquanto o Brasil cresceu 5,3%. Os nossos indicadores de dinamismo no agro são muito superiores à média brasileira, que já é um caso de sucesso para o mundo.

E isso em um Estado territorialmente pequeno.
O Espírito Santo é uma faixa muito pequena de território. Temos 46 mil quilômetros quadrados e se faz agricultura em 30 mil quilômetros quadrados, que totalizam 3 milhões de hectares. E aí tem matas, pastagens. Não era, digamos assim, para sermos os maiores produtores e exportadores de café conilon, de pimenta-do-reino, de gengibre, de mamão.

Mas somos! Fruto da competência dos produtores e da integração da cadeia produtiva como um todo, que produzem com eficiência.

É um setor dinâmico, em que ciência e tecnologia estão na veia dos produtores, que são competitivos e produzem em quantidade e com qualidade, e no contexto da sustentabilidade, produtos que chegam a 130 países ao longo do ano. Só no primeiro semestre alcançamos 115 países, além de abastecer o Brasil.

Esse crescimento de 83% no primeiro semestre surpreendeu?
Então, não nos surpreendeu, porque esse cenário já vinha se desenhando. Tivemos uma conjunção de fatores, que em economia podemos chamar de “tempestade perfeita”. Nosso agro está vivenciando neste momento uma experiência diferente do agro nacional. O agro nacional é caracterizado pela produção de milho, soja, carne bovina, entre outros. Neste momento, os preços desses produtos não são tão favoráveis. Os nossos principais produtos são café, gengibre, pimenta, mamão. São produtos que estão com preços razoáveis no mercado. Então, conjugando preços razoáveis e aumento de produção, tivemos bons resultados.

Mas o café foi o grande responsável pelo aumento nas exportações. Vietnã e Indonésia, que são os principais concorrentes do café conilon, tiveram problemas climáticos e, com isso, nosso café passou a ser demandado e, ao ser demandado, foi percebido que o nosso produto é bom e daí passamos a ocupar mercado. E nós não vamos desocupar, pois nós precisamos desse mercado internacional, porque o Brasil é pequeno para a pujança da nossa cafeicultura de conilon.

Nós produzimos no Espírito Santo duas de cada três sacas produzidas de conilon no Brasil.

O Estado é uma máquina de produzir café conilon com alta tecnologia. Neste primeiro semestre de 2024, 95% do café conilon exportado pelo Brasil foi capixaba. Tem uma qualidade superior que vai conquistando o mercado externo. Nós também produzimos arábica em alta qualidade. Rompemos nas últimas três décadas o estigma de produzir arábica de baixa qualidade e hoje o mundo vem aqui para saborear nossas delícias das montanhas ou do Caparaó.

Quais programas desenvolvidos pela Seag o senhor destaca como essenciais para este crescimento do agronegócio no Estado?
Nós temos plano, programas, projetos e ações. O nosso plano é de Estado, que é o Pedeag (Plano Estratégico de Desenvolvimento da Agricultura Capixaba). Do qual derivam os demais.

O nosso Programa de Desenvolvimento Sustentável da Cafeicultura, por exemplo, já foi apresentado duas vezes na Europa. Temos metas claras a seguir, produzindo cafés de qualidade com respeito à natureza e às obrigações sociais e trabalhistas. Esse programa tem uma meta ousada: queremos chegar em 2032 com 35 mil propriedades cafeeiras produzindo com um currículo mínimo de sustentabilidade. Dada a relevância da agricultura familiar, que representa 75% do número de propriedades no Espírito Santo, lançamos um programa robusto com 11 eixos integrando produção sustentável.

Também lançamos um programa no ano passado para a cadeia do leite. Restabelecemos, depois de 10 anos, um programa de crédito rural que é o Plano Safra. E temos o Inovagro, onde aplicamos R$ 18,5 milhões nos últimos seis meses, com recursos da Seag, para a Fapes (Fundação de Amparo à Pesquisa) para a contratação de projetos de pesquisa para a área agropecuária. Estamos em desenvolvimento tecnológico constante. Se parar no tempo, a gente fica para trás em relação aos nossos concorrentes. Temos uma ação ampla, organizada e discutida com a sociedade, e isso faz uma grande diferença.

ES produz duas de cada três sacas de conilon no Brasil, diz Enio BergoliA agricultura se desenvolveu primeiro na região sul do Estado. Hoje, como esse cenário se apresenta? Há diferenças em termos de desenvolvimento?
O mundo rural mudou muito nos últimos 40 anos. Hoje, o objeto de desejo do investidor do agro nem é tanto mais terra fértil – e ele nem quer local que chova muito. Ele quer terra plana e, se não chover, melhor, porque dá menos problema de intempéries, mas precisa ter alguma oferta hídrica.

O sul, por uma questão natural, tem solos mais férteis, chove mais. Nós tivemos um movimento de migração interna no Espírito Santo do centro-sul para o norte. Muitos filhos de produtores, insatisfeitos com o tamanho das pequenas propriedades, das colônias de alemães e italianos, foram para o norte pegar uma terra para desbravar. Então, quando você vai para a cafeicultura do norte, que usa alta tecnologia, como Rio Bananal, Jaguaré, Vila Valério, foram os italianos que migraram com um espírito de empreendedorismo. E também tem quem vendeu no sul para comprar no norte, já que se vendia um hectare no sul para comprar 10 hectares no norte.

