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sexta-feira, 29 março, 2024

O gigante perdido

Corrupção, lava-jato, delações, manifestações, impeachment, recessão econômica. em meio a um cenário que exige total integração de forças para mudar os rumos do país, executivo, legislativo e judiciário pioram a situação se degladiando em conflitos diários. O que vai acontecer com o nosso Brasil?

* Por Luciene Araújo

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No país do futebol, a paixão que envolve clássicos como Flamengo x Vasco ou Corinthians x Palmeiras é facilmente utilizada como tolo argumento para confusões premeditadas e brigas entre torcidas organizadas. No país da Lava Jato, a rivalidade dos “torcedores” de Dilma x impeachment também. Pode até ser que religião e futebol não se discutem, mas a política há muito tempo não ocupava tamanho espaço nas mais diversas rodas, polêmicas e discórdias. São questões econômicas complexas, acompanhadas de defesas e ataques exacerbados que não seguem uma lógica única e de partidos ávidos pela temporada de ofertas iniciada em Brasília. Onde o Brasil vai parar? Eis a pergunta que hoje ninguém se arrisca a responder com precisão.

Mas para entender os cenários nacionais que poderão se desenhar, a ES Brasil traçou uma linha do tempo, ouviu membros da bancada capixaba no Legislativo federal e especialistas em Direito Constitucional, economia e política. Também fomos às ruas para saber o que pensa a população diante de tantos acontecimentos.

OS FATOS

Em 17 de dezembro, véspera do início do recesso parlamentar, o Supremo Tribunal Federal (STF) mudou os rumos do processo de impeachment da Presidente da República, Dilma Rousseff (PT), aberto semanas antes na Câmara. Esta última Casa, aliás, terá autonomia sobre o Senado, conforme definiu a Corte máxima do Judiciário, que autorizou ainda o voto secreto na Comissão Especial
e descartou defesa prévia da mandatária.

Naquela mesma data, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao STF o afastamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, sob a acusação de uso do cargo em benefício próprio. O verão chegou, foi dada a largada à temporada de festas, e o Brasil parou.

Após dois meses e meio de recesso, a intensidade dos fatos em Brasília não apenas foi retomada, como também ganhou proporções assustadoras. Em meio ao caos no panorama político, com um Governo sem habilidade alguma de articulação, fragilizado a cada revelação, e uma oposição sedenta de poder, mas com o nome de seu principal representante (Aécio Neves, senador e presidente do PSDB) também envolvido em sérias denúncias de corrupção, Executivo, Legislativo e Judiciário travam batalhas diárias, especialmente após o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), antecessor de Dilma no Planalto, ter sido levado coercitivamente para depor em investigação da Operação Lava Jato.

Na avaliação de Diego Werneck, doutor em Direito Constitucional e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Rio de Janeiro, a dificuldade atual de se separar o jurídico do político tem sido prejudicial à nação. “O problema é que tem muitas coisas acontecendo, sem que fiquem claras quais as respostas e quais as soluções jurídicas aceitáveis. A nomeação do Lula, por exemplo. É de fato muito criticável o time da decisão de nomear o ex-presidente no momento em que o processo estava passando de São Paulo para o Moro (Sérgio Moro, juiz federal de primeira instância, lotado em Curitiba, Paraná, que conduz os trabalhos da Lava Jato). Então isso sem dúvida tem de ser objeto de crítica política, de análise. Mas as pessoas procuram uma solução jurídica de curto prazo. E a batalha política é transmitida diretamente para o Judiciário. Em alguns momentos, você vê representantes da Justiça cedendo à tentação de buscar resolver o problema de imediato, como as liminares do juiz Itagiba Catta Preta e do ministro do STF Gilmar Mendes (as decisões impediam Lula de assumir a chefia da Casa Civil)”, defende Werneck.

