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quinta-feira, 28 março, 2024

Entrevista: Márcio Valentim de Sá

Entrevista: Márcio Valentim de Sá“A imagem de sucesso do negócio deriva da imagem de seu fundador”, afirma o especialista Márcio Valentim de Sá. Leia a entrevista na íntegra logo abaixo.

Sócio-diretor da Idee Management & Business Consulting, advogado, colunista, consultor do Sebrae-DF e membro da Sociedade Brasileira de Coaching, o entrevistado deste mês da revista ES Brasil acumula atuações em diversos tribunais do país, sendo especialista em planejamento societário, tributário e sucessório. Como executivo de grandes corporações nacionais durante oito anos, destacou-se pela habilidade na gestão de passivos financeiros e fiscais e nos processos societários internacionais. A ampla experiência nessa área o habilitou a prestar consultoria a grandes empresas do Espírito Santo e também a partilhar seus conhecimentos com os jovens empreendedores que estiveram reunidos no Congresso Lusófono realizado em Vitória neste mês de maio. Márcio partilha com os leitores de ES Brasil alguns dos conhecimentos que transmitiu aos capixabas. Confira a seguir.

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ESBrasil – A maioria das empresas no Brasil é de origem familiar. Então, por que falarmos especificamente nesse tipo de empresa? O que as diferencia como um grupo específico?
O brasileiro é um empreendedor nato, por isso temos um dos maiores índices de empresas familiares do globo. Mas quando falamos em sucessão familiar de um negócio, estamos diante de um processo que somente se aplica aos negócios de sucesso, ou seja, empresas de destaque organizacional, financeiro, patrimonial e empresarial como um todo.
Por ser altamente empreendedor, o brasileiro carrega também um dos maiores índices de mortalidade precoce de empresas do mundo, valendo destacar que 75% não chegam ao quinto ano de vida. Desta forma, a diferença se baseia na sobrevivência por mais de 20,30,40 anos, e com sucesso.

ESBrasil – Por que o processo de sucessão na empresa familiar merece cuidados específicos e quais são eles?
Comum, e perfeitamente compreensível, é o fato de que os fundadores de uma empresa familiar e, via de regra, os herdeiros diretos, confundem a empresa com uma extensão do lar, e assim os conflitos empresariais são levados para casa e os conflitos de casa, por sua vez, chegam ao dia a dia da empresa.
Certamente o maior cuidado é delimitar limites entre os núcleos – familiar e empresarial – e isso costuma dar certo quando fundadores e herdeiros reconhecem que estão diante de dois investimentos diferentes, mas que devem caminhar e conviver harmonicamente. Na família, temos um investimento que é puramente emocional, onde o alvo é a realização pessoal. Na empresa o investimento é financeiro, o que contribui para o investimento emocional da família, podendo acelerar e potencializar os alvos pessoais.
Intrinsecamente ligado à natureza familiar, o segundo grande ponto a ser tratado – e o desafio passa a ser a harmonização do mesmo -, é o natural processo de competição existente entre os herdeiros ou núcleos familiares dos fundadores.
Atualmente, visando a mitigar custos futuros e situações de conflito, o planejamento da sucessão familiar passou a integrar os planejamentos estratégicos de médio e longo prazo das empresas familiares que integram a lista de sucessos empresariais de nosso Estado e País.

ESBrasil – Quais as maiores dificuldades para a boa condução desse processo?
Os fundadores, por uma questão muitas vezes cultural, associam a transferência do poder de gestão à perda de poder, capacidade funcional, financeira e até laboral. Sofrem com o pensamento de que os herdeiros podem, de alguma forma, com a euforia natural de quem atinge um objetivo importante, ao assumir a gestão do negócio, cometer erros que vão representar perdas diversas ao negócio e até mesmo à família.
Os herdeiros, a seu turno, sofrem a agonia e a frustração de não poder colocar em prática, no tempo e da forma que planejaram, as ideias que entendem ser boas para o negócio, ou ainda com a dificuldade em dizer aos fundadores que não possuem interesse em gerir o negócio. Destaquemos que o desinteresse em gerir o negócio familiar não significa que o herdeiro não queira o negócio, surgindo assim a possibilidade de ele se tornar um investidor de capital, o que mesmo assim pode frustrar o fundador.
Portanto, a dificuldade é o encontro da “justa medida” e esta definição passa pelo que é bom para a empresa e para a família. Assim, fundadores e herdeiros, via de regra, precisam aprender a conviver e praticar o ato de negociar e ceder, tendo como alvo o encontro da “justa medida” que garanta a continuidade do sucesso e lucratividade do negócio.

