24.9 C
Vitória
sexta-feira, 19 abril, 2024

Renato Bernhoeft

“As pessoas colocam a felicidade como um estado permanente, e não é. Eu acho que a felicidade é uma busca permanente.”

O entrevistado deste mês, um respeitado consultor, é especialista na administração do maior patrimônio que se pode possuir: o tempo. Entre os 15 livros que publicou até o momento, sobre temas que incluem também sucessão familiar nas empresas (outra especialidade sua), dois já se tornaram clássicos: “Administração do Tempo” e “Desperdiçadores de Tempo: Quais São e Como Administrá-los”.

- Continua após a publicidade -

Mas as propostas de Renato Bernhoeft fogem ao padrão. Quem buscar em suas obras algo semelhante aos badalados manuais de autoajuda, com receitas prontas para aplicar no dia a dia empresarial, provavelmente irá se decepcionar. É o próprio autor quem alerta: “Não há receitas prontas; uma simples análise sobre as formas como usamos o tempo pode nos levar a mudanças pouco significativas ou de consistência duvidosa”.

Fundador e presidente da paulistana Höft Consultoria, Renato atua como consultor nas áreas de Tempo, Qualidade de Vida, Empresa Familiar e na preparação de executivos para o pós-carreira corporativo, atendendo empresas de toda a América.Latina. Acompanhe, a seguir, sua conversa com os jornalistas da ES Brasil.


Se tempo é dinheiro, qual a melhor forma de aplicá-lo?

Na realidade, tempo é muito mais importante que dinheiro, porque se você tem um prejuízo financeiro, pode recuperar. Mas o tempo é inelástico e irreversível. Não é possível parar, estocar nem recuperar o tempo. Por isso, ele é uma das coisas mais preciosas que temos na vida e a razão pela qual administra-lo é vital. Agora, as pessoas tendem a não dar muita importância ao tempo, até porque essa questão depende muito do momento de vida em que se está. E a dimensão do tempo é também uma questão de sensação. Um mesmo evento pode ser percebido de maneiras diferentes. Se for agradável, parece passar mais rápido. Então, não dá para estabelecer receitas. Claro que há várias maneiras de geri-lo melhor, usar ferramentas, como a agenda, mas, acima de tudo, há duas questões fundamentais: estabelecer prioridades, porém de acordo com seu momento de vida. Se você é casado sem filhos, é uma coisa; se você é casado e tem filhos, suas prioridades serão outras, bem diferentes.

Por que não é uma habilidade natural saber lidar com o tempo? E qual a maior importância de aprender a administrá-lo?
Há uma diferenciação no uso do tempo entre homens e mulheres. A mulher tem uma habilidade natural maior para lidar com o tempo, sobre o qual tem uma visão mais holística, mais abrangente. É claro que não dá para generalizar, mas peguemos, por exemplo, uma mulher e um homem que trabalham fora. O homem privilegia o trabalho, e ponto. Já a mulher, independentemente da carga de trabalho, não deixa de atender às demandas como mãe, esposa, filha, amiga e outros papéis que desempenha. Elas, em geral, têm mais demandas do que os homens, e então são mais pressionadas a se equilibrar, a lidar melhor com o tempo. Claro que isso também varia de acordo com o momento de vida, porque a questão do tempo abrange toda a sua vida, de forma diferente a cada época.

Dizem que quando se faz o que se gosta, se arranja tempo. É possível arranjar tempo?
Isso é relativo, porque você corre o risco de dedicar mais tempo a algo simplesmente porque gosta daquilo, não necessariamente por estar de acordo com seus propósitos, por ser importante ou urgente. E isso pode acontecer mesmo no trabalho. Se você tem uma atividade que gosta mais, a tendência é dedicar mais tempo àquilo e ir adiando o que não gosta. Do ponto de vista do tempo, isso pode ser uma armadilha.

Por que a noção de tempo pode ser tão contraditória – às vezes, sentimos que o tempo é infinito e, outras vezes, que não temos tempo para nada?
Uma das coisas é que a quantidade de informação que recebemos hoje é imensa e contínua. Se você não estabelece um limite, se perde e termina tomando conhecimento de muitas coisas que não interessam. É indispensável estabelecer algum tipo de prioridade, mas deve-se fazê-lo em função do que é importante para a sua vida naquele momento – saúde, relacionamentos – e promover uma distribuição do tempo mais adequada a este momento. Entretanto, temos um problema cultural: não fomos educados a nos apropriar da nossa própria história, nem família nem escola nos educam para isso. Em que momento eu paro, examino e me indago: o que é que eu preciso fazer com a minha vida? As pessoas tendem a não refletir sobre isso. A velha pergunta: “O que você vai ser quando crescer?” deve ser reformulada e repetida até o final da vida. “O que eu vou ser quando casar? E quando me separar? E quando meus filhos saírem de casa? E quando me aposentar?”

