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quarta-feira, 24 abril, 2024

Era uma vez uma criança…

Que sabia onde queria chegar

Por Flávia Fernandes

Numa tarde de domingo, Maria Eduarda, então com 7 anos de idade, chamou a atenção dos parentes ao explicar que um brinquedo, sensação do momento, poderia ser comprado mais para a frente, depois que seu material escolar, com a tão sonhada mochila roxa, fosse adquirido com o esforço da família.

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Ela sabia que a mãe não poderia lhe oferecer sozinha todos os itens da lista para os estudos e, de forma solidária, aceitou abrir mão de passeios, roupas e lanches. Quer mais? A menina entendeu quando a mãe resolveu vender brinquedos e roupas usados para juntar dinheiro e pagar contas.

Qual o nome dessa qualidade nata encontrada de forma tão madura numa pequena garota, a ponto de preferir trocar brinquedos por material escolar? Habilidade de perceber valor onde os outros não identificam, diriam alguns. Mas muitos professores a chamam de capacidade empreendedora.

“Imagine uma criança que, desde cedo, olha em volta, entende os problemas e os vê como oportunidade de agir e transformar. Nossa missão é despertar essa habilidade questionadora”, explica Tattiana Loss Bissa Vianna, professora regente do 3° ano do fundamental I, de Guarapari.

Com a aula de empreendedorismo, o aluno aprende a visualizar para onde vai o seu dinheiro. Assim, pode fazer escolhas mais acertadas, aumenta as chances de concretizar sonhos e consegue se manter motivado para batalhar pelo que deseja, além de se tornar mais forte perante as adversidades da vida.

Outra percepção é saber dar valor às coisas que possui, ampliando a ideia de sustentabilidade, como a Maria Eduarda, quando aceitou a venda de roupas e brinquedos usados para fazer dinheiro e pagar as contas. “Os pais perceberam que seus filhos passaram a valorizar o que tinham, prestar atenção no valor dos objetos. Deixaram de ser consumistas, entenderam a importância de pesquisar para economizar”, ressalta a professora.

Na prática

Os alunos queriam uma tarde de sorvete na escola. Para isso, precisavam economizar no lanche e juntar dinheiro. Foi o que fizeram. “Cada moedinha economizada, durante um mês, serviu para concretizar o sonho gelado. Foi gratificante, pois eles levaram a experiência para o dia a dia e perceberam que bastava economizar para realizar o que queriam”, conta Tattiana Loss.

O empreendedorismo incentiva o autoconhecimento e o relacionamento interpessoal, ensina à criança que o divertimento e o lazer são condições para se ter uma vida saudável, mas com estímulo, a cooperação, a sustentabilidade, a cidadania e a ética são desenvolvidos.

Esses valores são trabalhados na Escola Eunice Pereira, unidade de ensino em tempo integral da Prefeitura de Vitória. Lá, o empreendedorismo é transmitido não para que a criança vire uma miniempresária e comece a fazer dinheiro, mas para desenvolver uma maior compreensão de si mesma e do mundo ao redor, com responsabilidade, protagonismo e autoestima, por exemplo.

A fórmula é entender os desafios cotidianos, criar habilidades, descobrir percepções e conquistar bons resultados com projetos futuros. Nas aulas são discutidas questões que abordam o que é possível fazer para melhorar o ambiente escolar de forma colaborativa, por meio do esforço de todos. Campanhas como: “Movimento pela Paz”, “Desperdício Zero” e “Protetores do Patrimônio Escolar” foram criadas para que os jovens se envolvam de forma a empreender soluções aos problemas cotidianos.

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“Os próprios alunos perceberam que eles mesmos estavam se sabotando com a depredação; eles mesmos estavam perdendo com isso. Assim, passaram a conversar entre si, realizando campanhas de conscientização” – Daniel Moreira dos Santos, professor de matemática na Emef Eunice Pereira

Um exemplo de como o empreendedorismo deu certo na Emef Eunice Pereira foi o bom resultado conquistado com o fim da danificação do patrimônio. “Os próprios alunos perceberam que estavam se sabotando com a depredação; eles mesmos estavam perdendo com isso.

Assim, passaram a conversar entre si, realizando campanhas de conscientização”, explicou o professor de Matemática Daniel Moreira dos Santos. Atualmente, os armários não precisam de chaves, e os estudantes usam com cuidado os materiais, deixando-os bem arrumados para o próximo usuário.

A visão empreendedora engloba a união e o trabalho em equipe, e o professor Zacarias Almeida Lima, que também leciona Matemática no mesmo colégio, sabe que o exemplo fala mais alto na hora de repassar valores aos alunos. “Trabalho em parceria com o Daniel, usando sempre o bom diálogo. Não tomo os alunos como meus, são nossos. Eu e o Daniel tomamos atitudes em prol dos alunos para que eles possam desenvolver a autonomia. Enxergamos o aluno sempre como uma solução e não como um problema.”

Iniciativas que ensinam crianças a empreender proliferam no Brasil. É o caso do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), que por meio do curso Jovens Empreendedores Primeiros Passos (JEPP) fomenta a educação e a cultura voltada a esse objetivo na educação básica.

O propósito das atividades é apresentar práticas de aprendizagem, considerando a autonomia do aluno para aprender, além de favorecer o desenvolvimento de atributos e atitudes necessárias para a gestão da própria vida, pegando como base pilares de educação propostos pela Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

O sucesso do JEPP pode ser mostrado em números. Atualmente, no Espírito Santo, o curso está sendo aplicado em 15 municípios, entre escolas particulares e públicas, beneficiando mais de 24 mil alunos.

Esta matéria é uma republicação exibida na Revista Comunhão – outubro/2017, produzida pela jornalista Flávia Fernandes e atualizada em 2021 (Priscilla Cerqueira). Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi originalmente escrita.

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