Tais medidas são classificadas pelo professor como equivocadas. “Isso são juízes que não conseguiram manter de forma satisfatória a separação que deve existir entre as esferas política e jurídica.
O que não quer dizer que a decisão sobre esses temas não possa ser influenciada por variáveis políticas, ainda mais em se tratando do Supremo”, argumenta.
Para ele, neste momento de crise, o papel do Direito é operar no seu próprio tempo. “O Direito, se for mais cauteloso, mais ponderado, mais devagar mesmo que a Política, todo mundo tem a ganhar, porque a legitimidade da decisão final fica protegida. Essas últimas semanas têm sido uma espécie de cabo de guerra de diferentes forças políticas tentando puxar regras jurídicas para a direção que as convêm, e com o Judiciário minando sua imagem de imparcialidade”, destaca o jurista.

Quanto ao impeachment, Werneck enfatiza se tratar de um processo com componentes jurídico e político muito fortes. “Até porque, se não fosse isso, quem julgaria seria o Supremo, e não o Congresso”, conclui. Desde o início deste ano, há uma escalada de fatos negativos para Dilma Rousseff e o PT. O ex-presidente Lula teve a prisão preventiva pedida pela Promotoria paulista – e recusada na Suprema Corte; os protestos de 13 de março levaram multidões às ruas, em movimentações populares sem precedentes na história do Brasil; o PMDB, partido comandado pelo vice-presidente Michel Temer e dono da maior bancada no Congresso, desembarcou oficialmente do Executivo, e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB/RJ), tem feito o possível (e conseguido) para acelerar o trâmite do impeachment e ainda permanecer no cargo.

Para se ter uma ideia, a tentativa de cassar Cunha por meio de um processo no Conselho de Ética na Casa em que ocupa o posto máximo começou em 13 de outubro, 50 dias antes de ele aceitar o pedido de afastamento de Dilma, em 2 de dezembro. Mas a petista pode cair antes do peemedebista.

13 DE MARÇO

Os muitos boatos de reações violentas de grupos pró-governo durante as mobilizações marcadas para aquele histórico domingo não se concretizaram. Mais de 3,3 milhões de pessoas foram às ruas em pelo menos 250 cidades, e o evento na capital capixaba foi um dos maiores do país, com adesão superior a 120 mil pessoas, segundo a Polícia Militar (PM). A Avenida Paulista, em São Paulo, reuniu mais de 1,4 milhão de manifestantes, e no Rio de Janeiro, o ato superou o contingente de 1 milhão de descontentes com o Governo.

O gigante perdido
Bandeiras do Brasil, cartazes e faixas tomaram as ruas pedindo o fim da corrupção, o impeachment de Dilma e a prisão de Lula. E o juiz federal Sérgio Moro, da Lava Jato, já em sua 27ª fase, ganhou o maior destaque. “Ele representa tudo o que o povo brasileiro precisa e quer: passar a limpo o Brasil, lavar essa corrupção.
A crise política está destruindo a economia. E essa grande concentração de pessoas é um grito de que tem jeito sim”, declarou a empresária Valdete Ferreira, 50 anos, que carregava
uma das faixas em apoio ao magistrado. Gente de todas as idades participou. Aos 98 anos, dona Maria da Penha de Castro Pereira foi à manifestação pela primeira vez: “Precisa mudar né, ninguém aguenta mais, a gente precisa dar um jeito neste país. O Brasil não merece isso não”, desabafou.

O gigante perdido
Na avaliação do deputado federal Max Filho (PSDB/ES), a dimensão dos protestos contra o Governo ecoou de forma significativa no cenário político. “Acredito que a pressão das ruas nos parlamentares irá surtir efeito e que o impeachment da Dilma será aprovado. Estima-se que até o dia 15 de abril chegue ao plenário da Câmara para ser votado.” Mas, em meio à luta pelo fim da corrupção, havia ainda pedidos de intervenção militar e propaganda eleitoral já para o pleito presidencial de 2018.

GRAMPOS

Os prejuízos ao Governo não pararam por aí. A delação premiada do senador Delcídio do Amaral (ex-PT e ex-líder do governo no Senado) foi homologada, acusando Dilma e Lula de tentar interferir na Lava Jato, e o ministro de Educação, Aloizio Mercadante, de procurar “comprar” seu silêncio. Embora o STF tenha decidido que a delação de Delcídio não fará parte do processo o de impeachment, o argumento do PT de que não estava havendo interferência nas investigações caiu de vez por terra. Mas nada parece ter causado maior estrago que a divulgação das interceptações telefônicas que revelam conversas de Lula com Dilma.

