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terça-feira, 23 abril, 2024

Empresas e marcas precisam aprender a contar histórias

Tudo começa quando alguém ouve falar de um produto e, ao ser apresentado pelos outros, entra em contato com a marca por meio de uma plataforma

Por Cláudio Rabelo

Imagine que você seja convidado a tomar café em uma casa muito humilde em uma área rural no interior de Minas Gerais. A bebida, preparada com grãos recém moídos e passada por um coador de pano já manchado pelo tempo de uso é servida em uma xícara de metal. A parede que quase magicamente se mantém em pé pelo reboco, suporta quadros de pinturas ou fotografias dos ancestrais, em sépia e tons de cinza. O sofá de molas revestido pelo couro vermelho já descolorido pelo tempo, abriga em seus braços pequenas mantas tricotadas artesanalmente. Um cachorro de porte médio, sem raça definida, saúda o convidado com dois latidos enquanto balança a cauda, coça a orelha com a pata traseira e se deita sobre os seus pés. É possível ouvir as galinhas que ciscam em torno da casa, assim como os mugidos e os sons emitidos pelos grilos que habitam as pastagens. Há ainda, sobre uma mesa de madeira rústica, uma televisão de tubo com dezenove polegadas, equipada com um botão giratório para escolha dos canais. Sobre uma antiga estante repousa uma vitrola, cuja agulha percorre a trilha “No rancho fundo”, um clássico de Chitãozinho e Xororó.

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Sinta, mesmo que mentalmente, o cheiro do café e me diga se a própria atmosfera vivida já não conta uma história por si só. Desde o convite para entrar na casa e sentar no sofá, passando pela sinestesia do café servido, a imersão e a análise do ambiente já contemplam uma narrativa complexa, que vai além do momento da despedida. Há que se compreender que toda experiência passa por um ritual de consumo que pode ser roteirizado, trabalhado e planejado levando em consideração a experiência do usuário como parte de uma jornada.

O contexto descrito me leva a convidar o leitor para a seguinte reflexão: não devemos tratar as ferramentas como fórmulas.

Seja uma ação de live marketing, guerrilha, anúncio digital, blog, evento, merchandising, UX design, assessoria de imprensa, advertainment, brand placement, inbound, SEO, relações públicas, enfim, qualquer ferramenta é contextual e complexa, com inextricável interdependência com as particularidades e fragmentos que formam os públicos. São assim chamadas, ferramentas, pois auxiliam a publicidade na resolução de problemas. São complexas porque derivam de amplo e fundamental conhecimento de ciências humanas, sociais e exatas. Porém há algo aplicável a todas as ferramentas e meios de comunicação: o storytelling.

Engana-se que acredita que o storytelling trata-se de uma arte de contar histórias em sua forma puramente verbal. Falamos com os olhos, com o sorriso ou com o aperto das mãos. Basta comparar a compra on-line de um novo modelo de Iphone, por exemplo, ao nível de ansiedade ao iniciar um relacionamento amoroso. Tudo começa quando alguém ouve falar de um produto e, ao ser apresentado pelos outros, entra em contato com a marca por meio de uma plataforma. Inicia então uma conversa e pesa em uma balança se vale à pena comprar. Aguarda dias para receber a mercadoria em casa e salta de felicidade ao perceber ser este o motivo do interfone tocando. Namora a embalagem e percorre os dedos sobre o relevo seco, o verniz localizado e o hotstamping. Lê as informações externas, retira o plástico protetor e abre a caixa. Demora alguns minutos conferindo os acessórios e analisa esteticamente o manual de instruções. Chama alguém da família pra mostrar como o aparelho é lindo e tenta reduzir a dissonância cognitiva (o desconforto pós-compra) justificando o tanto que a aquisição valeu à pena. Liga o aparelho e aguarda ansiosamente a barra que indica o progresso da configuração. E grita: deu certo! E no pós-compra a marca continuará se relacionando com o usuário por meio do produto: registrará fotografias das refeições, controlará os dados bancários, as compras, as redes de comunicação e expressão, assim como todo o conteúdo consumido.

Em resumo, pessoas, empresas e marcas que desejam criar laços profundos, engajar seus stakeholders e ampliar os níveis de experiência, devem estudar metodologias que envolvam o mapeamento das jornadas de consumo e construção de histórias, incluindo as não verbais, como as embalagens, as vitrines, os pontos de venda e as estruturas de navegabilidade em plataformas on-line.

Cláudio Rabelo é professor de Publicidade e Propaganda na Ufes, pós-doutor em Estudos Culturais e autor do Livro “Faixa preta em publicidade e propaganda”

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