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terça-feira, 16 abril, 2024

A logística das perdas

A logística das perdas

Problemas em infraestrutura de estradas, portos, ferrovias e aeroportos fazem o Espírito Santo perder pelo menos R$ 2,5 bilhões ao ano e atrasam desenvolvimento

“Seja na terra, seja no mar…” Esse trecho do hino de um tradicional clube brasileiro poderia servir para demonstrar a realidade que o Espírito Santo vive, quando o assunto é a infraestrutura logística em estradas, ferrovias, portos e aeroportos. Poderia, se a sequência fosse a mesma. No entanto, em vez de “vencer, vencer, vencer”, como cantam os flamenguistas, o que tem acontecido na economia capixaba nesse quesito, tanto na terra quanto no mar, é perder, perder, perder… E perde-se muito. Tanto que fica até difícil calcular. “Não dá para mensurar, mas é muito dinheiro. Esse é o maior problema para o desenvolvimento do estado, hoje, sem dúvida alguma. É muito sério, pois vários investimentos não vêm para cá por conta disso”, avalia Luiz Fernando Mello Leitão, professor de Planejamento Estratégico da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

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Esse problema, no entanto, não é uma exclusividade capixaba. Segundo um levantamento da Fundação Dom Cabral (FDC), de Belo Horizonte (MG), os custos logísticos representam, em média, pouco mais de 13% das receitas das empresas brasileiras, ou cerca de 12% do PIB nacional. Já nos Estados Unidos, essa relação é de 8% do PIB. Com esses números, José Carlos Chamon, membro do Conselho de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), arrisca uma estimativa: “Se a logística brasileira tivesse o mesmo desempenho da americana, o País teria uma economia de R$ 83,2 bilhões ao ano. Como o PIB do Espírito Santo gira em torno de 3% do PIB nacional, podemos estimar nossa perda em torno de R$ 2,5 bilhões ao ano, se comparado ao modelo modal dos Estados Unidos”.

Mas essa, talvez, seja uma projeção otimista, pois a realidade pode ser ainda pior. Afinal, segundo o professor Leitão, da FGV, se for feito um estudo comparativo, os percentuais de perdas e custos para o Espírito Santo serão maiores que as médias nacionais. “O nosso estado depende muito da logística. Por suas características, a logística é onde mais deveríamos ter competitividade e não temos. Para outros estados, a logística representa pouco, ou é muito melhor do que a nossa”, justifica.

O atraso capixaba, nesse caso, começa pela área portuária. Com a mudança no conceito mundial de navegação, que hoje apresenta grandes navios fazendo o transporte transcontinental, o Porto de Vitória não tem capacidade para receber embarcações maiores. Assim, cargas da Ásia, da Europa e dos Estados Unidos passam primeiro pelo Rio de Janeiro para, depois, chegar a Vitória, via transbordo. É um desvio que encarece os produtos, toma tempo dos empresários e tira competitividade do estado. “Por isso, o maior gargalo hoje é a inadequação do nosso porto à nova realidade da navegação mundial”, constata o subsecretário de Logística de Transportes da Secretaria de Estado de Transportes e Obras Públicas (Setop), Valdir Antônio Uliana.

Dos portos, os problemas se estendem às rodovias federais, tanto a BR 262 quanto a BR 101. Sucateadas, utilizadas bem acima da sua capacidade, elas deveriam ter sido duplicadas há muito tempo. O estudo da FDC, citado por Chamon, revela o grande peso da matriz rodoviária no transporte de cargas no Brasil. Sozinho, o custo do transporte rodoviário para as empresas é de 5,5% do PIB. O País tem 65,64% do total de toneladas por quilômetro útil (TKU) feito por rodovias. As ferrovias representam apenas 19,49% do TKU. Já os Estados Unidos transportam 38% do TKU por ferrovias e só 28% por rodovias. Enquanto isso, no Espírito Santo, além das más condições das rodovias federais, há apenas a ferrovia da Vale, tida como uma das mais eficazes do mundo, mas quase que exclusivamente dedicada ao minério.

