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quinta-feira, 18 abril, 2024

Drogas em debate: Es Brasil abre espaço para discussão

Drogas em debate: Es Brasil abre espaço para discussão

Como vencer a verdadeira epidemia que se tornaram as drogas na sociedade? Como minimizar os impactos econômicos deste mal? Como evitar que trabalhadores se afastem de suas funções por causa da dependência química? Para responder a essas e outras perguntas, a Revista ES Brasil promoveu, no dia 27 de junho, mais uma edição do ES Brasil Debate, com o tema “As Drogas e seu impacto na economia”. O evento reuniu cerca de 100 pessoas no auditório do Bristol Century Plaza, em Camburi, Vitória.

 

A mesa debatedora foi formada por nomes de destaque da área empresarial e do setor público. Participaram o Gerente de Comunicação Interna e Externa, Responsabilidade Social e Relações Institucionais da ArcelorMittal Tubarão, Sidemberg Rodrigues; a diretora de Estratégia e Gestão da Associação Brasileira de Recursos Humanos Regional Espírito Santo (ABRH-ES), Jovaneide Sales Polon Batista; o Coordenador Estadual de Políticas Públicas sobre Drogas, Ledir Porto; o Juiz da Vara da Infância e da Juventude, Vladson Bittencourt ; o Diretor Conselheiro do Centro Terapêutico Lighthouse, Pastor Waldemar Rocha Junior e o Secretário de Estado da Saúde, José Tadeu Marino.

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No primeiro Es Brasil Debate de 2013, a discussão acalorada em torno do tema ‘drogas’ envolveu não só os debatedores, mas também o público que acompanhou o evento. A rara oportunidade de levantar um diálogo multisetorial no sentido de combater um inimigo comum possibilitou que muitas idéias e opiniões fossem compartilhadas. “O debate, com a participação das pessoas que têm interesse nesse tema, pode apresentar propostas. Através da construção de diálogos é que surgem soluções”, afirmou o Secretário de Estado da Saúde, Tadeu Marino.

Para o Coordenador Estadual de Políticas Públicas sobre Drogas, Ledir Porto, este tipo de diálogo é extremamente oportuno e atual. “Esta é uma chance para distribuir a responsabilidade, que afinal é de toda a sociedade, que de alguma forma é vítma do crescimento do uso das drogas. A sociedade precisa se mobilizar para combater o problema”, disse.

Drogas em números

A triste realidade das drogas no meio corporativo fica ainda mais contundente quando é exposta por meio de números. Segundo Ledir Porto, dados do Ministério da Justiça apontam que o Brasil, hoje, é o maior consumidor de crack do mundo. “O Brasil é o número um do mundo em consumo de crack, e ele não tem classe social. O está na cobertura, na burguesia, na periferia… ele nivelou a sociedade”, afirmou. A Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas indica que pelo menos 1% da população brasileira é usuária da droga. No entanto, a falta de informações mais detalhadas dificulta a ação do Estado no combate a este mal. “É difícil fazer um levantamento detalhado porque quem usa drogas não admite isso com facilidade. Ninguém levanta a mão no meio da multidão e afirma ‘eu uso drogas’. Dessa forma, os governos, em todos os níveis, não sabem, ao certo, de que forma direcionar os recursos”, explicou Porto.

Se fica difícil para o poder público, os mesmos obstáculos complicam a atuação da iniciativa privada. Segundo o Gerente de Comunicação Interna e Externa, Responsabilidade Social e Relações Institucionais da ArcelorMittal Tubarão, Sidemberg Rodrigues, o controle da saúde dos funcionários é peça fundamental para garantir que as drogas não signifiquem prejuízo para as instituições. “Todos os colaboradores, inclusive eu, passamos por avaliações periódicas, com exames de urina que detectam não só a presença de drogas ilícitas como a de psicotrópicos, como calmantes. A empresa precisa saber se o funcionário tem condições de desenvolver suas funções”, explicou. No entanto, apesar dos exames periódicos, Rodrigues afirma que os casos de trabalhadores que apresentam problemas de dependência química não são raros, e a droga mais preocupante, segundo ele, é o crack. “O crack superou o afastamento de trabalhadores por alcool e cocaína no INSS”, frisou.

O aumento no número de dependentes químicos também reflete diretamente nos investimentos públicos. Segundo Thadeu Marino, só em 2012 mais de R$ 4 milhões foram aplicados no tratamento desses dependentes. E os gastos aumentam ano a ano. No ano passado, 275 leitos da rede privada foram comprados pelo Estado. Este ano, só até maio, já foram 375. Além disso, outros 535 leitos públicos – em instituições sem fins lucrativos – estão cadastrados pra o tratamento da dependência de álcool e drogas. A projeção, até o fim de 2013, é comprar dez vezes mais leitos que em 2012.

“Cada um desses pacientes custa, ao Estado, cerca de dez mil reais por mês. O grande problema é que um terço dos usuários de crack retorna para o vício, depois de passarem pelo tratamento. Mas a Secretaria de Saude está empenhada em comprar quantos leitos sejam necessários para o tratamento dessas pessoas. Principalmente crianças e adolescentes”, destacou Marino.

