Como o mundo chegou ao ponto de transformar uma banana em um símbolo da ostentação e relegar a miséria humana à invisibilidade?
Por André Gomyde
Era uma vez, no fabuloso mercado da arte contemporânea, um evento que só poderia ser descrito como um espetáculo tragicômico. Uma banana, simples, amarelinha, fixada à parede com fita adesiva, foi transformada em “obra de arte” pelo italiano Maurizio Cattelan. O preço dessa epifania tropical? Nada menos que 6,2 milhões de dólares. E quem se apressou a comprá-la? Justin Sun, milionário de Hong Kong, que, num ato de surrealismo digno de Dalí, resolveu… comer a obra-prima.
Enquanto as redes sociais ferviam com memes, debates sobre o valor da arte e piadas infindáveis sobre a digestão milionária, uma outra notícia passou despercebida – ou, para ser mais preciso, foi solenemente ignorada. O Médicos sem Fronteiras, organização que tenta salvar vidas em regiões onde o luxo é ter um prato de comida, fazia um apelo desesperado por doações. No momento em que a banana de Cattelan descia pelo sistema digestivo de Sun, milhares de crianças africanas lutavam contra a fome, doenças e um futuro que se desintegrava diante da indiferença global.
E aí nos perguntamos: que valores são esses? Como o mundo chegou ao ponto de transformar uma banana em um símbolo da ostentação e relegar a miséria humana à invisibilidade? Talvez a resposta esteja na fita adesiva que segurava a fruta na parede. Um material frágil, mas poderoso, que não só sustentou a obra, como também simbolizou o quanto nossos valores estão colados por linhas tênues, prontas para desabar ao menor sinal de egoísmo ou estupidez.
A mídia, por sua vez, tratou o episódio da banana com todo o glamour que a bizarrice merece. Manchetes exaltando a criatividade do artista e o “humor refinado” do comprador invadiram jornais, revistas e redes sociais. Já o apelo do Médicos sem Fronteiras? Enterrado em algum rodapé de site, sem cliques, sem likes, sem milhões de dólares. Afinal, o sofrimento não é “instagramável”.
O trágico é que a história da banana não é uma exceção. Vivemos em um mundo onde o fútil é glorificado enquanto o essencial é esquecido. O hilário – e ao mesmo tempo terrível – dessa narrativa é que talvez estejamos todos comendo essa mesma banana. Não literalmente, claro, mas ao tolerarmos um sistema que prioriza o supérfluo em detrimento da dignidade humana.
No fim, Justin Sun não comprou apenas uma banana. Ele comprou o direito de mostrar ao mundo que o dinheiro pode tudo, inclusive transformar um alimento perecível em manchete internacional. E enquanto isso, o resto de nós fica com uma única certeza: estão nos dando uma banana. Só nos resta decidir se vamos continuar aceitando.
André Gomyde é presidente do Instituto Brasileiro de Cidades Humanas, Inteligentes, Criativas e Sustentáveis e Mestre em Administração pela FCU, nos Estados Unidos. Instagram: @andre.gomyde