ESBrasil – Quais as consequências possíveis quando esse processo não obtém êxito? O senhor tem números a respeito que dimensionem o problema?
Quando não é possível estabelecer os parâmetros mínimos para a realização de um processo de transferência dos ativos e da gestão do negócio de forma organizada e cercada das negociações normais necessárias para acomodar os interesses – que deixam de ser únicos e passam a ser múltiplos -, a consequência mais comum são os conflitos societários, que em empresas familiares tendem a ser mais acalorados e danosos do que em empresas já profissionalizadas.
Pesquisas realizadas até o ano de 2010 dão conta de que cerca de 36% das empresas que passaram por um processo de sucessão tiveram algum tipo de conflito societário nos primeiros três anos sob o novo comando. Deste total, aproximadamente 71% solucionaram os conflitos com o processo de profissionalização, onde executivos de mercado são chamados a participar da administração direta do negócio, e outros 11% levaram a empresa à falência.

ESBrasil – Aqui no Estado muitas empresas familiares que já foram potências locais se extinguiram, enquanto outras foram em frente e se mantêm com sucesso no mercado. Onde está a diferença?
Informação, capacitação, preparação e organização dos herdeiros, por meio de um processo de sucessão promovido pelos fundadores com o apoio de especialistas. O processo de sucessão, quando não se dá de forma forçada ou prematura, pelo falecimento do fundador, geralmente é planejado e implementado num prazo médio de cinco anos.
Soma-se ainda o fato de, nos casos de êxito do processo sucessório, o núcleo familiar, seja em decorrência da própria formação promovida pelo fundador ou de algum conflito interno já superado, encontrou a “justa medida” de convívio para manter a empresa/investimento na estrada do sucesso e, assim, mitigar parte dos demais conflitos societários que poderiam advir no futuro, gerando perdas expressivas e até mesmo a falência do negócio.

ESBrasil – Quais são os critérios para a escolha do sucessor?
Não existem critérios definidos para cada um dos ramos de negócios que temos no mercado. O sucessor deve ser dotado das características mínimas que se exige de um executivo, somadas ao arrojo e à capacidade natural do empreendedor e gestor.
Deve ser capacitado tecnicamente e conhecer o negócio e o seu segmento. O ideal é que já participe do dia a dia da operação, sendo assim conhecedor das peculiaridades do negócio e de suas minúcias.
Não basta o herdeiro querer assumir o negócio, ele deve ter capacidade para tal. Deve ser principalmente um líder, capaz de merecer o respeito de seus pares herdeiros e dos colaboradores das empresas que integram o grupo.

ESBrasil – Quais as etapas principais para a preparação do sucessor? Existe um plano de sucessão que sirva de modelo para todos?
Não existe um modelo de plano de sucessão. O que temos são algumas práticas que contribuem para que os fundadores possam discernir os herdeiros com maiores possibilidades de êxito daqueles que não possuem habilidade para a gestão do negócio.
O uso de programas de training para herdeiros em empresas não integrantes do grupo familiar e, posteriormente, em empresas do grupo; a constituição de um conselho especial de herdeiros, onde estes são convidados a participar e opinar em reuniões deliberativas da empresa; a contratação de profissionais de coaching, com ênfase em Business Coaching e Executive Coaching, mentores e conselheiros, também são boas iniciativas para auxiliar o fundador a identificar os mais capacitados e, assim, dar início ao processo de sucessão, dividindo os herdeiros em gestores/sócios e investidores/sócios.

