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sexta-feira, 29 março, 2024

Rodney Miranda fala sobre os eixos estratégicos do Susp

Por Luciene Araújo

“São inovações muito importantes que, se aprovadas, tenho certeza de que vão mudar a cara da segurança do país”

Autor da proposta que cria o Sistema Único de Segurança Pública, o delegado da Polícia Federal Rodney Miranda – que já atuou como deputado federal, secretário de Segurança Pública do Espírito Santo e de Pernambuco e prefeito de Vila Velha – explica as principais mudanças sugeridas no projeto, que determina entre outros pontos a integração de informações e ações, o sistema de avaliação das políticas de segurança com indicadores de metas e o novo modelo de repasse de recursos. Mesmo em regime de urgência aprovado desde o dia 21 de março, o PL 3734/2012, que inicialmente seria avaliado na semana seguinte, foi votado na Câmara dos Deputados somente em 11 de abril. Durante a análise do texto, os parlamentares aceitaram retirar uma emenda que ampliava a atribuição de preservar o local do crime para todos os membros do Susp, uma vez que a lei atual
prevê que a tarefa é responsabilidade da Polícia Civil. A matéria segue agora para o Senado. Confira.

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Como se deu a elaboração da proposta do Susp?
Para estruturar a proposta, considerei algumas iniciativas que já tramitavam no Congresso e peguei como modelo as leis do Sistema Único de Saúde e do Fundo Nacional da Educação. Em seguida foi criada a comissão, que tem dois ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), um ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e alguns parlamentares federais, além dos presidentes da Câmara e do Senado. É uma comissão de pessoas que estão no exercício de cargos muito importantes na nossa República, mas todas com tranquilidade, humildade e respeito uma pela outra e pela opinião alheia. Entrei como consultor sem remuneração, como especialista, até porque defendo o Sistema Único de Segurança Pública desde 2003, quando assumi pela primeira vez a Secretaria de Segurança do Espírito Santo.

“O Susp é mais do que uma integração entre as polícias, é uma divisão de responsabilidade dos entes federados – União, estados e municípios”

A palavra-chave do sistema é integração. Como, na prática, efetivar uma integração entre as polícias Militar e Federal sem que haja invasão ou quebra do limite de competências?
O Susp é mais do que uma integração entre as polícias, é uma divisão de responsabilidade dos entes federados, da União, dos estados e dos municípios. As polícias são representantes operacionais dos entes federados. É uma primeira novidade, como acontece com a saúde, hoje de responsabilidade dos municípios, dos estados e da União. Como que não há conflito? Definindo-se atribuições e competências. Então, a mesma definição que existe na saúde e na educação, logicamente estruturada para a segurança, vai existir no Susp.

RODNEY MIRANDAMas a proposta não prevê a possibilidade de ação fora das atribuições em situações determinadas?
Sim, mas já delimitadas. Por exemplo, ações que repercutem em mais de um território estadual; instalação de ações coordenadas entre diversos setores. E está determinado que a coordenação fica a cargo do Ministério da Segurança Pública. Mas tem muito mais coisas, como o sistema de avaliação de política de segurança com indicadores, com metas. Também tem o sistema de repasse de recursos fundo a fundo, como ocorre na educação e na saúde hoje. Mas esses recursos somente serão repassados se os indicadores forem cumpridos. Assim, quem vai receber primeiro o recurso é quem estiver acompanhando os indicadores de toda a ordem: polícias Civil, Militar e Federal, Guarda Municipal, sistema prisional. A lei está trazendo os parâmetros para, a partir daí, União, estados e municípios definirem quais as metas a serem alcançadas.
Quais são os parâmetros a serem atingidos. Diminuição do número de homicídios e resolução de crimes? É isso?
Conclusão de inquéritos policiais, expedição de laudos que sirvam para a instrução criminal, ampliação da oferta de vagas para trabalho, maior número de pessoas ressocializadas no sistema prisional que não reincidiram em crimes. Os primeiros ajustes de parâmetros serão feitos em dois anos. A partir daí, anualmente, haverá revisão das metas. Existe uma gama imensa. É uma lei enxuta no seu tamanho por conta do tema, mas complexa no seu alcance.

Como garantir que o compartilhamento de informação não seja um facilitador para o vazamento de informações estratégicas?

Números de crimes, locais de crimes e modus operandi são dados genéricos, você não precisa dizer quem é o autor ou quem é a vítima, tem que ter o dado estatístico para fazer a análise criminal correta. O primeiro compartilhamento se dá com a adesão. Se o Espírito Santo quer ser integrado ao Susp, assina um termo de adesão com a União e, a partir daí, não só disponibiliza os dados, como também tem acesso às informações dos demais integrantes. Logicamente dentro dos limites constitucionais dados ao sigilo. Posteriormente, terá uma meta de alimentação desses dados, tudo delimitado no repasse de recursos ou de apoio por parte da União, que hoje tem praticamente todo o monopólio de recebimento e distribuição de recursos de impostos. Vamos ter também um controle social a partir dos conselhos estaduais e municipais que estão previstos. E a sociedade civil pode participar desse novo sistema, opinando sobre ele e ajudando a corrigi-lo. Dados próprios da investigação só serão disponibilizados após a conclusão dela.

