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sábado, 20 abril, 2024

O inesperado retorno da tormenta

Os possíveis impactos da desordem política do país nas economias do Espírito Santo e do Brasil


* Por Luciene Araújo

O Brasil ensaiava os passos iniciais em direção à retomada da economia. Surgiam os primeiros índices positivos: leve queda no percentual de desemprego, inflação de 4,41% em 12 meses (entre abril de 2016 e abril de 2017), menor variação nessa base comparativa em sete anos, e abaixo da meta do Banco Central de 4,5%; e baixa na taxa básica de juros – Selic.

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O inesperado retorno da tormenta
Senador Aécio Neves (PSDB) e Presidente Michel Temer (PMDB) em conversa antes das delações do empresário Joesley Batista

E quando o país cresce, a tendência é que o Espírito Santo avance também. Empresários e comerciantes capixabas começavam a comemorar ao menos o fim da piora de cenário. Tudo parecia apontar para um círculo virtuoso, até a delação de Joesley Batista, proprietário do Grupo JBS, divulgada na noite de 17 de maio, envolvendo os nomes do senador mineiro Aécio Neves (PSDB) e do presidente Michel Temer (PMDB).

A denúncia agravou novamente a crise política que se arrasta desde o movimento de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. O que acontecerá com Temer? O que mais poderemos descobrir nesse imenso e sistêmico processo nacional de corrupção que está vindo à tona? Como esse caos na política vai afetar as economias do Brasil e do Espírito Santo? Eis apenas três das muitas incertezas que rondam o mercado.

A marca da insegurança

Mestre em Economia e professor da Universidade Vila Velha (UVV), Wallace Millis, destaca a reação dos agentes econômicos diante dessa insegurança. “O mercado ainda não está seguro quanto ao menos pior. A sustentação de Temer até 2018, a renúncia dele, a cassação da chapa pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) ou a sentença de culpa do presidente dos crimes de corrupção passiva, organização criminosa e obstrução da Justiça.”

O julgamento do TSE, sobre a suposta ocorrência de prática de caixa 2 na campanha eleitoral de 2014, que reelegeu Dilma como presidente, tendo Temer como seu vice, está inicialmente agendado para ter início em 6 de junho, dois dias após o fechamento desta edição.

O inesperado retorno da tormenta
Ministra Carmen Lúcia, presidente do STF, desmentiu que poderia assumir a Presidência

Na avaliação do cientista político Vitor De Angelo, as práticas denunciadas podem prejudicar a condução da própria agenda de interesse dos empresários. “Por isso não sabem agora se embarcam em uma oposição e rifam o presidente ou se contemporizam com ele, na esperança de que os indicadores econômicos se mantenham em curva ascendente.”

Fazer oposição significa achar outra solução, “mas quando a gente olha no horizonte das soluções, elas são todas do mesmo quilate que Temer. Então, até que ponto vale a pena uma nova interrupção, ainda que ela seja absolutamente constitucional, prevista em lei?”, questiona.

Por outro lado, pondera o especialista, será que é condizente apoiar um governo sob a justificativa da estabilidade econômica, se “essa mesma gestão está envolvida até a medula com os casos de corrupção? Afinal, estamos falando de um presidente pego numa reunião muito suspeita, num diálogo muito estranho.”

O economista Millis aponta que o melhor ao ambiente econômico é ter regras estáveis. “Entendo que a renúncia seria a melhor das possibilidades e, ao não fazê-la, poderá ser criado um processo arrastado de enfrentamento insustentável na macroeconomia.”
Para o chefe do Centro de Crescimento Econômico do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), Samuel Pessôa, a instabilidade no cenário político inviabiliza qualquer previsão mais categórica, mas Temer deve permanecer na Presidência até 2018, salvo ocorram outros graves fatos. “A interrupção dos primeiros passos da retomada exige muito planejamento do empresariado para se manter firme durante essa nova turbulência”, alerta.

O inesperado retorno da tormentaDiante da postura categórica do peemedebista em não renunciar, há quem defenda a impugnação da chapa como uma “boa” solução para o mercado e para o próprio chefe do Executivo. “Mesmo diante de quatro possibilidades legais (veja quadro), a saída de Temer por decisão do TSE pode ser considerada como mais honrosa”, analisa o presidente do Conselho Estadual de Ética Pública, Jovacy Peter Filho, mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Faculdade de Direito de Vitória (FDV).

