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terça-feira, 23 abril, 2024

O Espírito Santo sob ataque

O Espírito Santo sob ataquePara o Estado capixaba, 2011 parece ainda não ter terminado. Afinal, as ameaças que ferem direitos adquiridos dos capixabas, encaminhadas por diferentes propostas politicas no ano passado, podem fazer com que o Estado perda milhões já este ano
O ano de 2012 começa com a perspectiva de desaceleração na economia mundial, o que pode trazer graves consequências para o Espírito Santo, cuja economia é fortemente dependente do comércio internacional. Porém, além disso, o Estado terá pela frente outros desafios, gerados dentro da própria Federação, e que também ameaçam seu desenvolvimento. As polêmicas questões relativas a mudanças na forma de distribuição dos royalties do petróleo e na tributação do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS), com o consequente fim do Fundo de Desenvolvimento da Atividade Portuária (Fundap), foram grandes preocupações dos capixabas no ano passado e ainda não poderão ser esquecidas em 2012, pois, embora o ano tenha mudado, o panorama permanece o mesmo, com o Espírito Santo ainda sob a mira do ataque federativo.
Autoridades e políticos capixabas estão reunidos para lutar contra essas perdas. Deputados federais e estaduais, senadores, o governador Renato Casagrande, secretários de Estado e prefeitos dos municípios capixabas têm focado suas ações em sensibilizar as autoridades de Brasília sobre os prejuízos que tais propostas trarão para o Espírito Santo, que vive um dos melhores momentos econômicos de sua história.

Royalties
Uma questão que deve prejudicar profundamente o Espírito Santo é a proposta de redistribuição dos royalties do petróleo. Somente em 2011, o Estado arrecadou R$ 1,8 bilhão em recursos provenientes de royalties e participação especial. A legislação em vigor atualmente prevê que Estados e municípios produtores – além da União – têm direito à maioria desses recursos. A divisão atual é de 40% para a União, 22,5% para Estados e 30% para os municípios produtores. Os 7,5% restantes são distribuídos para todos os municípios e Estados da federação.
A primeira proposta de mudança dessa divisão foi elaborada pelo deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), com o intuito de beneficiar os estados não produtores de petróleo. Ela determinava que, preservada a parte da União nos royalties e na chamada participação especial, o restante seria dividido entre estados e municípios segundo os critérios dos fundos constitucionais dos municípios (FPM) e dos Estados (FPE). A proposta foi muito criticada pelas bancadas dos estados produtores, principalmente Espírito Santo e Rio de Janeiro, com posterior adesão de São Paulo, e acabou sendo vetada pelo ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.
Ao longo de 2011, as bancadas capixaba e carioca estiveram em permanente negociação com os outros parlamentares, visando a garantir os direitos dos seus estados ou, ao menos, conseguir uma proposta em que estes perdessem menos. No dia 19 de outubro do ano passado, o Senado aprovou o Projeto de Lei substitutivo, de autoria do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), que estabelece uma tabela para a divisão dos royalties no regime de partilha (para os campos do pré-sal a serem licitados), da seguinte forma: 22% para a União, 22% para Estados confrontantes, 5% para municípios confrontantes, 2% para municípios afetados por operações de embarque e desembarque e 49% para um fundo especial, que será distribuído a todos os estados e municípios, sendo metade para estes e metade para aqueles.