“Hoje estamos numa lógica de jogo de empurra: ‘É culpa do federal’, ‘É culpa do município’, ‘É culpa da União’. E, nessa lógica, acabamos apenas enxugando gelo”

A compilação integrada vai permitir um retrato melhor da segurança e da infraestrutura?
Exatamente. E a partir daí vamos poder direcionar as políticas de forma mais assertiva: de acordo com o crime tal, na região tal, que ocorre com mais frequência, naquele determinado horário, por essa rota. Assim, unir esforços para o enfrentamento e até mesmo para a prevenção. Podemos traçar o perfil dos criminosos, por exemplo.
Na minha lógica, a maioria hoje que está no sistema prisional, por uma questão histórica, são pessoas humildes, independentemente da cor de pele. A faixa salarial de renda é o determinante. Sabemos também que as principais vítimas e autores de homicídios têm entre 14 e 28 anos e são majoritariamente do sexo masculino.
Mas vamos pesquisar melhor esses dados, separar por faixa, cruzar com indicadores econômicos. Enfim, uma gama de possibilidades muito grande que será trabalhada assim que a lei for aprovada e começar a vigorar

A proposta diz que haverá um regulamento para definir os critérios de aplicação dos recursos. E quando esse regulamento deverá ficar pronto após a aprovação da lei?
Imediatamente. Estamos dando um prazo máximo de implantação total do sistema de dois anos, até por conta da complexidade de tudo. O SUS (Sistema Único de Saúde) foi criado em 1990; já são quase 30 anos. Existe uma ou outra imperfeição que faz parte do sistema; até hoje está sendo ajustada. O que temos que sair é da lógica dos Planos de Segurança estaduais, municipais ou federal, que dificilmente deixam o papel, porque não têm tempo de maturação. Quando mudam os governos, muda-se o plano. Na saúde e na educação, as regras já estão estabelecidas.

Qual é a origem do recurso do Fundo Nacional de Segurança e do Fundo Penitenciário?
Isso ainda não foi apontado, e também não apontamos nenhum tipo de vinculação. Por exemplo, qual o percentual para municípios, estados e União? Isso será discutido nesses dois anos de implantação. Eu e a comissão resolvemos tirar todos os assuntos que possam emperrar a implantação do plano. Se eu falar em vinculação hoje, os estados e os municípios não vêm, irão resistir.

“É uma lei enxuta no seu tamanho por conta do tema, mas complexa no seu alcance”

O recurso inicial para a integração deve partir da União?
Deve partir da União por meio do Ministério de Segurança Pública e do Orçamento Geral. Colocamos uma cláusula de proibição de obrigatoriedade de reparte de recursos, tanto da Fundação de Segurança Pública, quanto do Fundo Penitenciário Nacional, para acabar com esse negócio de contingenciamento, principalmente no fundo penitenciário, que tem bilhões lá retidos, e também para acabar com esse negócio de que para conseguir recurso tem que ter alguém que se movimente bem em Brasília, que libere, e eu tenho que mandar fazer projeto. Não vamos ter projeto, vamos ter fiscalização. São inovações muito importantes que, se aprovadas, tenho certeza de que vão mudar a cara da segurança do país.

Isso vai exigir uma quebra de paradigmas?
Sem nenhuma dúvida: 100%. Vamos dar uma guinada de 180 graus. Hoje estamos numa lógica jogo de empurra: “É culpa do federal”, “É culpa do município”, “É culpa da União”. E, nessa lógica, acabamos apenas enxugando gelo. O primeiro raciocínio nosso é que a culpa é da polícia. Vamos tirar essa lógica. Vi uma reportagem em um jornal local em Brasília em que as pessoas vincularam o aumento do número de estupros em determinadas regiões à péssima iluminação. Enfim, não é só a questão do policiamento ostensivo, tem uma série de políticas que vão sendo agregadas para melhorar a ambiência e facilitar o trabalho das polícias.