Ele aponta ainda que, ao se considerar toda a estratégia de ação planejada até agora da Lava Jato para desvendar esse “gigantesco quebra-cabeça da corrupção”, não há como prever quais lideranças políticas serão diretamente envolvidas nas próximas delações. Portanto, fica difícil estimar o “peso e o impacto dos desdobramentos que vêm pela frente”.

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Pedido de impeachment do presidente Temer, protocolado na Câmara dos Deputados pela OAB Nacional

O jurista ressalta ainda a importância de a Operação continuar contando com o apoio da população. “Não se pode, sob nenhuma hipótese, descartar o fato de que a Lava Jato tem se mostrado como uma das únicas oportunidades de se iniciar um processo capaz de frear um pouco a corrupção sistêmica do país.”

De Angelo reitera a principal causa que levou o mercado financeiro a não adotar uma reação mais brusca, como a que se observou em relação a Dilma. “O foco está nas melhorias que Temer vem patrocinando. Mas o fato de o presidente estar diretamente envolvido também preocupa o mercado, pois pode inviabilizar o andamento das reformas.”

O inesperado retorno da tormenta

Reformas

Relator da reforma trabalhista no Senado, Ricardo Ferraço (PSDB) acredita na continuidade do processo. “A crise por certo é muito complexa, envolve não apenas o governo, mas também a pessoa do presidente. Mas temos feito esforço para separar a crise da manutenção das reformas tão importantes para o país.”

Ele destaca que a reforma trabalhista é fundamental para uma melhor condição de competitividade à economia local e nacional. “As leis trabalhistas são da década de 1940 e foram construídas para um país que não existe mais. Há muita má-fé por parte de alguns segmentos com interesses contrariados.”

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“A crise por certo é muito complexa, envolve não apenas o governo, mas também a pessoa do presidente. Mas temos feito esforço para separar a crise da manutenção das reformas tão importantes para o país.” Ricardo Ferraço (PSDB), senador

O parlamentar argumenta que nenhum direito consagrado na Constituição está sendo violado. “Essa legislação é uma lei ordinária, não se sobrepõe à CF. É muito importante se desvencilhar dessas inverdades repetidas por um pequeno grupo que finge defender os trabalhadores, quando na verdade defende tão somente os próprios interesses. Temos 140 milhões de brasileiros em idade laboral e somente 50 milhões deles protegidos pela lei. Outros 90 milhões não têm sequer acesso à carteira de trabalho.”

Economista-chefe da Apex Partners Gestora de Ativos, Arilton Teixeira avalia que o Governo Federal precisa melhorar a qualidade da comunicação sobre a reforma previdenciária. “A população precisa entender que existem 3,5 milhões de funcionários públicos, principalmente federais, que provocam um rombo superior a R$ 150 bilhões, maior que o do setor privado. Isso pesa demais nos cofres públicos.”

Ciclos econômicos

Wallace Millis destaca dois importantes momentos econômicos. O primeiro deles entre os anos de 1950 e 1980, quando o Brasil foi líder mundial em crescimento, construindo o parque industrial mais completo de todo o terceiro mundo, “sem precisar de negociações de nenhum tipo de vantagem”. E nessa época vimos chegar ao Espírito Santo as grandes empresas.

Num segundo momento, início dos anos 2000, foram incorporados 30 milhões de pessoas ao mercado, que ascenderam às classes C e D e expandiram o consumo.

Nesses dois períodos, em consequência de erros da política, “nós colocamos a perder o sonho do Brasil potência”, avalia Millis. “O pior que isso agora acontece em uma época em que o mundo inteiro está discutindo os impactos da inteligência artificial, a quarta revolução industrial, dando saltos de competitividade com inovações, ciência e tecnologia.

E o Brasil está perdido nessa armadilha política. A inteligência artificial pode roubar 48% dos postos de trabalho, e nós estamos agarrados a uma agenda política. Essa ausência de planejamento está transformando o ambiente macroeconômico num buraco de incertezas”, alerta.

Impactos na economia local

O vice-presidente do Conselho Regional de Economia (Corecon), Eduardo Araújo, destaca que o Copom havia anunciado a expectativa de 1,25% de queda na taxa Selic, mas a baixa em maio foi de 1%. Na ocasião foi anunciado que a série de retração não será tão prolongada. “Isso já indica que o Comitê também está vendo o cenário político como uma ameaça.”