ESBrasil – Como lidar com a falta de interesse ou talento/vocação do sucessor?
Muitas famílias, durante o processo de implantação e sobrevivência do negócio, por levarem os problemas profissionais e familiares aos mesmos ambientes (casa/empresa), de certa forma, devido às pressões sofridas e dificuldades vividas durante o processo de consolidação e construção do sucesso da empresa, ainda que de forma indireta, acabam por não incentivar seus filhos a participar do negócio. Assim, induzem, de forma inconsciente, ao não interesse pelo negócio, razão pela qual os herdeiros acabam buscando formações acadêmicas que em nada contribuem para a gestão do negócio a ser herdado.
A experiência me mostra que quando estamos diante da ausência de interesse dos herdeiros, o melhor caminho para o fundador é a profissionalização da administração, delegando funções a executivos e colocando os herdeiros na condição de futuros sócios capitalistas, devendo estes,inclusive,serem capacitados para atuarem como investidores capitalistas, com o único encargo de cuidar e zelar por sua participação societária, como negócio e fonte de renda, mas não como atividade profissional.

ESBrasil – Como identificar qual o momento adequado para efetuar a transição de comando?
Não sendo um processo forçado pela morte ou doença do fundador, há de ser levar em conta que é uma decisão muito pessoal e que não tem um tempo máximo para ser concluída. Herdeiros e fundadores devem e podem conviver harmonicamente por vários anos, até que a confiança mútua seja reinante.
Acredito que é possível fixar o termo inicial do processo, o qual, creio, deve coincidir com a maioridade civil dos herdeiros, a formação acadêmica destes, o convívio destes já há certo tempo com o mercado em que atua a empresa, e com a vontade do fundador em diminuir sua carga de trabalho e compartilhar o poder.

ESBrasil – Como administrar as situações de conflito, se houver?
A mediação, o aconselhamento, a mentoria e o coaching são ferramentas saneadoras que devem ser usadas em situações de conflito. Por estarmos diante de fatos e atos que trarão reflexos não apenas profissionais, mas também pessoais, a experiência nos mostra que a interposição de interlocutores capacitados auxilia não só no termo do conflito, como também na construção das regras norteadoras de mitigação de conflitos futuros.

ESBrasil – Manter a imagem do fundador é positivo ou não para o negócio?
Particularmente, acredito que manter a figura do fundador, enquanto dotado este de capacidade funcional, é um plus para os herdeiros e o negócio. A imagem de sucesso do negócio deriva da imagem de seu fundador.

ESBrasil – O que é preciso mudar na cultura empresarial para que não haja mais problemas sucessórios?
O processo de sucessão empresarial familiar deve ser visto por fundadores e herdeiros como um processo necessário e vital para a continuidade da trajetória de sucesso de um investimento feito no passado. Os eventuais conflitos entre herdeiros são derivados da disputa natural sobre o poder de gerir um negócio que traz consigo não só o sucesso originário, mas a possibilidade de destaque para um ou alguns dos sucessores.
Além disto, o processo de sucessão, organizado, planejado e pensado pelo fundador e seus assessores é uma ferramenta capaz de diminuir em mais de 65% os custos jurídicos, fiscais e legais de uma sucessão derivada da morte natural ou precipitada do fundador.

Também por meio do processo de sucessão, pode o fundador separar patrimônio e responsabilidade pessoal de si e dos herdeiros, das responsabilidades e patrimônio da empresa, eliminando assim riscos futuros aos herdeiros que não vierem a participar da administração do negócio ou já deixando o negócio preparado para uma possível venda, caso nenhum dos herdeiros tenha interesse ou capacidade para conduzir a empresa e não tenham desejo de mantê-la sob a forma de gestão profissionalizada.
Mais de 95% dos casos de êxito total em processos sucessórios em empresas familiares são derivados de programas de formação, capacitação e preparação de herdeiros, assistidos por profissionais especializados.

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