Portos do ES são estratégicos para o comércio internacional, mas insegurança regulatória, infraestrutura, burocracia e concorrência preocupam
Por Kikina Sessa
Além de possuir uma vocação natural para o comércio exterior, o Espírito Santo é referência entre os estados da costa brasileira por ter sido o único a se organizar, ainda em 1970, antes mesmo da lei de modernização dos portos, com a aprovação de um benefício fiscal para atrair empresas e movimentar as importações e exportações em território capixaba.
Essa vantagem é expressa no grau de abertura comercial, indicador que mede a intensidade das relações comerciais com outros países, calculado a partir da soma das exportações e importações, dividida pelo valor do Produto Interno Bruto (PIB). O Espírito Santo se destaca por ter um grau de abertura econômica superior ao dobro da média nacional, evidenciando sua integração nas cadeias de valor globais e sua relevância no comércio internacional. Essa característica não apenas aumenta a competitividade e promove a inovação nas empresas locais, como também atrai investimentos e gera empregos. Por outro lado, é necessário equilibrar os benefícios e os desafios, como a dependência de mercados externos e a concorrência com produtos importados, para garantir um desenvolvimento sustentável.

“Nos números oficiais analisados pelo Instituto Jones é possível verificar que o estado do Espírito Santo tem um grau de abertura econômica maior do que o Brasil. Em alguns trimestres, nosso estado apresenta mais que o dobro da média nacional nesse quesito. O ES está fortemente conectado com o que acontece na economia mundial e isso ocorre devido à sua vocação logística. O estado tem uma estrutura portuária que vem se aprimorando, por exemplo, com a privatização do porto de Vitória, agora Vports, com a modernização dos outros portos – Tubarão, Ubu, Portocel, sem falar nos empreendimentos que estão em projeto ou andamento, como o da Imetame, em Aracruz, o Porto Central, em Presidente Kennedy, e outros grandes projetos da plataforma logística portuária – e também com avanços como a implantação da ZPE em Aracruz Tudo isso vai trazer uma dinâmica ainda maior e tende a intensificar a já grande conexão do estado com a economia global”, analisa Pablo Lira, diretor-presidente do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN).
A diversificação das operações portuárias é outro ponto forte do Espírito Santo, com capacidade para movimentar diferentes tipos de carga, como granéis sólidos, líquidos, contêineres e carga geral. Essa versatilidade operacional contribui para atrair empresas de variados setores, consolidando o Espírito Santo como um importante ponto de apoio para o comércio exterior brasileiro, aponta relatório do Connect Fecomércio-ES.


Com seis portos em operação ao longo dos 417 km de seu litoral e localizado a um raio de 1.200 quilômetros de distância de onde se concentram 60% do PIB nacional – conjuntura que fortalece a atuação do Espírito Santo como um hub logístico internacional -, os desafios para manter a competitividade não são poucos.
Apesar de todo esse potencial para o comércio exterior, o Espírito Santo acabou sofrendo com insuficiências em sua infraestrutura, não tendo a mesma oportunidade que outros estados tiveram, o que prejudicou os portos capixabas.
“A infraestrutura logística do estado e do país precisa ser vista de forma integrada. Ferrovias, rodovias, portos e aeroportos, quando combinados, formam um sistema poderoso de infra logística. Pensar isoladamente o Espírito Santo é um equívoco”, comenta o presidente da Federação das Indústrias (Findes), Paulo Baraona, frisando que nos últimos anos tem sido feito um intenso trabalho para preparar essa infraestrutura necessária, principalmente no que se refere ao modal ferroviário.
“Nós estamos olhando para o Espírito Santo como uma solução logística de importação e exportação para o Brasil”, disse Baraona, para quem essa integração dos diferentes modais é fundamental.
O presidente do Sindicato do Comércio de Exportação e Importação do Espírito Santo (Sindiex), Sidemar Acosta, reforça a importância da infraestrutura para o escoamento dos produtos. “Já temos mais de três milhões de metros quadrados de área construída de armazéns dentro da Grande Vitória e mais no interior do estado. Temos um novo porto (Imetame) que promete estar operando em 2026. Temos uma ZPE que também promete estar operando em 2026, e precisamos de estradas para escoar os produtos”, pontua.