E não adianta olhar para o céu, à espera de uma solução. O aeroporto de Vitória é um dos principais gargalos da infraestrutura do estado nos últimos anos. Apesar de melhorias recentes no terminal de passageiros, as condições de pouso deixam a desejar. “O terminal de passageiro é o que aparece, mas o maior problema é a pista, que é uma das piores do Brasil”, pontua o professor Luiz Fernando Leitão.

Bola de neve
Para o Sindicato do Comércio de Importação e Exportação do Espírito Santo (Sindiex), essa situação tira competitividade do Espírito Santo. O presidente da entidade, Severiano Imperial, lamenta a ausência de vôos de cargas no aeroporto de Vitória, por causa do tamanho da pista, e a desistência dos principais armadores de longo curso, que não realizam operações pelo porto público da capital por falta de infraestrutura adequada. “Para se ter uma ideia, em média, uma empresa espera entre 13 e 17 dias para movimentar suas cargas nos portos, segundo o Banco Mundial. A referência é Cingapura, onde o prazo máximo é de cinco dias. No Porto de Vitória, um contêiner vindo da Ásia leva em torno de 65 dias. Isso se torna uma bola de neve, que acarreta a perda de negócios e altos custos no frete marítimo e terrestre”, lamenta.

Diante desse quadro, Luiz Fernando Leitão vê os portos, aeroportos e rodovias como a linha básica dos gargalos e destaca que eles são interdependentes. Ou seja, não adianta resolver o problema do porto e não o da rodovia. “São três problemas que, na verdade, são um problema só. Porque qualquer um dos três que se resolva acaba impactando qualquer um dos outros dois. Imagina resolver o problema dos portos e não ter rodovias para escoar, ou para chegar a carga”, explica o professor da FGV.
Opinião semelhante à do representante da Findes, que menciona a existência de sete portos no estado, além da construção prevista de mais alguns. “Os grandes gargalos são as vias de acesso dos portos aos principais eixos rodoviários do País, as BRs 101 e 262, e o problema de calado na Baía de Vitória”, aponta José Carlos Chamon.

Ele entende que os gargalos são causados, principalmente, pela falta de investimentos da União no aeroporto, nas ferrovias e em interligação modal. “No que se refere aos investimentos federais, estamos parados na década de 70”, critica.

Investimentos
Do lado estadual, o esforço para reverter esse quadro tem resultado em medidas como o anúncio do Programa de Desenvolvimento Sustentável (Proedes) – Integração Logística, que prevê investimento de mais de R$ 3 bilhões em novas rodovias, instalação de ferrovias, portos e aeroportos regionais em Cachoeiro de Itapemirim, Linhares, Colatina e Guarapari. “Estamos tratando todos os eixos estratégicos de ligação em que o Estado pode atuar. São eixos logísticos que nos ligam aos estados vizinhos e os estados vizinhos, aos nossos portos”, afirma o subsecretário da Setop, Valdir Uliana.

Ele diz que a duplicação da BR 101 está equacionada, após a concessão da rodovia, em maio deste ano, à Eco 101 Concessionária de Rodovias S.A., representante do consórcio Rodovia da Vitória, que venceu o leilão realizado em janeiro de 2012. Já a BR 262 deve ser licitada no próximo lote federal e um trecho, de Viana até Vitor Hugo, será duplicado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit), possivelmente em agosto.

No setor ferroviário, a expectativa é de implantação da Estrada de Ferro (EF) 118 Vila Velha-Rio de Janeiro e da EF 354 Campos-Goiás, com extensão até Mato Grosso e, futuramente, ao Pacífico (Peru). As obras serão realizadas pela União, em parceria com a iniciativa privada. A EF-354, ligando Goiás ao Norte do Rio de Janeiro, escoará os produtos do agronegócio e passará por algumas regiões de produção mineral, trazendo as cargas para os portos do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. Ela vai ser complementada pela EF-118, que permitirá ao estado receber em seus portos as cargas do cerrado e a produção mineral.

O governo do Estado espera que a EF 118 seja estendida até Linhares e que, no trecho capixaba, tenha uma bitola mista, o que permitiria a circulação de trens da Vale. As duas ferrovias estão em fase de audiência pública, para elaboração dos projetos, e os prazos de implantação são de até 5 anos e meio.

