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sexta-feira, 19 abril, 2024

Relaxe, divirta-se, descanse!

Isto não é brincadeira: excesso de trabalho e de compromissos pode matar

Letícia Vieira

“Eu acordava às 7h, arrumava-me, tomava café e já saía para trabalhar. Muitas vezes ficava direto sem almoçar, até as 19h. Depois, ia para casa ajudar no dever escolar das crianças, aprontar o jantar, cuidar das tarefas domésticas, das meninas, e colocá-las na cama. Até que um dia…”

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“Então, eu tive um ataque de frescura?” Foi essa a pergunta feita pela pedagoga paulista Renata Rolim Prudente Ferreira, 40 anos, ao médico que a atendeu no hospital depois de ser levada às pressas pelo marido, queixando-se de dor no peito e muita falta de ar. Após o episódio, uma crise de pânico no trabalho, diversos exames, passagem por psicóloga e psiquiatra e o diagnóstico: depressão e distúrbio de ansiedade.

“Eu não posso estar doente!”, afirmava Renata a si mesma e aos outros, em um processo de negação ao problema, já que sua rotina diária incluía de 10 a 14 horas de trabalho, cuidados com as duas filhas, de 5 e 7 anos, e uma noite de sono de apenas quatro ou cinco horas. “Ainda acordava na madrugada para ir até quarto das meninas saber se estava tudo bem. Meu sono é muito leve”, acrescentou.

Esse relato é apenas um entre tantos ouvidos hoje em dia. Dedicar-se de modo excessivo à profissão se tornou hábito muito comum no século 21, mas não é exclusividade dessa geração. Há tempos convivemos e aplicamos em nossas vidas a ideia de que “o trabalho enobrece o homem”.

Descansar é preciso

A clássica frase do sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) foi adaptada pelo pensador Nelson Barh, que concorda com a máxima, mas defende ser o descanso ainda mais enobrecedor.

Relaxe, divirta-se, descanse!
“Esta síndrome (burnout) vem sendo estudada desde a década de 1970,
e a tendência é que a cada dia mais trabalhadores sofram com a doença” Magda de Oliveira Costa, psicóloga e analista de RH

Os avanços tecnológicos e a constante necessidade de inovações criam pressões sobre o trabalhador, que precisa entregar resultados e se adequar a mudanças com muita rapidez. Uma realidade que exige força física e mental, tanto como nas demais atividades semanais. E é justamente esse cenário que tem gerado situações estressantes, causadoras de exaustão física e emocional.

O fato é que, mesmo em dias de folga, quando realmente deveria haver descanso, dificilmente somos capazes de nos desligar. São convites irresistíveis e compromissos “inadiáveis”, tarefas em casa há muito tempo adiadas e que, exatamente naquela oportunidade de ócio, decidimos que devem ser realizadas com urgência. Isso sem falar daquela pendência no trabalho que pode ser resolvida.

O descanso adequado é extremamente importante para a saúde e o bem-estar, tanto quanto a alimentação saudável e a prática frequente de atividades físicas, garantem os especialistas.

Relaxe!

O sono é essencial para manter a mente equilibrada e o corpo saudável. Dá ao organismo a possibilidade de se regenerar e ajuda a curá-lo. O repouso fortalece o sistema imunológico e pode acrescentar anos de vida.

Sem for insuficiente, a energia para o dia a dia será tirada das reservas. E quando isso acontece habitualmente, é de se esperar resistência mínima às doenças ou mesmo o aparecimento de outras novas. Ansiedade, mau humor, aumento do risco de engordar e aceleração do envelhecimento engrossam a lista de complicações.

O QUE É BURNOUT

O termo burnout (queimar por completo), que só se aplica no ambiente laboral, foi criado pelo psicanalista germano-americano Herbert Freudenberger, em 1974, para descrever o adoecimento que observou em si e em colegas. Sua principal característica é o estado de tensão emocional e estresse crônico provocado por condições de trabalho físicas, emocionais e psicológicas desgastantes.

O assunto merece mesmo atenção. Descansar não se resume a simplesmente dormir de seis a oito horas por noite. A qualidade do sono é muito importante para nos sentirmos renovados, mas também é essencial fazer pausas na rotina quando estamos acordados.

Para alguns, não fazer nada é a melhor opção, enquanto outras pessoas entendem que aderir a uma atividade esportiva ou artística é a melhor maneira de desafogar a mente.