Alcool: porta de entrada

Uma unanimidade entre os debatedores do evento é a relevância do consumo de álcool como primeiro passo para a dependência em psicoativos. No Brasil, o álcool é considerado uma uma droga lícita, de comércio indiscriminado, o que facilita o acesso de pessoas cada vez mais jovens. Para Porto, essa realidade dificulta ainda mais o combate à epidemia das drogas. “Discutir esse assunto não é missão simples no nosso país. O consumo de álcool na sociedade é grande e lícito, por isso, ele é uma porta para as outras drogas”, explicou.

O Diretor Conselheiro do Centro Terapêutico Lighthouse, Waldemar Rocha Junior também defende este ponto de vista. “Hoje, jovens de 12, 13 anos, já se embriagam. Como combater a dependência química, se vivemos em um país onde o consumo de bebidas alcoólicas é incentivado por propagandas?”, questionou o diretor, que ainda afirmou: “As propagandas de bebidas alcoólicas deveriam seguir a mesma regra aplicada aos comerciais de cigarros. Tem que ter horário restrito.”

Solução passa pela família

Se o problema da drogadição começa ainda na adolescência, como apontado por Rocha Junior, a solução pode estar no seio familiar. Lares desestruturados, falta de orientação e de conhecimento dos pais, e até mesmo histórico de uso de entorpecentes na família acabam levando jovens a enveredarem por este caminho, muitas vezes sem volta.

Ledir Porto acredita que as drogas, de certa forma, colocam todas as esferas da sociedade em um mesmo patamar. O vício não faz distinção entre ricos e pobres. Qualquer um pode ser vítima deste mal. O que faz diferença, segundo o Juiz da Vara da Infância e da Juventude, Vladson Bittencourt, é a forma como jovem é tratado. “Só se combate o problema da drogadição com educação. A grande diferença para os adolescentes é a oportunidade que cada um deles recebe. Se não cuidarmos desses adolescentes antes que eles entrem nas drogas, vamos tratá-los depois, como menores infratores e, posteriormente, no sistema prisional”, explicou.

E o problema vai além. Bittencourt explicou que, hoje, o Estado não dispõe de um serviço de atendimento à família, o que significa que, depois que o menor infrator passa por medida sócio-educativa e retorna para casa, é impossível saber o que o espera. E sem estrutura familiar, todo o trabalho desenvolvido na internação pode ir por água abaixo, gerando adultos envolvidos com drogas. Hoje, o sistema carcerário capixaba contabiliza cerca de 15 mil pessoas presas. Desses, cerca de 70% cumprem pena por algum tipo de envolvimento com drogas. “É um indivíduo que foi preso porque estava traficando, ou que roubou para sustentar o vício, ou que matou por causa de drogas. São pessoas com todo tipo de histórias”, disse Porto.

A ArcelorMittal Tubarão desenvolve um trabalho de assistência a menores infratores por meio do qual é possível entender um pouco mais sobre a diferença que a estrutura familiar faz no desenvolvimento do jovem cidadão. Rodrigues acompanha de perto este trabalho e apresentou suas próprias impressões no ES Brasil Debate. “Esses jovens perdem a referência familiar. Em um trabalho em que eles deveriam escrever poesias sobre seus pais, o que tivemos como resultado foi uma imagem negativa sobre família e princípios familiares”, frisou.

Da mesma forma que a família é responsável por impedir que o jovem se aproxime das drogas, é ela o primeiro alicerce para que o dependente químico se reerga e se livre do vício. Para Rocha Junior, reestabelecer a confiança no ex-dependente é fundamental para que ele se sinta seguro para retomar sua vida. No entanto, estar ciente de que o vício é uma doença e requer cuidados é fundamental para o sucesso do tratamento. “O dependente químico é um doente, que precisa de tratamento, cuidado, atenção, mas não é um coitado, nem um sem vergonha. Ele passa a ser considerado um sem vergonha quando não aceita sua condição e não busca tratamento”, disse.

Uma das saídas apontadas durante o debate foi a integração entre as diversas frentes de enfrentamento. Jovaneide afirmou que “essa associação com vários pontos de tratamento não pode ser uma questão isolada. Essa tem que ser uma ação coletiva de intervenção, de apoio e, principalmente, de acolhimento dessas pessoas, para que elas possam ser tratadas e, consequentemente, suas famílias”. A concordância sobre esta unificação foi unânime. Um dos que defende o idéia é Waldemar Rocha. “Considerando que a doença da drogadição é uma doença física, mental e espiritual, nós precisamos de um conjunto de ações para tratá-la.”

