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quinta-feira, 28 março, 2024

Entrevista: João Gualberto

Entrevista: João GualbertoFaltando pouco mais de dois meses para as eleições de 2010, a revista ES Brasil entrevista João Gualberto, doutor em Ciências Políticas pela Escola de Altos Estudos em Ciência Política de Paris, na França, mestre em Administração, professor do Departamento de administração da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Ele é uns dos mais renomados pesquisadores do Estado e está à frente do Instituto de Pesquisas Futura, o maior de seu segmento no Espírito Santo, detentor de uma experiência de mercado de 20 anos – tempo suficiente para construir um vasto acervo de informações sobre o cenário político do Estado. O especialista esclarece como funciona uma pesquisa eleitoral, se ela pode ou não influenciar uma campanha política, além de avaliar o perfil do leitor capixaba. Acompanhe.

ES Brasil – As pesquisas de intenção de voto tentam capturar um momento no futuro. O que, então, pode torná-las confiáveis?
João Gualberto – Não é o mais correto dizer que as pesquisas de intenção de voto tentam capturar um momento no futuro. Na verdade, as pesquisas são uma fotografia do presente. Tanto é assim que é comum haver oscilações importantes durante as campanhas. Por exemplo, isso aconteceu na primeira eleição democrática depois dos militares, com o Collor. Aqui no Estado, o Albuíno cresceu muito durante a campanha. Portanto, ao se medir a realidade, vemos suas transformações. Tentar analisar o futuro a partir das informações já é função de estrategistas de campanha.

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O fato de o objeto dessas pesquisas serem pessoas, em constante interação com a dinâmica dos fatos e sob os holofotes da mídia, traz algum grau de insegurança aos resultados?
O fato de a opinião pública estar em constante contato com muitas informações faz parte do processo democrático. Pode mudar seu voto, por isso uma só pesquisa é pouco para analisar uma eleição. Vale mais a curva de acompanhamento dos candidatos.

Isso tem relação com os critérios sob os quais se define a periodicidade das pesquisas eleitorais? E quais são eles?
As eleições têm seus próprios períodos, o que quer dizer que não devemos generalizar demais. Mas, em todas elas existem pelo menos três grandes períodos. A pré-campanha, até o registro das candidaturas; o período que vai do registro até o inicio dos programas de rádio e televisão; e a chamada massificação das campanhas. É nesse terceiro período que os eleitores fazem de forma mais definitiva suas escolhas, sobretudo para os cargos legislativos

Hoje em dia o que mais motiva o voto, a propaganda de TV ou o perfil do candidato?
O perfil do candidato. Atualmente a televisão tem o papel muito importante de socializar os candidatos mais conhecidos, mas não tem a função de definir o voto. Ele influencia, mas não é em si uma razão de voto. Ela transforma a eleição em uma super cidade, quando se começa uma eleição você vai ao terminal e as pessoas estão comentando, como é que vai um e como é que sai outro. Quando há um debate, as táticas todas são voltadas para este evento, e estes elementos ao longo do processo vão construindo o perfil de uma candidatura, mas eu acho que muito mais complexo do que o eleitor é a razão de votos. Ela leva, sim, em conta hoje a trajetória e os atributos pessoais dos candidatos. Depois, leva-se em conta os planos e os projetos que ele tem, as alianças que ele construiu, enfim, um conjunto de variáveis bastante intenso. Limitar este processo à televisão é muito pouco.

Existem diferenças nas metodologias conforme o cargo em disputa? Quais e por quê?
Existem dois grandes tipos de pesquisa: a qualitativa e a quantitativa. As qualitativas o grande público não conhece e são as que dão a melhor dimensão de futuro. Nelas não se produzem números, mas sim julgamentos e expectativas. São as que mais contribuem na montagem de estratégias de campanhas. Quanto as quantitativas todos conhecem, sobretudo todos conhecem o ranking que os veículos de comunicação divulgam, dando a posição da corrida eleitoral para os cargos do executivo. Mas, em síntese as metodologias são usadas mundialmente sem grandes diferenciações.