Segundo o economista, ainda que as reformas sejam concretizadas e a crise política, resolvida, não haverá resposta imediata da economia. “Temos no Espírito Santo cerca de 250 mil desempregados, mais da metade da população de Vitória. As famílias estão endividadas, usando o resgate do FGTS para pagar contas atrasadas e não para aumentar o consumo. E as empresas estão com alta capacidade ociosa. Então vai demorar um tempo para novas contratações.”

Para ele, a melhora virá somente em 2018. “No próximo ano, para o Espírito Santo, além do retorno da operação da Samarco, espera-se que o setor público invista em novas obras, por ser ano de eleições, o que favorecerá a contratação de mão de obra e a movimentação de recursos da economia.”

Araújo enfatiza que o comércio tem sido o segmento mais afetado. “As commodities estão garantidas no mercado externo e devem puxar o PIB para cima. Mas o comércio está sofrendo muito no Espírito Santo e deve amargar uma queda de 6% em 2017.”

O inesperado retorno da tormentaClóvis Vieira aponta que o Brasil precisa crescer com uma taxa superior a 2,5% entre 2018 e 2022, para resgatar a sua posição de economia reconhecida em âmbito global, e nada é automático e definitivo na retomada do crescimento. “Hoje, todo o sentimento positivo que começava a prevalecer entre os agentes econômicos foi substituído pelo ceticismo”, ressalta o economista.

O Espírito Santo, que também sofre as consequências desse cenário, não terá, segundo Vieira, “os investimentos que se alardeiam nem os empregos apregoados no discurso oficial até 2021. Mas nada que o impeça de sair na frente e implantar e melhorar sua infraestrutura e logística que lhe permita, mesmo sendo o menor, ser também o melhor. Só assim pavimentaremos o caminho viável para ocupar uma posição de destaque na economia nacional e servir de atratividade ao capital externo.”

Presidente da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), Marcos Guerra classifica o momento político do país como desafiador. “Entretanto, independentemente dos escândalos de corrupção – que merecem apuração e punição –, os sinais de recuperação econômica mostram que é possível avançar mesmo diante da crise”.

Guerra reitera que projetos importantes ao país não podem ser paralisados pelo momento do Governo. “O Congresso precisa votar reformas que trarão ajuste fiscal, equilíbrio e desenvolvimento econômico. Sanear a Previdência e modernizar a legislação trabalhista são tarefas essenciais para ampliar a competitividade das indústrias, a oferta de empregos e a geração de oportunidades ao Espírito Santo e ao Brasil.”

Recursos federais para o ES

A articulação da bancada capixaba e do Governo do Estado na União resultou na liberação de recursos para melhorias logísticas que vinham sendo buscadas havia anos e também na aprovação de novos projetos.

Foram garantidos a ampliação do aeroporto de Vitória, finalização da dragagem do porto, duplicação da BR-262 e construção de nova ferrovia. E uma das preocupações é o cancelamento novamente dessas verbas. Mas o cientista político Vitor De Angelo defende que essa possibilidade é quase nula. “Não acredito que Temer vá mexer nos recursos dos estados e correr o risco de perder apoio parlamentar. Ao contrário, o mais provável é que se valha da estratégia de aprovar emendas que beneficiem os estados. Isso é negativo, por se tratar de fisiologismo, mas traz certa segurança ao Espírito Santo.”

O inesperado retorno da tormenta

Em meio a tantas notícias negativas e da sensação de que “outras bombas” podem surgir a qualquer momento, há um viés otimista na possibilidade de “passar o país a limpo”.

Millis destaca que as práticas políticas são muito assemelhadas por quase todos os agentes, os partidos. A grande maioria vem de família política, de tradição. Temos hoje o cenário mais conservador de todos. “Não há como dizimar toda a classe política.

Em longo prazo, podemos, sim, vislumbrar uma mudança na cultura política brasileira, que seja orientada por transparência, por estabilidade das regras do jogo, por uma pactuação mais ampla de toda sociedade.”

O inesperado retorno da tormenta

A matéria acima é uma republicação da Revista ES Brasil. Fatos, comentários e opiniões se referem a informações obtidas entre 15 de maio e 04 de junho de 2017.

 

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