Ledir Porto destacou que o governo do Estado finalmente entendeu isso, e lançou, no ultimo dia 7 de junho, a Rede Abraço, iniciativa inédita no país que busca reunir esforços da esfera pública, setor privado e sociedade civil organizada no intuito de combater o uso indiscriminado de drogas. Hoje o Espírito Santo possui mais de 100 comunidades de apoio a dependentes químicos, a maioria operando informalmente. O objetivo é credenciar estas instituições de forma a criar uma rede integrada de atendimento. E mais que isso, chamar outras outras frentes para esta luta. “A Rede Abraço possibilita a mobilização da sociedade e, o mais importante, da família, a instituição principal no combate às drogas”, destacou.

Empresas têm um papel a cumprir

Economicamente, as empresas acumulam prejuízos por causa de funcionários que são afastados de suas atividades por causa da dependência química. Em 2012, 46,8 mil brasileiros foram afastados do trabalho para tratamento contra o uso de álcool ou outras drogas. No momento em que um trabalhador perde sua força produtiva, o que ele precisa é de apoio da empresa. No entanto, enfrentar de frente esse problema ainda é uma situação delicada para a maioria das instituições.

A diretora de Estratégia e Gestão da Associação Brasileira de Recursos Humanos Regional Espírito Santo (ABRH-ES), Jovaneide Sales Polon Batista, explicou que a saúde mental do trabalhador ainda não é o foco principal das empresas, por isso, discutir o assunto é um processo delicado. “As empresas precisam quebrar o tabu, ouvir o outro, deixar de pensar no profissional apenas como um número”, destacou.

Rocha, que além de diretor de um centro terapêutico é empresário, apontou uma solução: “O poder público é um pouco mais lento nas soluções e nas tomadas de decisões. As empresas são mais rápidas. Então, elas podem contribuir com isso, não só ajudando os centros terapêuticos, mas também ajudando a patrocinar as internações, quantas possíveis, já que não existe nada que obrigue [o Estado] a ter leito suficiente para atender toda a demanda.”

Na ArcelorMittal Tubarão, os primeiros passos já foram dados. Funcionários que adminitem a dependência química recebem apoio da empresa para se tratarem e voltarem às suas atividades normais. “É importante saber que a droga atinge qualquer um. Um dos casos que acompanhei de perto foi de um funcionário que tinha um cargo elevado, família, filhos, mas acabou entrando no mundo das drogas. Ele recebeu uma licença, se tratou, e hoje está de volta ao mesmo cargo”, contou Rodrigues.

Mas para dar esse apoio, a empresa precisa dispor de recursos elevados, segundo o gerente: “A internação é caríssima. Dez meses são 500 mil reais no mínimo, só falando da internação em si. Estou excluindo passagem aérea, passagem para a família e o estrago feito na própria gestão”.

O retorno desse funcionário também é um processo que requer atenção da empresa. Para Jovaniede, preparar os colegas de trabalho para receber de volta o trabalhador recém-tratado é fundamental para que ele se sinta a vontade. “O que se vê, muitas vezes, são as conversas de corredor, a respeito do afastamento e do retorno daquele colega. Isso pode fazer com que ele fique constrangido e tenha dificuldades para se readaptar ao ambiente”, explicou.

Além de viabilizar o tratamento de funcionários e o retorno deles ao trabalho, as instituições privadas ainda podem dar mais uma contribuição no combate às drogas: estabelecer parcerias com o setor público para reinserir ex-viciados no mercado de trabalho. Para Ledir Porto, este é um ponto fundamental para o resgate do cidadão, uma vez que, aceitando como funcionário uma pessoa que passou por tratamento contra dependência química, a empresa oferece mais do que emprego, oferece de volta a dignidade perdida.

Mais que palavras, ações

O ES Brasil Debate terminou com uma concordância entre os debatedores: mais do que palavras, setor público e privado precisam de ações eficazes e urgentes para combater as drogas na sociedade e nas empresas. “Atitudes como este debate chamam a sociedade a participar de soluções para problemas como a drogadição”, afirmou o juiz Bittencourt, que recebou a concordância dos outros debatedores. Para Jovaneide, a mudança de paradigmas também deve acontecer dentro das empresas. “Não adianta apenas promover discussões. É mais importante pensar em ações concretas”, finalizou.

Entre suas considerações, Bittencourt destacou, ainda, a importância da abertura de mais leitos de tratamento para viciados. “Como juiz da Vara da Infância e Juventude, recebo mães desesperadas, clamando por socorro para seus filhos, viciados nas mais diversas drogas. Tudo que posso responder é que só tenho como atuar quando ele se torna um menor infrator, porque o Estado não oferece as mínimas condições de internação para menores viciados”, explicou.

Em contrapartida, o secretário Tadeu Marino afirmou que o Estado vem trabalhando dentro de suas possibilidades, e conta com a ajuda do setor privado e de toda a sociedade para extirpar o crack e outras drogas. O secretário afirmou, com o apoio de outros integrantes da mesa debatedora, que nenhum estado está preparado para enfrentar esta epidemia. No entando, o Espírito Santo vem buscando saídas. “O problema não atinge só o indivíduo, mas a sociedade como um todo. É muito difícil para o Estado, sozinho, lutar contra este mal. A responsabilidade do combate às drogas é de toda a sociedade”, concluiu.

 

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