Qual a principal contribuição dessas pesquisas às estratégias de campanha? Cite um exemplo que você vivenciou.
Hoje a produção de informações faz parte do coração das campanhas. Todas elas trabalham com pesquisas, com a produção sistemática de informações para poder orientar as campanhas. É muito comum um candidato só dar conta de quem é o seu verdadeiro adversário quando um nome começa a surgir de forma mais definitiva, começa a crescer quando todos não esperavam. Quanto a exemplos, prefiro não citá-los, porque são todos de clientes da Futura. Não seria oportuno expor nomes.

Havendo segundo turno, isso traz alguma mudança na forma de conduzir ou interpretar as pesquisas?
Em um segundo turno os que deram seus votos a candidaturas que não se elegeram vão procurar os que mais se aproximam de seu primeiro voto – em várias ocasiões, podemos dizer: os menos ruins do seu ponto de vista. O movimento mais importante de ser captado é a migração de votos entre o primeiro e segundo turnos, em boa parte das vezes consagrando vitórias e derrotas. Mas, em síntese, o processo não é muito diferente, apenas as candidaturas em menor número e o tempo de campanha mais compacto também.

Em recente pesquisa divulgada pela Futura sobre o perfil das eleições 2010, na espontânea para senador vemos uma variação de percentuais em relação ao primeiro e ao segundo voto. Em que difere, tecnicamente, o primeiro voto do segundo?
Veja bem, nesta eleição serão renovados 2/3 do Senado da República e nós vamos escolher dois senadores. O eleitor não costuma atentar para isso e escolhe então em primeiro lugar o candidato de sua preferência, seja Ricardo Ferraço ou Magno Malta, ou mesmo Rita Camata. O segundo voto vai depender de outros fatores. O primeiro voto pode influenciar, e muito, o segundo. Por exemplo: nesta eleição, a pessoa que mais ganha voto, seja de Ricardo ou de Magno Malta, é a Rita. Ela é mais forte quando vira a segunda opção do que na primeira. Então, esta é a marca dela. No entanto, ela terá construir uma candidatura, digamos, mais voltada para este lado aí, esquecendo para quem o eleitor dará o primeiro voto.

É por isso que Ricardo Ferraço e Magno Malta estão trabalhando juntos em suas candidaturas?
Sim, é por isso. Esta é uma estratégia de campanha para “blindar” as outras candidaturas e impedir que haja o segundo voto para a candidatura do PSDB.

Ao longo de sua experiência de décadas, já constatou alguma especificidade no perfil do eleitorado capixaba quanto à escolha dos candidatos?
Nós temos um eleitorado um pouco conservador. As propostas das campanhas não costumam portar muita ousadia, e nem poderiam. Se a gente se compara com o eleitorado do Rio de Janeiro, vemos que lá cabem expressões como a de Fernando Gabeira, difícil de imaginar no Espírito Santo. De outro lado, temos um bom nível de informação na média, creio que muito superior à outros estados. As culturas regionais são muito fortes no Brasil. Há muitas diferenças regionais no País, inclusive de culturas políticas. Então, os capixabas têm sua forma de ser, inclusive politicamente. Repetindo, um pouco conservadora e bem informada na média.

O eleitorado capixaba está sabendo votar?
Sim. O eleitorado está bem informado. Quando ele vota no candidato que a gente acha que está errado, ele tem a razão dele. Mas este negócio de votar porque alguém mandou, acabou; não existe esta história de marido mandar na mulher e indicar quem ela deve votar. Pai mandar o filho votar, ou pastor ou o padre fazerem com que todos votem nele, isso acabou. Vemos hoje uma multiplicidade muito grande de formadores de opinião. Nas famílias mais carentes, observamos que os filhos mais instruídos acabam influenciando muito mais o voto dos pais do que o contrário. Então, você tem uma mudança muito grande sobre o perfil do voto no Estado.

O próximo governador terá que fazer a maioria dos deputados federais nas urnas neste ano. Então como ficará a governabilidade?
O Espírito Santo passou por graves problemas em função do que todos conhecem na Assembleia Legislativa. E o ponto central é a governabilidade. Qualquer que seja o candidato eleito, está em nós conseguirmos formar uma Assembleia imbuída do compromisso de desenvolvimento do Espírito Santo. Enfim, uma Assembleia que tenha valores positivos.