Segundo os investigadores, o diálogo demonstra que ela teria agido para evitar a prisão do ex-presidente ao nomeá-lo ministro da Casa Civil. E o Brasil reagiu novamente diante dessa nomeação. Mas dessa vez, o apoio ao Executivo se mostrou mais aguerrido, embora em número muito menor, e engrossou o coro do “não vai ter golpe”. Após a posse, o Exército precisou intervir para evitar que o Palácio do Planalto não fosse invadido, durante confronto entre grupos pró e contra Governo. “Essa nomeação é um absurdo. O PT não tem projeto de país, tem projeto pessoal de poder. Olhem o montante de dinheiro enviado para obra em outros países, via BNDES, enquanto a infraestrutura do Brasil está deteriorada, obsoleta, fazendo com que perca competitividade. E a educação? Aumentam número de vagas e acham que isso é avanço na qualidade de ensino? Estão debochando do povo brasileiro. Não há a mínima condição de esses corruptos continuarem no poder”, enfatizou Affonso Vasconcellos, gestor de Marketing e Design.

A jornalista Andrea Margon critica o que chama de moralização seletiva. “Não compactuo com essa gestão, mas não aguento ver gente que sonega imposto, burla o Fisco ou engana o povo levantando bandeira contra corrupção. O dono do posto na esquina da minha casa foi autuado pelo Ipem (Instituto de Pesos e Medidas) porque estava adulterando álcool. E aí vejo esse cara de pau na manifestação? Muitos dos que gritam fora Dilma, fora PT, são Alcapones do século 21. E na classe política, Eduardo Cunha com não sei quantos processos, cheio de denúncias na Lava Jato;
Aécio Neves ficha imunda, Renan Calheiros (presidente do senado, PSDB) é brincadeira. E nada acontece.

Pedaladas não são mesmo corretas, mas todos deram. E os que deram se julgam no direito agora de pedir impeachment? E a indústria gritando por moralidade, como se os grandes empresários não bancassem a corrupção. Esse discurso de que tudo será resolvido com a saída de Dilma, essa moralização seletiva, muito me assusta”, reclamou.

O gigante perdido
31 DE MARÇO

As ruas de todas as capitais brasileiras foram tomadas na noite de 31 de março por manifestações contra o impedimento de Dilma. Em Vitória, a multidão se reuniu em frente à Assembleia Legislativa. Os organizadores falaram entre 5 mil e 7 mil pessoas no ato. Todos os estados e o Distrito Federal registraram mobilizações desfavoráveis ao impeachment, totalizando 824 mil participantes, conforme as lideranças, e 159 mil, de acordo com a PM.

Professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Telma Mara Bittencourt Basseti, também doutora em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP), avalia que a história do Brasil está assentada em uma estrutura de desigualdade e conservadorismo. “Sob a lógica do ‘manda quem pode, obedece quem tem juízo’, as ações coercitivas continuam acontecendo, sobretudo envolvendo o PT. Sob a o discurso de acabar com a corrupção, a história vai se repetindo. Isso porque mais uma vez são recuperadas as fábricas de heróis, bem como os chamados
‘bois de piranha’”, analisa.

Em sua avaliação, a facilidade de comunicação e, portanto, de articulação, tem permitido que intelectuais e uma minoria politizada surgida pós-ditadura comandem o movimento de resistência diante do que consideram golpe, uma vez que “a lei não está sendo aplicada segundo sua filosofia e função originais. Nesse sentindo, estava certo quem disse (a Constituição) que o vazamento das gravações da presidenta poderia colocar em risco a segurança nacional”, argumenta a doutora.

O gigante perdido
IMPEACHMENT

No momento mais frágil do Governo petista diante o Congresso, Eduardo Cunha recebeu autorização para dar prosseguimento à análise do pedido de impeachment na Câmara, aceito pelo presidente da Casa em dezembro de 2015. E foi aberta a temporada de ofertas em Brasília. Ao contrário do que imagina Michel Temer, de que após a saída do PMDB, outros partidos deixariam a base aliada, as demais legendas não se intimidam em demonstrar que buscam benefícios na crise.