O compromisso com o descanso deve ser o mesmo assumido com o trabalho. Pode ser tanto uma boa noite de sono quanto um momento de lazer, fazendo o que se gosta, aponta o psiquiatra e professor universitário Rodrigo Eustáquio Teles Vieira. “É o que eu digo aos meus pacientes inclusive: o descanso é uma necessidade física e psíquica. É o momento em que recarregamos nossas energias”, completou.

O processo do sono é composto por cinco etapas

Primeira fase
Adormecimento. Pode durar até 15 minutos. É uma espécie de zona intermediária entre estar acordado e dormindo. O cérebro produz ondas irregulares e rápidas, a tensão muscular diminui, e a respiração se torna mais leve.

Segunda fase
Sono mais leve. A temperatura e os ritmos cardíaco e respiratório diminuem, e o indivíduo é definitivamente conduzido ao limite entre estar acordado e dormindo.

Terceira fase
O corpo já começa a entrar em um sono profundo, no qual as ondas cerebrais diminuem o ritmo.

Quarta fase
Sono profundo. O corpo repõe as energias do desgaste diário. O organismo libera os hormônios ligados ao crescimento e executa o processo de recuperação de células e órgãos.

Quinta fase
Quando a atividade do cérebro acelera e inicia o processo de formação dos sonhos.
É o estágio em que o cérebro faz um tipo de faxina na memória, guarda as informações
importantes recebidas durante o dia e joga fora as desnecessárias.

Na avaliação do médico, a falta de sono pode, associada a outros fatores como questões pessoais e genéticas, levar a problemas ligados à saúde mental. “É comum o aparecimento de transtornos de humor, entre eles a depressão e a Síndrome de Burnout”, advertiu.

Alertas do corpo

Sintomas que antecedem quadros mais graves como ansiedade, desânimo, irritabilidade, baixa autoestima, dificuldade de dormir, palpitação e fadiga, entre outros, devem ser observados. É necessário ficar de olho nos sinais manifestados pelo corpo, complementa o especialista.

No entanto, mesmo com a elevação no número de relatos, minimizar as primeiras ocorrências, ou não lhes dar a devida atenção, é mais comum do que se imagina. Vieira enfatiza que ainda hoje as doenças relacionadas à saúde mental são estigmatizadas pela população. Mesmo com tantos avanços nos estudos dos casos, o desconhecimento da população ainda se mantém forte.

E a pedagoga Renata passou por isso. Encarou os sintomas físicos com tanto preconceito a ponto de ouvir de mais de um médico que seu caso era mais sério do que imaginava. Um ataque de frescura foi a primeira coisa que ela conseguiu pensar, em maio de 2018, quando surgiram os primeiros indícios. O problema evoluiu, gerou uma crise de pânico fora de casa, e Renata passou meses afastada da função de coordenadora pedagógica em uma escola, sem nem mesmo conseguir sair de casa sozinha.

FORA DO TRABALHO

Motivos que fazem profissionais pedirem afastamento no Brasil

MotivoAfastamentos por ano
Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (exemplo: lesão por esforço repetitivo)721.167
Lesões (exemplo: acidente de automóvel)480.354
Transtornos mentais (exemplo: depressão)214.397
ENTRE OS TRANSTORNOS MENTAIS
1 - De humor, como depressão
2 - Neurótico, como síndrome do pânico
3 - Devido ao uso de substâncias psicoativas, como cocaína

O tratamento envolveu medicamentos, tomados até hoje, aumento da qualidade e tempo de sono e atenção aos momentos de descanso voltados para o próprio bem-estar. Hoje não sente vergonha nem dos sintomas nem de compartilhar sua história. Renata conta que dividir tudo o que passou é uma forma de ajudar quem está passando pela mesma situação. “Minha história pode servir de alerta e ajudar. E isso é muito importante”, afirma.

Síndrome de Burnout

Uma vida profissional desgastante e sobrecarregada pode levar o indivíduo
a desenvolver um quadro de esgotamento físico e mentalconhecido como a doença o século 21, a Síndrome de Burnout.

A exaustão especificamente relacionada ao ambiente de trabalho se tornou motivo de preocupação em todo o planeta e, não por acaso, passou a constar no documento de referência de doenças usado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o ICD-10, ainda na década de 1990. Nele, o burnout se enquadra na categoria de “problemas relacionados a dificuldades de gestão da vida”. Sua definição é breve e direta: estado de exaustão vital.