Como suceder um governador com tanta capacidade de gestão e de articulação política?
Sem dúvida o governador Paulo Hartung possui muita articulação e será difícil sucedê-lo. Mas o próprio processo eleitoral já vai definir isso. A Assembleia Legislativa do Espírito Santo é o ponto central, pois ela trata de aumentos salariais e de um conjunto de ações de orçamento. E tem que andar corretamente, pois nós vimos o que aconteceu no final do mandato do ex-Governador José Ignácio, que acabou prisioneiro por suas ações.

Qual é a diferença entre a eleição deste ano e as duas últimas eleições (2002 e 2006) para governador?
Estou terminando um trabalho sobre o governo do doutor Cristiano Dias Lopes, ex-governador do Estado, e observei que há um ponto em comum que o Estado construiu, aquilo que poderíamos chamar de “consenso da necessidade”, ou seja: todos precisavam muito que as coisas andassem melhor. Evidentemente que o governador Paulo Hartung é uma forte liderança, mas essas necessidades ajudaram, assim como foi com o doutor Cristiano em 1967, a solucionar os problemas. O que ocorre a partir desta eleição é que o quadro fica mais amplo. Vemos hoje que o próprio grupo do Paulo Hartung acabou gerando duas lideranças que estão disputando as eleições: Luiz Paulo e Renato Casagrande. É a demonstração de que há olhares diferentes dentro do mesmo grupo. Mas o que faz essa eleição diferente é a construção da convergência, que será mais complexa. Ela depende de mais elementos. Em 2002, ela era mais de natureza política do que vemos nos dias de hoje.

A teoria do “voto útil” tem, de fato, peso no resultado final de uma eleição?
Existe o voto útil. Mas ele desponta com mais força em situações especiais, em disputas apertadas. Por exemplo, quando Mário Covas disputou a eleição com Maluf em São Paulo, em 1998, na reta final sua candidatura foi beneficiária de um certo tipo de voto. Era ele ou Martha Suplicy a enfrentar Maluf no segundo turno. Parece que os eleitores paulistas tiveram mais confiança no força de Covas, e assim acabaram esvaziando, embora ligeiramente, a candidatura de Marta. Covas ficou um pouco acima dela, indo para o segundo turno e derrotando Maluf.

O fato de o eleitorado vir ganhando um perfil preponderantemente feminino e idoso traz ou trará alguma especificidade aos métodos? E às estratégias de campanha?
As mulheres costumam ser mais distantes do campo da política. Por isso, é muito comum que elas definam seus votos mais tardiamente, sobretudo aquelas que pertencem aos setores de menor renda e escolaridade. Mas não creio que questões de gênero venham a mudar de forma muito forte os processos eleitorais e a forma de se obter informações para ele.

A divulgação periódica dos resultados das pesquisas eleitorais influencia o eleitorado? Como e por quê?
A socialização das informações de pesquisas faz parte do processo democrático. Quanto mais o eleitor é bem informado, mais qualificado tende a ser seu voto. Imagine se não pudéssemos acompanhar a disputa acirrada entre Dilma e Serra. Ficaríamos ao sabor das informações dos próprios candidatos. Creio ser essa a maior influência das pesquisas nas eleições. Quanto aos eleitores gostarem de votar em candidatos que vão vencer as eleições, claro que eles existem, mas não creio ser significativo o seu número, a ponto de mudar um resultado.

O avanço das diversas tecnologias trouxe mudanças para as pesquisas? Quais as principais e em que resultaram?
Nosso instituto colhe todas as informações por meio digital, através de pequenos aparelhos que o entrevistador utiliza. Não temos mais questionários em papel. Isso traz muito mais velocidade à produção do resultado. Através dos anos, a tecnologia digital mudou completamente esse setor de trabalho. Imagine que há 50 anos os institutos precisavam de 30 dias para concluir uma pesquisa nacional, que hoje se faz em poucos dias.

Que dicas você deixaria para os candidatos nessa eleição?
Os candidatos precisam estar atentos ao fato de que os eleitores estão cada vez mais bem informados e temos novas mídias, como a internet. O papel das redes sociais também pode surpreender. Assim, a tecnologia vai tornando o processo de informações mais democrático, embora mais fragmentado. É preciso estar atento.

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