O Palácio do Planalto tem 600 cargos para oferecer aos parlamentares, que somam um orçamento de R$ 100 bilhões. Mesmo fora do Executivo, o PMDB mantém ministros em seus cargos sob a alegação de que poderão assim garantir alguns votos contra o impedimento. Na Comissão Especial de Impeachment (CEI), composta por 65 membros titulares, PT e PMDB são as siglas com o maior número de integrantes, oito; seguidos do PSDB, principal partido de oposição, com seis componentes.

Os advogados Hélio Bicudo (um dos fundadores do PT), Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal acusam a presidente de crimes de responsabilidade fiscal no mandato passado, com as chamadas “pedaladas fiscais”, e no atual, com a continuidade das manobras e a assinatura de decretos de abertura de crédito sem permissão do Congresso, além de ato contra a probidade na administração por omissão no caso de corrupção.

O gigante perdido
Uma acusação inverídica para o deputado petista Helder Salomão, da bancada capixaba. “As ditas pedaladas, que foram praticadas por outros presidentes, não configuram crime de responsabilidade. Por isso, a nossa conclusão: impeachment sem provas é golpe”, reafirmou o parlamentar, que criticou a postura do PMDB. “A decisão de desembarcar do Governo foi oportunista. Uma aliança que durava 13 anos não poderia ser rompida numa reunião que durou três minutos. Isso mostra que uma parcela desse partido aderiu ao golpe. Precisamos ter responsabilidade neste momento de crises econômica e política e trabalhar firme, no Congresso, para construir uma agenda mínima de consenso que coloque o Brasil novamente no caminho do desenvolvimento. Paralelo a isso, devemos trabalhar para que todas as denúncias sejam investigadas sem seletividade e para que todos os culpados paguem pelos seus crimes, independente de partido, doa a quem doer”, defendeu Salomão.

Titular da comissão, o deputado capixaba Evair de Melo (PV) garante que a maioria dos parlamentares vai votar a favor do afastamento da petista. “A base do Governo está se dissolvendo. Não há a mínima condição de apoiar esse circo. A maioria dos deputados do PMDB, do PSD e do PP, por exemplo, já integra a oposição ao Governo”, assegurou ele, acrescentando que o apoio a Dilma “deve sofrer baixas a cada dia”.

Outro voto declarado ao impeachment vem do deputado Sérgio Vidigal (PDT). “O Brasil deu duas oportunidades a Dilma. Agora é hora de ela dar uma oportunidade ao país de retomar o crescimento. Ter nomeado o Lula para a Casa Civil legitimou o impeachment ainda mais. Ela mostrou que eles mantêm um projeto de poder, e não de Estado”, declarou. Vidigal falou ainda sobre outras questões que “precisam ser resolvidas”. “Não podemos deixar de citar que o processo de impeachment da presidente foi encaminhado por um réu da Lava Jato. A sociedade precisar se manter atenta a isso”, complementou.

Se o Senado aprovar a abertura do processo, Dilma Rousseff é obrigada a deixar temporariamente suas funções por até 180 dias, até a conclusão do processo. Caso seja considerada inocente, volta ao cargo. Uma vez apontada como culpada, ela é afastada definitivamente e fica impedida de se candidatar a cargos políticos por oito anos. Nesta última hipótese, assumirá a presidência, interinamente, o vice, Michel Temer.

Mas o ministro do STF Marco Aurélio Mello determinou que Cunha, na Câmara, também dê continuidade ao processo de abertura de impeachment contra Temer, protocolado pelo advogado mineiro Mariel Márley Marra, sob a justificativa de que o vice- presidente da República cometeu crime de responsabilidade ao assinar decretos que autorizam a abertura de crédito suplementar sem o aval do Congresso. O requerimento havia sido arquivado pelo presidente da Casa.

Caso Temer seja afastado em consequência de processo em andamento no TSE, sob acusação de ilegalidade da chapa que venceu as eleições, será convocado um novo pleito. Se o afastamento dos dois ocorrer na segunda metade do mandato, o sucessor é escolhido pelo Poder Legislativo. Enquanto isso, só nos resta esperar.

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