O progresso da tecnologia, que deveria liberar mais tempo para o lazer das pessoas, trouxe o oposto: celulares, palms e internet aumentaram o tempo trabalhado. Quais as conseqüências disso e como administrá-las?
A falta desse olhar preventivo aumenta a vulnerabilidade diante da tecnologia, que surgiu com o discurso de que com ela se teria mais tempo. Isso não é verdade, mas o uso inadequado dela é que dá essa condição. Não que a tecnologia seja ruim, mas se eu não desligo o celular, o computador, a internet, a TV, se eu não ponho limite, é ruim. Houve uma invasão de privacidade. Hoje a vida está invadida pela tecnologia, que só fez aumentar as demandas, e o efeito mais forte disso é a ansiedade. É preciso estabelecer limites para que os instrumentos da tecnologia não invadam sua vida.

Uma das dificuldades para administrar o tempo está na incapacidade de priorizar. O senhor recomenda que se analise o que é prioritário em cada papel – profissional, cônjuge, pai, amigo e assim por diante – e, dentro de cada um, se identifiquem as tarefas prioritárias, para então fazê-las. Isso não dificulta manter o foco em um alvo predeterminado?
Aí voltamos à questão: depende muito do seu momento de vida. Se você quer trabalhar bastante para acumular algo para o futuro, se essa é sua prioridade hoje, isso significa que você vai abrir mão de algumas coisas em função disso. O importante e o urgente vão ser definidos muito nesse sentido. E aí entra outra noção importante: nem sempre a maior quantidade significa a melhor qualidade. Então, não se trata de criar harmonia entre todos os papéis; mas equilíbrio em termos das prioridades que eu tenho na relação entre quantidade e qualidade. Não existe uma receita. O importante é que as pessoas estejam constantemente atentas a isso e reservem tempo para pensar. Pode-se usar algumas datas, como o aniversário, ou a passagem de ano, para fazer essas reflexões, avaliar a própria vida.

O senhor acha possível compatibilizar uma divisão adequada do tempo em prol da felicidade pessoal estando sujeito às exigências do ambiente corporativo atual?
O que me preocupa nessa questão é que as pessoas colocam a felicidade como um estado permanente, e não é. Eu acho que a felicidade é uma busca permanente. A vida tem muitos percalços, muitas coisas que fogem ao seu controle. Então, eu volto ao ponto: tem que parar e ver o que o está incomodando, provocando ansiedade, e pensar como trabalhar esta questão. E não se iludir, achando que se fizer uma agenda adequada, tudo estará resolvido. Não faltam macetes, mas eles têm um efeito relativo. A questão não é a mera divisão do tempo; temos que levar em conta o momento de vida, o nosso papel e a qualidade que queremos dar a isso.

As pessoas têm percepções diferentes do tempo conforme a idade?
Sim. A idade e as experiências de vida influem. Às vezes, mesmo um idoso não se vê no processo de envelhecimento, e hoje, com o aumento da longevidade, nós temos uma equação muito complexa para resolver: maior longevidade, com carreiras mais curtas. Aquela idéia de “entrar no Banco do Brasil e ficar até me aposentar” está acabando. Vamos ter que nos reinventar mais vezes ao longo da vida. O indivíduo que não se reinventar poderá entrar num processo de ostracismo, de depressão. Como disse, não somos educados para nos apropriarmos das nossas vidas. Achamos sempre que algo ou alguém vai dar um jeito, “a empresa vai cuidar da minha carreira”, ou “Deus é brasileiro”, e não é assim na realidade.

Por que, mesmo usando agendas para organizar seu dia, muitas não sempre conseguem dar conta de realizar todo o que programaram?
Porque, na verdade, a agenda não é usada como um instrumento do planejamento de prioridades; é apenas uma listagem de compromissos. É preciso usar a agenda utilizando o critério de prioridades, ou seja, separar o que é importante do que é urgente. E também se permitir tempo para pensar, para se isolar. O isolamento é uma coisa importante e produtiva, que as pessoas não costumam praticar porque pensam que se isolar – ler jornal, meditar – é perder tempo, e não é assim. É interessante observar que quando eu escrevi o livro Desperdiçadores de Tempo, em 1987, não existia celular, laptop etc., apenas o telefone fixo. Agora, quando eu revisei e ampliei o livro, olha quanto fatores novos aí. O telefone continua sendo o campeão das interrupções; o segundo é a incapacidade de dizer não, principalmente entre os povos latinos. Isso não mudou, só piorou com o advento do celular e de todo o aparato tecnológico. Outro fator foi a maior inserção das mulheres no mercado de trabalho. Houve muitas mudanças na sociedade, o avanço tecnológico trouxe essa avalanche de informação. Tudo isso aumentou muito as possibilidades interrupção, e a agenda, por si só, não resolve.

 

Entre para nosso grupo do WhatsApp

Receba nossas últimas notícias em primeira mão.

Matérias relacionadas

Continua após a publicidade

EDIÇÃO DIGITAL

Edição 220

RÁDIO ES BRASIL

Continua após publicidade

Vida Capixaba

- Continua após a publicidade -

Política e ECONOMIA