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segunda-feira, 15 abril, 2024

A magia do ginasial

 Genuínos encantos da juventude parecem esquecidos nos bancos da escola

Por Sidemberg Rodrigues

 Lembro-me de uma garota do colégio, a Rosemary: cabelo ao vento, olhar curioso e nenhuma joia. Roupas despojadas e um aroma de colônia; presença simples, mas fascinante. Sua cultura geral e independência davam pouca importância ao olhar do outro. Seu encanto estava na naturalidade e na liberdade de ser quem era. Reencontrei Rose quarenta anos depois, com quase sessenta. Rugas na testa e ao redor dos olhos.

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A beleza original e o perfume eram os mesmos. Sua firmeza e leveza denunciavam boas escolhas na vida e paz. No ginásio havia muitas assim. Distintas no biótipo e em peculiares matizes femininos tinham sonhos comuns nos quais não pesavam a necessidade de superar, de se acasalar e nem o medo de envelhecer. Eram cultas, pouco competitivas e minimamente vaidosas.

Com o tempo, a ditadura da beleza imposta por padrões de um consumo cada vez menos consciente, projetou-se como um espectro. Afugentou o velho, o doente e o diferente, como se fossem proibidas ocorrências naturais da vida. Novos preconceitos ganharam força e antigos oxigenaram-se com a exumação do fascismo. A mídia, amplificada pela internet, favoreceu uma nova escravidão: a submissão à torturante cruzada estética. O rentável império ‘antiage’ foi erguido como se fosse possível frear o tempo. O etarismo e a desvalorização da experiência se consolidaram: muitos substituídos como peças nas esferas profissional e pessoal. Futilidade e angústia. Haja vista a insatisfação garantida pela busca das aparências, além do autoengano dos que tiveram sucesso financeiro e se sujeitaram à condição de ‘sugar dads & moms’ comprando juventude.

Muitos trocam sua liberdade pelo financiamento da própria plástica, inflando o ‘mercado da carne’. Intervenções cirúrgicas e procedimentos estéticos denunciantes tornaram-se moda. Sobrancelhas repuxadas, lábios hiperbólicos, injeções deformantes e muito mais dedicação em trincar o abdômen do que em energizar o cérebro. Mentes que se nutrem de resumos pasteurizados, anexos chulos e ‘faketudo’.

As academias tornaram-se obsessão e o hedonismo graduou-se em exibicionismo, patrocinado pelo hipercapitalismo, que estimulou os excessos comparativos da competição insana. Falsidade e inveja. Farto conteúdo para a sociedade do espetáculo. E os exageros estéticos não pouparam gênero. Às barbas impecáveis, harmonizações narcisistas e dancinhas esdrúxulas somam-se letras melodramáticas de trilhas sonoras vitimistas que inspiram rapazes mimados e machistas a ‘coisificar’ as mulheres, servas de uma virilidade regada a energéticos – no mesmo mercado que sexualiza crianças e infantiliza adultos. Estes matam se contrariados…

Falta limite; sobra letargia moral e intelectual. Escoa o propósito pelo ralo do vazio existencial que rasga o peito do século XXI. Talvez, a lente do passado conflite com os filtros artificiais de uma era guiada por um tempo tecnológico que subjuga o ritmo orgânico. Nessa nova ordem pode ser raro encontrar a originalidade, a real beleza e a paz do ginasial.

Sidemberg Rodrigues é Professor de Sustentabilidade em cursos MBA, escritor e cineasta

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