Estimativas feitas pelo Governo do Espírito Santo com base na produção de petróleo prevista para 2011 mostram que, mantidos os percentuais propostos pelo substitutivo, somente em 2012 o Estado já perderia R$ 500 milhões, sendo a perda para os municípios capixabas em torno de R$ 300 milhões. Existe a possibilidade de que as perdas cheguem a até R$ 525 milhões, se confirmadas projeções do aumento da produção, que normalmente ocorrem de um ano para outro. Apesar de expressivo, o montante que o Estado perde ainda é menor do que o previsto pela primeira proposta, do deputado Ibsen Pinheiro.
O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, afirma que a bancada federal capixaba e o governo estadual vão continuar trabalhando para reduziras possibilidades de danos e os prejuízos. “O que foi aprovado no Senado não nos interessa ainda. Se compararmos com as propostas da Emenda Ibsen-Simon, já avançamos, pois a posição do senador Vital do Rêgo é menos prejudicial para o Estado. Produzimos resultados, mas que ainda não nos atendem. Por isso, vamos seguir na mesma estratégia, de continuar buscando o entendimento. Confiamos muito na nossa base jurídica, mas antes manteremos nosso trabalho focado na redução das perdas”, disse o chefe do Executivo capixaba.
A proposta de Vital do Rêgo deve ser votada este ano no plenário da Câmara dos Deputados, e a bancada capixaba pretende trabalhar para adiar a votação. “Usaremos da articulação, obstrução, criação de emendas, tudo para que a Câmara não aprove esse projeto”, garante Casagrande. Se mesmo assim a proposta for aprovada, a matéria será levada à sanção da presidente Dilma Rousseff. E, para que os estados produtores de petróleo e gás natural – principalmente Rio de Janeiro e Espírito Santo – não saiam perdendo na redistribuição, o projeto deverá ser vetado pela presidente. Se isso não acontecer, o Espírito Santo recorrerá ao Supremo Tribunal Federal (STF), como garantiu o governador Casagrande. “A presidente Dilma tem todas as razões constitucionais e legais para vetar a matéria, porque ela mexe em contratos já assinados. Se isso não acontecer, vamos recorrer ao STF”, afirma o governador capixaba.
A Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales) também tem atuado na defesa dos direitos dos capixabas. “Existe na Ales uma Comissão Especial de Petróleo, Gás e Energia, que tem o foco de discutir, mobilizar e debater com a população capixaba a respeito do tema, porque muita gente ainda não entende o que está em jogo. É importante que haja um envolvimento da população. Temos defendido muito o nosso Estado, porque se perdermos esses recursos, a maioria dos municípios capixabas perderá a sua capacidade de investimento”, afirma o deputado estadual Glauber Coelho, que é membro do Comitê em Defesa dos Direitos do Espírito Santo.
O deputado federal Audifax Barcelos explica como a bancada capixaba na Câmara vai lutar pelos royalties do Estado. “Primeiro, vamos nos unir à bancada do Rio de Janeiro. Vamos buscar também, cada deputado na sua Comissão, uma estratégia de trabalho para fazer emendas ao projeto que ajudem a beneficiar o Espírito Santo, isso é fundamental. Pretendemos ainda aumentar o diálogo com o deputado Alceu Moreira (PMDB/RS), que coordena o trabalho sobre os royalties na Câmara. Lutaremos sabendo que as dificuldades vão ser maiores do que no Senado, onde o perfil dos parlamentares é diferente: são, em sua maioria, ex-gestores, e têm mais noção do que na Câmara, onde existem muitos representantes de classe”, afirma.
O projeto deve voltar à pauta do Congresso em março, quando deverá ser analisado pela Câmara, onde tramitam outras matérias com prioridade de votação sobre essa. O trabalho da bancada capixaba tem se concentrado em adiar essa apreciação e, enquanto isso, deputados e senadores têm procurado manter as articulações junto a parlamentares de outros estados e até mesmo junto à presidente Dilma, garantindo aliados nesta batalha.