Como serão formados os conselhos?
Nós tiramos tudo que pode travar. Se você colocar deliberativo, já começa a ter a guerra entre as Secretarias de Segurança e os conselhos. Quando o cara já vê deliberativo, é o mesmo que colocar autonomia. Vi um ministro falando que, quando escuta a palavra “autonomia”, tem arrepio. Então tiramos. Teve gente que quis colocar autonomia para determinada categoria para agir, mas não dá não. Para isso se coloca uma PEC para discutir em outro campo. Aqui é uma estrutura para mudar paradigmas, não para consolidar ou conquistar direitos funcionais.RODNEY MIRANDA Estamos tendo muito cuidado também para evitar resistência, porque são muitos senadores que vão ter que analisar. Fora isso, tem que ser uma coisa factível para implantação, não adianta fazer alguma coisa que cria resistência dos municípios. Não conheço nenhuma experiência de controle da violência no mundo que não tenha a participação efetiva do poder público municipal. Se você parar para pensar nos exemplos que deram certo, Diadema (São Paulo), Bogotá (Colômbia), Nova York (EUA), todas são experiências que partiram do poder público municipal, que hoje é o ente mais distante.

Está prevista dentro desse conselho a participação da sociedade civil organizada?
Mediante eleição, terá participação da sociedade civil, sim. Não tenho certeza, mas creio que são cinco membros, fora os suplentes.

Há algum horizonte predefinido que se pretende chegar nos próximos cinco anos?Esperamos que seja um projeto permanente, que daqui a 30 anos as pessoas estejam avaliando e comemorando os resultados. As metas vão ser revistas anualmente e repactuadas, mas a estrutura está montada. Isso que é importante. O que está faltando é darmos o passo decisivo para a frente. Mas estamos tendo muito cuidado para aprovação do projeto. Eunício Oliveira (presidente do Senado) e Rodrigo Maia (presidente da Câmara) fizeram todo o esforço para que estivesse aprovado até o fim de março. Maia colocou na pauta de votação com urgência. A proposta entrou em regime de urgência na Câmara no dia 21 de março, mas foi aprovada somente em 11 de abril. [Até o fechamento desta edição, no dia 27 de abriu, o Senado não havia votado a matéria.]

Se o senhor tivesse que definir o Susp em quatro eixos estratégicos quais seriam?O primeiro é o envolvimento de todos os entes federados: União, estados e municípios. Como diz a Constituição, a segurança pública é dever do Estado, no sentido de ente federado. A saúde e a educação são a mesma coisa, são deveres do Estado, e ninguém contesta que é dever do ente federado, talvez este seja o primeiro grande avanço. O segundo é o sistema de avaliação das políticas de segurança com indicadores de metas, como eu coloquei aqui, e cobrança de resultados. O terceiro é o repasse de recurso fundo a fundo. E o quarto – que todos estão falando como se fosse o primeiro e é tão importante quanto – é o sistema de integração dos dados das estatísticas, até que a gente defina uma análise criminal própria, comum para todos eles.

“A sociedade civil pode participar desse novo sistema, opinando sobre ele e ajudando a corrigi-lo”

Como se dará o repasse de recursos?
O Fundo Nacional de Educação repassa recursos para o município, responsável pelo ensino fundamental, de acordo com o número de vagas e alunos matriculados. Se eu tiver mais escola e mais alunos, recebo mais recurso, e não tem burocracia, todo mês é repassado aquele recurso para quitar minha despesa. O mesmo propomos para a segurança. O Fundo Penitenciário hoje, como consigo? Como vou captar dinheiro na União? Consigo uma emenda parlamentar ou faço um projeto que vai ser analisado por 500 mil técnicos, que irão demorar em devolvê-lo para consertar uma vírgula, um ponto-e-vírgula, e isso leva um ou dois anos? O recurso já chega defasado. Se é o critério da lei, tem que ser obedecido, mas se você pode simplificar, melhor. E é isso que estamos querendo. A urgência dos assuntos não nos permite ter burocracia internamente.

Esse sistema é uma marca de desburocratização dos processos?
É uma marca de facilitação da integração, a partir daí tem amplas possibilidades. Teve gente que na comissão levantou de a gente começar a debater o ciclo completo das polícias. Achei que não deveria colocar isso em pauta, pois é um projeto polêmico, e tem gente que quer e tem gente que não quer. Achei que iria travar, mas ninguém sai de lá bravo com ninguém.

O senhor acha que, pelo fato de estarmos em um ano eleitoral, pode haver algum ponto que seja usado de forma equivocada?
Acho que o ano eleitoral e principalmente a gravidade das questões de violência espalhadas pelo Brasil, sobretudo no Rio de Janeiro, que tem maior visibilidade por causa da intervenção, são pontos que contam a favor da aprovação. Historicamente o Congresso Nacional responde a esse tipo de situação através de aumento de pena, e o resultado é pífio. Eu estou gostando porque há uma determinação muito grande dos presidentes, tanto do Eunício quanto do Rodrigo Maia. Eles estão ouvindo os operadores, eu entre eles. Estou conversando com muita gente para chegar a cada dia mais abalizado às reuniões e no nível das pessoas que dela participam. Elas estão com essa sensibilidade de falar, não adianta aumentar a pena que a população aplaude num dia e no outro dia o crime continua acontecendo. Então, nós temos que mudar a estrutura.

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