O complexo portuário que está se formando em Aracruz, no litoral norte do Estado, onde está sendo construído o Imetame Logística Porto, foi comparado pelo presidente do Sindiex a uma miniatura de como é Santos hoje. “Santos é muito maior do que o complexo que está sendo estruturado em Aracruz, só que nós vamos ter algo que Santos não tem, que é uma ZPE do lado, e isso vai ajudar as empresas a terem seus negócios mais voltados para a região. Essa ZPE é totalmente privada e chega com um modelo moderno, dentro da legislação, que permite trabalhar tanto para o mercado externo como para o mercado interno”. Outra vantagem é que em Aracruz o mar é aberto, uma operação mais simples que a do Porto de Santos, cujo acesso se dá por um canal.
Carla Fregona, especialista em Direito Marítimo, reforça que “limitações de calado e acessibilidade afetam a eficiência portuária e investimentos em dragagem, ampliação de cais e logística são essenciais”.
Acosta acredita que pelos projetos de infraestrutura que estão em andamento, como novos portos, duplicação de rodovias e ampliação de ferrovias, o Espírito Santo vai manter sua vocação e se consolidar como um hub para entrada e saída de mercadorias.
“Eu acho que a gente apostou muito na nossa potência fiscal e nos benefícios, achando que eram suficientes. Mas mesmo assim, com as dificuldades, com todos esses entraves que temos, a gente ainda é um grande hub internacional com uma diversidade muito grande, a exemplo de veículos, aeronaves, vinhos, cosméticos, máquinas e equipamentos de um modo geral”, reforça o líder empresarial.
Crescimento e novos mercados
Estudo sobre a expectativa de movimentação portuária para os próximos anos, divulgado pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), mostra que a tendência de alta na movimentação portuária brasileira deve continuar.
A projeção é de que a movimentação alcance 1,33 bilhão de toneladas em 2025, um crescimento de 1,1% em relação a 2024.
Responsável por movimentar cerca de 25% das mercadorias importadas e exportadas no país, o Espírito Santo deve apresentar resultados ainda mais animadores, já que vai ampliar seu complexo portuário com dois novos portos e ganhar melhorias em outros, como o de Barra do Riacho, operado pela Vports, que passa por sua primeira dragagem.

Veículos devem continuar se sobressaindo entre os produtos importados pelos portos capixabas, disse o presidente do Sindiex. Na exportação, destacam-se produtos como minério de ferro, café, pedras naturais e celulose. “Não queremos que saiam ou que cheguem dos portos capixabas só produtos capixabas. Podemos ajudar os outros estados que não têm portos, a exemplo de Minas Gerais. Por isso a infraestrutura é tão importante”, reforçou Acosta.
Uma parceria comercial que deve ser fortalecida nos próximos anos, na avaliação do presidente do Sindiex, é a do Espírito Santo com a Argentina. Uma das vantagens é que, como países do Mercosul, não há o pagamento do imposto de importação, apenas o de industrialização (IPI). Hoje, os principais produtos vindos da Argentina são veículos (Ford, Volks, Mercedes, Toyota, Renault, Fiat) e malte. Na ida, tem minério, café e outros produtos do agro.
O Brasil tem conquistado novos mercados em diversos países e isso está possibilitando a aproximação com nações fora do eixo América/Europa. África, Ásia e Oriente estão entrando na rota do comércio exterior. Em julho de 2024, por exemplo, a Cooperativa Agrária dos Cafeicultores de São Gabriel (Cooabriel) exportou pela primeira vez 21 contêineres de café conilon para a Índia.
O presidente do Sindiex é otimista quanto ao futuro. A seu ver, os mercados emergentes representam uma grande oportunidade: “Países da África, Ásia e América Latina têm demonstrado crescente demanda por commodities brasileiras. O continente africano, por exemplo, tem aumentado o consumo de produtos minerais, enquanto mercados como Vietnã, Indonésia e Índia apresentam potencial para o desenvolvimento de cadeias produtivas sofisticadas ligadas à tecnologia e manufatura”, conclui.
*Matéria publicada originalmente na revista ES Brasil 226, especial de Portos, que circula em abril de 2025. Leia a edição aqui