No norte, se não se usar tecnologia não se produz. Então, a turma do norte, de certa forma, adotou mais rápido o conhecimento técnico, com café irrigado e mudas clonais.

E no sul, como tem uma condição mais favorável, houve uma acomodação. A gente percebe que os indicadores de produtividade no sul estão abaixo, hoje, dos do norte. Mas temos ótimas oportunidades para o norte e para o sul. A parte fria, do Caparaó, com agroturismo, cafés especiais e agroindústria, se desenvolve bem. O desafio é no sul quente, como a gente chama a parte baixa do s, que é onde está a pecuária leiteira.

Não nos interessa, no Espírito Santo, produzir algo com baixo valor agregado, porque o tamanho das propriedades aqui é pequeno, com predominância da agricultura familiar. Por isso privilegiamos essas culturas – condimentos, fruticultura, hortaliças -, porque elas geram renda em pequenos espaços e dão uma qualidade de vida para as famílias que ali vivem

O primeiro ciclo de desenvolvimento econômico do Espírito Santo, entre 1850-1960, foi caracterizado pela cafeicultura. O café continua tendo peso na economia capixaba?
Nós diversificamos muito, mas o café está no DNA dos nossos produtores rurais. Não existe outra região cafeicultora no Brasil em que o café tenha tanta relevância econômica e social como no Espírito Santo.

Sete em cada 10 propriedades, ou seja, 70% das propriedades no Espírito Santo produzem café. Em Minas Gerais, nem 20% das propriedades produzem café. Por isso esse carinho que a gente tem com o café. Ou seja, uma crise na cafeicultura no Espírito Santo não será só um problema econômico, ou um prejuízo: será um caos social, pela magnitude da cafeicultura no Estado. Por isso que temos fomento, crédito, pesquisa. O café responde por 50% da renda rural capixaba.

A diversidade na agricultura veio justamente do café e o café foi gerador de renda para a indústria. A história não conta muito isso, mas tem autores que comentam isso. Foi a renda do café que gerou o processo industrial no Espírito Santo.

Qual o peso dos gargalos de infraestrutura?
O principal problema do agro brasileiro hoje é a infraestrutura logística.

Infraestrutura é um gargalo histórico não só para os capixabas, mas para o agronegócio no Brasil. Nós precisamos avançar. O Espírito Santo é um pequeno gigante que tem um agro exportador. Pequeno em área geográfica e gigante na produção. Nossos produtos vão para o Brasil e o mundo durante todo o ano. Nós temos gargalo de porto, por exemplo. Isso gera um custo extra quando parte de nossa produção precisa ir para outros portos. Há analistas que afirmam que os capixabas deixaram de exportar nos últimos 12 meses (de julho 2023 a julho 2024) cerca de um milhão de sacas de conilon por conta de logística.

Mas vemos uma luz para a solução desse gargalo: a partir do segundo semestre de 2025 vai começar a funcionar a primeira etapa do porto privado da Imetame, em Aracruz, no epicentro das nossas exportações de café e pimenta.

Outro gargalo é o transporte aéreo e, nos últimos anos, tivemos a boa notícia de iniciar algumas cargas pelo transporte aéreo. A duplicação da BR-101, que atrasou, e a da BR-262, que ainda não começou, afetam a atividade como um todo. É uma governança do governo federal em que o Estado atua complementarmente.

No nosso caso, temos boa malha de rodovias estaduais, sob jurisdição do DER-ES (Departamento de Estradas de Rodagem). Quanto às rodovias municipais, temos um programa criado há 20 anos que é de auxílio aos municípios para fazer pavimentação em vias municipais rurais, que é o Caminhos do Campo e que recebeu um reforço de um outro programa chamado Calçamento Rural.

O Caminhos do Campo, por exemplo, já pavimentou, ao longo dos seus 20 anos, 1.200 quilômetros de vias municipais rurais, melhorando a trafegabilidade, o ir e vir das pessoas e o transporte de mercadorias. Fizemos em torno de 300 quilômetros de pequenos calçamentos rurais em trechos críticos, em parceria com os municípios.

Fazendo um exercício de olhar para o futuro, como vê a agricultura em 2035, quando o Espírito Santo chega aos 500 anos?
Eu vejo uma agricultura cada vez mais sustentável em todas as suas dimensões. No sentido econômico, o produtor no vermelho é inimigo do verde. Então precisa ser sustentável economicamente. Produzir e ter renda. Vejo sustentável do ponto de vista social. Cada vez mais os empregados sendo bem remunerados, tendo qualidade de vida, e vejo também a sustentabilidade do ponto de vista ambiental, que é extremamente importante para a preservação da biodiversidade, recuperação de passivos.

*Matéria publicada originalmente na revista ES Brasil 223, de setembro de 2024. Leia a edição completa de Agronegócio Capixaba aqui. 

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