Polos regionais
A região Norte do Estado também deve se beneficiar com investimentos portuários, dentro do conceito de plataformas logísticas. O objetivo do governo é criar polos de desenvolvimento regional. Um exemplo é o porto de São Mateus, da mineradora Manabi, que pode viabilizar um polo logístico naquela região. “Já há planos de ampliar o aeroporto de Linhares e, agora, também teria um porto próximo. Também há importantes indústrias naquela região, para formar um polo logístico”, diz o subsecretário.

Situação semelhante é a da região Central, onde a Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa) está concluindo o estudo para um porto de águas profundas, que pode ser âncora de uma série de investimentos ao seu redor. Junto ao porto, estão previstos centros de distribuição e terminais de triagem de cargas, estações aduaneiras, indústrias de transformação de produtos e um terminal de carga aérea. Futuramente, a Ceasa poderá ser deslocada para as proximidades. O objetivo é implantar um complexo logístico, com uma plataforma planejada e integrada aos municípios vizinhos, incluindo reservas de áreas para garantir um crescimento ordenado e evitar que o porto, ou a plataforma, seja sufocado pela ocupação urbana.

Outro porto vai atender a região de Presidente Kennedy, no Sul do estado, em uma parceria do grupo brasileiro Polimix Concreto e da Nova K Logística com o porto de Rotterdam, da Holanda, que terá uma capacidade instalada final de quase duas vezes a do porto de Santos (SP), até o final dos anos 20. “É um superporto, escolhido por Rotterdam para ser a referência deles na América do Sul”, destaca Uliana. O Departamento de Estradas de Rodagem (DER) projeta a construção de uma nova rodovia entre a BR 101 e a região do porto, que também será atendido por um ramal da EF 118.

Otimismo
Apesar das perdas e do atual quadro negativo, o anúncio de novos investimentos até permite certo otimismo. José Carlos Chamon, que também preside o Sindicato das Indústrias da Construção Pesada do Espírito Santo (Sindicopes), calcula que, entre julho de 2013 e dezembro de 2014, cheguem a cerca de R$ 2 bilhões os investimentos para obras rodoviárias, portuárias e de infraestrutura urbana no Espírito Santo, dos quais R$ 700 milhões já estão contratados. Além das ações estaduais, ele acrescenta que há projetos federais para rodovias, ampliação do Cais de Vitória e mais dois berços em Vila Velha, no Cais de Atalaia. “O investimento no setor portuário e a melhora da malha rodoviária de acesso vai ser um forte indutor, para transformar o Espírito Santo em uma nova fronteira da indústria naval”, diz.

No Sindiex, no entanto, o otimismo ainda é contido. “Para que o Estado possa se tornar competitivo, é necessário que os projetos de investimentos nos modais saiam do papel. Até agora, o que andou, depois de processos judiciais, foi o projeto da BR 101. Os demais continuam parados”, pondera Severiano Imperial. Além disso, ele lembra que os investimentos no Porto de Vitória, como as obras de dragagem, não irão solucionar o impasse da entrada de navios maiores, que é um pleito antigo do setor exportador e importador capixaba.

O subsecretário Valdir Uliana admite que, no curto prazo, a situação não é animadora, pois perdeu-se tempo para melhorar as condições da logística capixaba e o Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias (Fundap) escondia um pouco as deficiências. Ele destaca, porém, que a nova Lei dos Portos permite aos terminais privados competir com qualquer outro porto do Brasil, inclusive com os portos públicos, e não operar exclusivamente cargas próprias. Essa mudança produz um novo cenário. “Felizmente, no momento em que uma nova legislação é aprovada, o estado está com um planejamento de investimentos privados que podem nos manter na competitividade mundial como provedores de logística”, comemora.

Para o professor de Planejamento e Logística da FGV, se os investimentos necessários forem mesmo realizados, o crescimento será imensurável. “Com certeza, seria outro Estado. A nossa localização geográfica é privilegiada. Em um raio de mil quilômetros, temos 80% do PIB nacional. Então, o Espírito Santo poderia escoar muito mais e receber muito mais. Teria condições de trazer grandes plantas industriais, que hoje não vêm por conta da logística. Se tivesse uma capacidade logística um pouco melhor – não precisaria nem ser a ideal –, já seria outro estado”, afirma Luiz Fernando Leitão.

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