Ainda segundo a entidade internacional, problemas associados à saúde mental no trabalho acarretam queda de produtividade, que resulta em perda de US$ 1 trilhão por ano no mundo. No Brasil, conforme estudo da Escola de Economia de Londres de 2016, a depressão no meio laboral faz o país ter prejuízo de US$ 63,3 bilhões, o que o torna o vice-líder nesse ranking negativo, atrás apenas dos Estados Unidos, onde o mal é considerado problema de saúde pública.

“É o que eu digo aos meus pacientes: o descanso é uma necessidade física e psíquica. É o momento em que recarregamos nossas energias”
Rodrigo Eustáquio Teles Vieira, médico psiquiatra e professor universitário

Ainda no Brasil, a Associação Internacional de Gestão de Estresse estima que 32% dos profissionais padeçam desse esgotamento.

“A síndrome vem sendo estudada desde a década de 1970, e a tendência é que um número maior de trabalhadores sofram com ela, pois o mundo corporativo cobra cada vez mais resultados, e a pressão só tende a aumentar”, avalia a psicóloga e analista de RH Magda de Oliveira Costa.

A psicóloga ainda pontua que, segundo a OMS, a depressão será a doença mais incapacitante do mundo até 2020, e o trabalhador exposto de forma prolongada aos estressores emocionais oriundos do quadro organizacional pode vir a desenvolver a sucumbir à agressiva estafa.

De acordo com a psicóloga os sintomas da síndrome de burnout podem ser fisiológicos, psicológicos e na conduta organizacional. No primeiro, ocorrem cansaço, fadiga, distúrbios do sono, falta de apetite e dores musculares e de cabeça.


Cinco dicas importantes para o seu bem-estar
Transforme momentos de descanso em algo benéfico para sua mente e seu corpo!

Não tenha vergonha do lazer
Ser um workaholic é prejudicial. Se não agora, com certeza no futuro.

Crie momentos de descanso
Organize seus compromissos e se obrigue a momentos de lazer e descanso na sua agenda.

Mexa-se
Crie uma rotina de exercícios! Vença a preguiça.

Estimule o ócio criativo
Fuja de sentimentos que aumentam a ansiedade e sabotam o descanso. Exercite a mente com atividades que dão prazer!

Regule seu sono
Tenha boas noites de sono. Não vale acordar com a sensação de que está mais cansado do que quando se deitou.

Na área psicológica, verificam-se sentimentos de irritabilidade, ansiedade, depressão, frustração e respostas rígidas e inflexíveis.

“Na conduta aparecem expressões de hostilidade, incapacidade para se concentrar no trabalho, aumento de conflitos interpessoais, ausência ao local de serviço, fazendo longas pausas de descanso, aumento do absenteísmo, apatia frente à empresa, baixa qualidade do trabalho, com maior probabilidade de cometer erros”, conclui Magda.

Brasileiro dorme mal

Quase a metade da população do Brasil não tem o repouso adequado. Pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de Neurofisiologia, com 22.518 pessoas, constatou que 45% dormem mal, 32% demoram muito tempo para iniciar o sono, e 52% acordam cansados.

Na América Latina, a população está consciente do impacto do sono sobre a saúde e o bem-estar geral, no entanto, a maioria dorme menos que o recomendado, em média sete a oito horas, e sem obedecer a um horário fixo para se deitar. Essas e outras constatações foram reveladas em “Dormir Bem, Bom para a Saúde: um olhar global sobre a nossa persistente falta de sono”, estudo da Royal Philips (NYSE: PHG, AEX: PHIA).

Ainda de acordo com o levantamento, o sono é mencionado como um hábito que afeta a saúde geral e o bem-estar no Brasil (68%) e Argentina (54%), e está entre os principais fatores na Colômbia (61%) e México (74%), assim como a prática de exercícios físicos e segurança financeira.

Com apenas uma noite maldormida, os latino-americanos mencionaram como consequência cansaço (56%), falta de concentração (45%) e dores físicas como de cabeça, de pescoço e cólicas (43%). Então, relaxe, durma bem e viva melhor!

Esta entrevista é uma republicação exibida na Revista ESBrasil – janeiro/2019, produzida pela jornalista Letícia Vieira e atualizada em 2021. Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi originalmente escrita.

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