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A Reforma Tributária e o ICMS
Além da questão dos royalties, outra ameaça ao Espírito Santo, talvez mais grave, é a reforma tributária, que pretende unificar a cobrança de impostos entre os Estados. Para isso, a primeira proposta é reduzir a alíquota do ICMS sobre as importações de 12% para 8%, em 2012; de 8% para 4% em 2013; e de 4% para 2% em 2014. Ela passaria a ser cobrada no destino do produto, e não na sua origem (ponto de entrada no país), o que vai atingir fortemente o Espírito Santo, em especial o Fundo de Fomento às Atividades Portuárias (Fundap).
O fundo de fomento, criado em 1970, beneficia empresas com sede no Espírito Santo que realizam operações de comércio exterior tributadas com ICMS no Estado e também empresas industriais com sede no Estado que utilizam insumos importados. A alíquota do ICMS Fundap é de 12%, dos quais 8% são destinados ao financiamento de projetos, 3% vão para os municípios e 1% fica com o Governo do Estado.
O ICMS é hoje a principal receita capixaba. De acordo com a Secretaria da Fazenda do Estado (Sefaz), na composição das receitas correntes e de capital arrecadadas no ano de 2010, o ICMS ocupou posição de destaque, representando 54,82% do total arrecadado naquele exercício.
Além de mexer nas receitas capixabas, a proposta do Governo Federal de mudar a forma de cobrança do ICMS recolhido nos estados ainda pode afetar diretamente as operações de comércio exterior no Espírito Santo e, consequentemente, as indústrias que dependem de matérias-primas importadas. Enquanto o governo estadual se esforça para conseguir junto ao Governo Federal uma redução gradual e um prazo de adaptação maior às mudanças na legislação tributária, as empresas “fundapeanas” têm como desafio aumentar sua eficiência para continuarem competitivas.
De acordo com o consultor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-secretário de assuntos econômicos do Ministério da Fazenda, Michal Gartenkraut, a medida proposta pelo Governo Federal vai acabar com a vantagem competitiva existente entre os estados. “Na realidade, o que o Governo Federal está propondo é uma queda profunda das alíquotas do comércio interestadual, e também sobre as importações. Se isso for feito, seca a fonte dos incentivos, que visam justamente a abaixar as alíquotas. Quando são concedidos incentivos, é como se o contribuinte recolhesse e o governo, através de uma despesa orçamentária, devolvesse isso para ele. Tudo se passa como se ele não estivesse pagando o imposto efetivamente”, explica.
Michal ainda acrescenta: “Hoje as alíquotas são diferenciadas em alguns estados, sendo de 12 ou 7%. Não dá para garantir que a mesma alíquota, de 2%, vai atender a todos os estados, porque eles têm realidades muito diferentes”. Ainda de acordo com o pesquisador, 25% do ICMS são destinados aos municípios, que serão bastante impactados pela mudança. “Os municípios é que vão ser, na verdade, os grandes prejudicados, mais ainda do que o Estado”, destaca.
Para o senador Ricardo Ferraço, a questão proposta pelo Governo Federal em relação ao ICMS também não faz sentido. “É um absurdo o Governo Federal, em lugar de enfrentar as questões estruturais de uma necessária e inadiável reforma tributária, esteja optando por um atalho, que não resolve, nem de longe, as questões centrais do sistema tributário brasileiro e, ainda por cima, pretender iniciar essa ‘reforma’ justamente pelo ICMS, que é um imposto dos estados”, critica.
De acordo com Ferraço, o Estado perde parte substancial de seus recursos com a mudança. “Os cálculos indicam que, dos cerca de 50% que o ICMS representa para a arrecadação estadual, perderemos pelo menos 30%. São recursos de fundamental importância para o Espírito Santo”, afirma.
Ferraço reafirma a necessidade da reforma tributária. “A questão central é que todos nós precisamos de uma redução da carga tributária, essa é uma das maiores reclamações dos brasileiros. O problema é que, ao reduzir os tributos dos estados, nós perdemos a margem de um importantíssimo incentivo que temos, que é o ICMS Fundap. Ele representa um terço de todo o ICMS que o Espírito Santo arrecada. Esse ICMS é todo dos municípios. É como se você reduzisse a zero a capacidade de investimento do conjunto dos nossos municípios”, defende.
Mas, ao que tudo indica, a batalha pela manutenção do Fundap promete ser ainda mais difícil do que a travada pelos royalties, como esclarece o deputado estadual Glauber Coelho. “Quando falamos dos royalties, é preciso lembrar que temos parceiros do nosso lado, entre eles a presidente Dilma Rousseff. Já a nova tributação do ICMS, com o fim do Fundap, é uma decisão do governo federal, que é quem quer essa mudança, ou seja, a luta será mais difícil”, afirma.

Municípios, os maiores prejudicados
Tanto as questões relacionadas à divisão dos royalties quanto à tributação do ICMS afetarão ainda uma outra fonte de recursos fundamental para os capixabas. Também prevista para acontecer este ano, a mudança na forma de distribuição do Fundo de Participação dos Estados (FPE) pode acabar com a capacidade de investimento de muitos municípios do Espírito Santo. A regra, que deverá ser revista até o final de 2012, foi criada em 1989 e dá prioridade na distribuição dos recursos para os Estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que ficam com 85% do bolo.
Independentemente de como se resolvam essas questões, os capixabas precisam estar preparados para as mudanças, que certamente virão. As perspectivas, a longo prazo, são de aumento na arrecadação, por conta dos investimentos que o Estado recebe. Além disso, buscando alternativas, o Espírito Santo está procurando atrair mais investimentos, de novas áreas. De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento, a ideia é diversificar a economia capixaba, para que o Estado reduza sua dependência em relação a esses recursos. Enquanto isso, as próximas ações da bancada federal serão fundamentais para evitar que o Estado chegue à beira do colapso, ou que, ao menos, as perdas já previstas sejam reduzidas sem, contudo, acirrar um conflito com as outras unidades da Federação.

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